As pernas traíram hoje Rui Costa, com o ciclista português a despedir-se da camisola "arco-íris" com a sombra de ter falhado no momento decisivo para a atribuição das medalhas dos Mundiais de Ponferrada, em Espanha.
Costa não pode culpar ninguém a não ser a si próprio por não ter tido força para seguir os homens que responderam ao ataque fulminante da “armada espanhola”, uma tática que, ainda assim, não impediu o polaco Michal Kwiatkowski, autor de uma irrepreensível estratégia de corrida, de se sagrar campeão do Mundo de fundo na prova de encerramento dos Campeonatos do Mundo de estrada.
“Era o tudo ou nada, não sei como consegui”, disse um exultante Kwiatkowski, o primeiro "arco-íris" da história do seu país, que elogiou o trabalho “fantástico” da sua seleção.
Ninguém sabia muito bem o que esperar da prova de fundo de Ponferrada2014. Especulava-se que a Austrália iria controlar o ritmo do pelotão do princípio ao fim – os “aussies” devem ter repensado a tática, uma vez que esta fracassou na sexta-feira, nos sub-23 -, ou que Itália, Colômbia e Espanha endureceriam a corrida desde a primeira volta.
Esperava-se muita coisa, mas não que o pelotão seguisse a ritmo de passeio atrás do quarteto de fugitivos inicial, o croata Matija Kvasina, o colombiano Carlos Quintero, o ucraniano Oleksandr Polivoda e o lituano Zydrunas Savickas, que, à quarta passagem pela meta, tinha uma vantagem de 15.02 minutos.
Decorridas quatro horas de prova, cumpridas nove das 14 voltas, sob o comando da Polónia de Kwiatkowski, nada havia de revelante para contar, a não ser o furo de Fabian Cancellara logo nos primeiros quilómetros, a queda de Vincenzo Nibali numa curva na terceira volta ou a predominância de bandeiras portuguesas no circuito de 18,2 quilómetros.
Estava tudo programado: a 78 quilómetros da meta, sob uma chuva, finalmente impiedosa, a Itália tomou conta da corrida, impondo uma pedalada intensa para anular a fuga e eliminar a concorrência e, definitivamente, os portugueses José Mendes e André Cardoso, os primeiros desistentes nacionais.
O objetivo foi reafirmado, quando, a 66 quilómetros, ficou isolado um grupo de peso, composto, entre outros por Edvald Boasson Hagen e Tony Martin – Alejandro Valverde e Joaquim Rodriguez ainda andaram em posição intermédia, mas a Austrália recolheu-os no pelotão.
O alemão, que ficou desolado por perder o título de campeão do mundo de contrarrelógio, voltou a demonstrar que é um corredor único no panorama velocipédico internacional, mantendo-se durante vários quilómetros em solitário na cabeça da corrida, em permanente conquista de segundos para os perseguidores, até ser alcançado a 40 quilómetros.
Depois um momentâneo despertar da França, que anulou a fuga, a Espanha, a correr em casa para a única medalha que faltava a Valverde (ainda e sempre o recordista de metais em Mundiais, com seis, sem nenhum ouro), percebeu que a responsabilidade da corrida era tarefa sua e lançou na frente Dani Moreno (com o arranque, Sérgio Paulinho ficou tão atrasado que teve de desistir).
Seria apenas o primeiro esboço do que estava para vir. Kwiatkowski, um talento em potência revelado na Volta ao Algarve deste ano, fez as duas coisas que melhor sabe: saiu do pelotão, na primeira das duas perigosas descidas do circuito, para descer com uma coragem que só os 24 anos e uma exímia técnica explicam, e rolar como bom contrarrelogista que é, numa luta desenfreada contra os favoritos que seguiam atrás de si.
Esse seria o momento que garantiu o ouro ao polaco (na meta, com todos atrás de si, deixou falar mais alto a emoção, ergueu-se na bicicleta, de rosto tapado), mas foi outro que negou uma medalha a Rui Costa. Depois de um extraordinário trabalho de equipa para mantê-lo sempre bem colocado, o ciclista da Lampre-Merida falhou ao não ter pernas para responder ao ataque de Joaquim Rodriguez.
À mexida de “Purito” só reagiram Valverde, os belgas Philippe Gilbert e Greg Van Avermae, o australiano Simon Gerrans, o dinamarquês Matti Breschel e o francês Tony Gallopin. Com o grupo no qual seguia o ainda campeão do Mundo nas suas costas, e o novo camisola “arco-íris” a celebrar à sua frente, as medalhas decidiram-se ao sprint, com o principal favorito, Gerrans a levar a prata e Valverde o seu quarto bronze.
O objetivo de Rui Costa não foi alcançado (o outro que definiu para esta época, o Tour, também não), o da missão portuguesa também não. E bastava ver a desilusão nos rostos enlameados de Tiago Machado, 54.º a 1.32 minutos, e de Nelson Oliveira, 67.º a 5.12 minutos, para percebê-lo.
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