Gustavo Veloso ‘intrometeu-se’ no sonho de Amaro Antunes, com um contrarrelógio que o elevou ao segundo lugar, por troca com Frederico Figueiredo, e que venceu, no adeus de uma ‘apagada’ edição especial da Volta a Portugal em bicicleta.
Há vários dias que o português da W52-FC Porto repetia que a amarela dava força e, hoje, terá feito o ‘crono’ da sua vida para segurá-la, cumprindo os 17,7 quilómetros nas ruas de Lisboa num honroso sétimo lugar, a 31 segundos do seu companheiro galego, que demonstrou ter ainda muito para dar ao ciclismo, com um triunfo estrondoso na oitava e última etapa.
Aos 40 anos, o vencedor da Volta em 2014 e 2015 e terceiro no ano passado, pedalou a uma impressionante média de 49,243 km/h para ganhar o contrarrelógio, com um imbatível tempo de 21.34 minutos, e subir, pela terceira vez na sua carreira, ao segundo lugar do pódio da prova rainha do calendário nacional, na qual foi vice-campeão também em 2013 e 2016, relegando Frederico Figueiredo (Atum General-Tavira-Maria Nova Hotel) para o último degrau.
“Não saí para tentar ganhar o ‘crono’, saí para tentar ganhar a Volta”, admitiu o vencedor ‘derrotado’ do dia, que ficou a 42 segundos do seu companheiro de equipa, e bateu ‘Fred’ por apenas 10 segundos na geral, após um contrarrelógio em que António Carvalho foi segundo, a oito segundos, o francês Anthony Delaplace (Arkéa-Samsic) foi terceiro, a 17, empatado em tempo com o vice do ano passado, Joni Brandão (Efapel), que ainda ficou na quarta posição da geral, a 01.23 de Antunes.
A imagem de um ciclista solitário a festejar em solitário será, contudo, aquela que perdurará na memória daqueles que presenciaram a concretização do sonho da vida do trepador algarvio, que vestiu a amarela na Senhora da Graça, onde venceu a segunda etapa, e não mais a despiu.
“Qualquer ciclista português, tem o sonho de vencer uma Volta a Portugal. Ainda por cima, na situação em que estamos, conseguir chegar aqui e ser o camisola amarela… a verdade é que ainda não cai bem na realidade”, confessou o algarvio, de 29 anos, que sucedeu ao seu companheiro João Rodrigues, apenas sétimo nesta edição.
Não houve a festa de outros tempos, os abraços dos colegas, um momento de explosão; assim que cortou a meta, Antunes chorou como um menino, agarrado ao capacete, com as lágrimas a escorrerem-lhe pelo rosto durante largos minutos, privado da companhia dos seus devido a uma pandemia que quase impediu que a prova saísse para a estrada. Mais tarde, ao subir ao pódio, deu um suspiro profundo, que justificou com o alívio da “enorme tensão que tinha nas costas”.
“Sabia que não podia defraudar a minha equipa, queria retribuir todo o trabalho. Os meus colegas foram incansáveis, deram a camisola por mim. E, acima de tudo, hoje parti com o objetivo de orgulhar a minha mãe, por situações que se estão a passar”, revelou.
Nos bastidores do triunfo emotivo de Antunes, houve outras histórias para contar: o encontro entre Veloso e Figueiredo, em que o segundo abraçou o terceiro e lhe disse “desculpa pá” – para um pronto “fizeste o teu trabalho” de ‘Fred’ -, a entrega do prémio ‘Espírito de Sacrifício’ ao veterano Sérgio Paulinho (Efapel), a singela homenagem a Joaquim Gomes, o homem na sombra que ‘salvou’ a Volta a Portugal, e o abraço mais desejado pelo vencedor.
Ao vislumbrar a mulher entre o público, o ciclista da W52-FC Porto, equipa que conquistou a quinta vitória consecutiva (a oitava da estrutura) e também venceu coletivamente, apressou-se a abraçá-la, com os dois separados pelas ‘baias’ de segurança e pelo rigoroso e, por vezes, excessivo protocolo sanitário que ensombreceu uma Volta muito pouco especial devido à pandemia de covid-19.
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