Cherie Pridham cumpriu um sonho antigo ao tornar-se a primeira mulher a ‘comandar’ uma equipa do WorldTour e, hoje, garante não se sentir discriminada num mundo, o do ciclismo, onde as mentalidades estão a mudar lentamente.
“Estou acostumada a ser a única diretora desportiva, não é nada novo para mim. Mas vejo-me a mim mesma como um diretor desportivo como todos os outros. Não é preciso destacares que és uma mulher, se és suficientemente boa para o cargo. Se fizer um bom trabalho, qualquer pessoa deveria ter uma oportunidade”, defende a britânica.
Cherie Pridham está na 82.ª Volta a Portugal como diretora desportiva da Israel Cycling Academy, a equipa satélite da poderosa Israel Start-Up Nation, a formação do primeiro escalão do ciclismo mundial que teve a ousadia de inovar e eleger uma mulher para liderar os seus corredores, entre os quais o britânico Chris Froome, quatro vezes vencedor do Tour.
No regresso a Portugal, onde já tinha estado em 1994, numa das muitas paragens da sua bem-sucedida carreira de ciclista profissional, a britânica de 50 anos assume à agência Lusa que gostaria que o seu exemplo abrisse portas a mais mulheres na elite do ciclismo.
“Espero que sim. Penso que temos de começar por algum lado. Era um sonho mesmo muito antigo meu ser diretor desportivo no WorldTour, foi algo pelo que nunca desisti de esperar. Não pensei que acontecesse quando aconteceu, mas, como dizem, na vida quando tens uma oportunidade, tens de aproveitá-la. Uma porta fechou-se para mim e outra abriu-se tão rapidamente…”, recorda.
Quando o convite da Israel Start-Up Nation surgiu, em finais de 2020, Pridham nem pensou, “só disse que sim, que aceitaria”. “Não tinha nada a perder na altura. A minha antiga equipa estava a acabar, e disse-me: ‘não tenho nada a perder, vamos a isso’”, completa, referindo-se à extinção da Vitus Pro Cycling, a equipa continental da qual era proprietária e que comandou no seu percurso de mais de uma década ligado ao ciclismo masculino.
“Penso que as mentalidades estão a mudar lentamente. Estou ligada ao pelotão masculino há mais de uma década, mais precisamente há 15 anos, e as pessoas que me conhecem não pensam nada diferente de mim por eu ter subido ao WorldTour. Obviamente, a visibilidade tornou-se mais evidente, e a situação ganhou mais destaque”, nota.
A duas vezes vencedora da versão feminina da Volta a Itália, que teve de terminar abruptamente a sua carreira em 2006, depois de ser atropelada com gravidade, confessa ser “um prazer e uma honra estar a representar as mulheres e as raparigas, para demonstrar que elas podem chegar a este nível”.
Apesar de o ciclismo ser um mundo de homens, Cherie Pridham desmistifica o preconceito de quem olha para ele de fora, garantindo nunca ter sentido qualquer tipo de discriminação quer por parte dos seus colegas, quer por parte dos seus corredores.
“Não, de todo. Esta é a minha primeira vez a trabalhar com a Academy e os rapazes não me tratam de maneira diferente, tal como os colegas. E isso é bom”, reforça, admitindo, contudo, que as mulheres no ciclismo têm de trabalhar o dobro para conquistarem o seu espaço, algo que até considera ser positivo, por colocá-las na vanguarda nas suas funções.
Com o seu nome incluído nas listas de feitos da modalidade, ou não tivesse sido ela também a primeira diretora desportiva feminina a alcançar uma vitória numa prova WorldTour – foi em março que o dinamarquês Mads Würtz Schmidt venceu a sexta etapa do Tirreno-Adriático -, a britânica ‘baixou’ nesta Volta a Portugal dois escalões para acompanhar os miúdos da equipa de formação israelita.
“Eu tive a minha própria equipa continental durante uma década, trabalhar a este nível não é nada de novo. Claro que os orçamentos e as mentalidades mudaram, mas penso que veremos cada vez mais a integração de equipas mais jovens nas equipas Worldtour. Faz sentido, porque, a determinada altura, eles têm de perceber onde têm oportunidades. É ótimo estar a trabalhar com os rapazes”, reconhece.
Como aliciante extra neste desafio, que vai desempenhar até 15 de agosto, está a dureza da 82.ª Volta a Portugal, para a qual fez “muito trabalho de casa”.
“Sei que é muito difícil, que o percurso é muito duro, que as equipas aqui este ano são muito fortes. Teremos o nosso trabalho muito dificultado, mas tenho a certeza de que faremos o nosso melhor. Estamos muito motivados para orgulhar os nossos patrocinadores”, garante.
Ana Marques Gonçalves (texto) e Nuno Veiga (fotos), da agência Lusa
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