A paixão pelo ténis de João Lagos e da sua equipa converteu uma utopia em realidade, numa Masters Cup que, 20 anos depois, perdura na memória coletiva pelo estrondoso sucesso organizativo, aliado ao memorável triunfo de Gustavo Kuerten.

Tudo começou por mera “curiosidade” de João Lagos: quando a Associação de Tenistas Profissionais (ATP) decidiu tornar a Masters Cup, até aí com ‘residência’ fixa em Hanôver (Alemanha), “uma prova itinerante”, o empresário resolveu concorrer para aprender “um pouco mais destes meandros”, sem esperança de vencer, perante a concorrência de “meio mundo”.

“A convicção era muito pequena. Normalmente, quando se concorre, é com vontade de ganhar, mas aqui parecia-nos tão utópico. Basta lembrar que naquela altura não tínhamos nenhum jogador português no ‘top 100’. Tínhamos muito pouca relevância no ténis internacional. A única coisa que existia era o Estoril Open. Comparados com a concorrência... sabíamos que eram cerca de 80 cidades a concorrer. Tínhamos a noção clara que aquilo não era uma coisa para nós disputarmos. [...] Fizemo-lo com o maior dos brios, como se estivéssemos a jogar para ganhar, os valores envolvidos eram altíssimos, bastante utópico para aquilo que era Portugal naquela época, mas fomos fazendo”, reconhece em declarações à agência Lusa.

Os “mínimos olímpicos financeiros” foram prometidos, o Pavilhão Atlântico, “que era uma peça importantíssima”, pela sua modernidade, foi apresentado. E o resultado foi inesperado: “Pensávamos que, mais dia menos dia, seríamos uma das candidaturas a ficar para trás. O que é certo é que a lista foi reduzindo e, às tantas, já só havia oito cidades em disputa. E, depois, já só eram duas ou três”.

“Nós tínhamos o pavilhão, tínhamos o ‘know-how’, a única coisa que não tínhamos era dinheiro. Às tantas, estamos aflitos: ‘E agora?’”, recorda. Uma vez mais, a sorte (ou o engenho) ditou o destino de João Lagos: dias antes de receber a equipa do ATP para uma última e decisiva visita a Lisboa, o diretor do Estoril Open sentou-se à mesa com o então secretário de Estado do Desporto, Júlio Miranda Calha, e António Carneiro Jacinto, do Instituto de Comércio Externo de Portugal, e colocou o Masters na ementa do tradicional almoço prévio à final do seu torneio.

“Estou metido numa grande candidatura e, de repente, estamos próximos de ganhar [...]. Sugiro à mesa que precisava de umas dicas para ter uma boa desculpa para desistir da candidatura ao Masters”, conta, acrescentando que os seus interlocutores solicitaram mais detalhes, ao que prontamente respondeu que a verba em causa era “um balúrdio, uma pipa de massa”.

Logo na segunda-feira, recebeu um telefonema do ministério da Economia e Finanças, da parte do ministro Pina Moura, a ‘convocá-lo’ para uma reunião. “Tinham-lhe contado a conversa de domingo, estavam a achar que aquilo era uma coisa importantíssima para o país, e eu que não desistisse”, completa.

O Governo português embarcou na aventura, comprometendo-se a assegurar parte do orçamento de 10 milhões de dólares do evento, e a equipa de João lagos assegurou a vitória final.

“Fazemos uma última exposição e cada uma das pessoas da equipa levantava-se e falava da sua função. Disseram-me depois, mais tarde, que a postura, o entusiasmo, o empenho de cada uma dessas pessoas da minha equipa, além de mim próprio, era tão genuíno que eles [ATP] se impressionaram com isso, com as nossas competências, e com a paixão que dedicávamos ao ténis. Vim a aperceber-me mais tarde que isso tinha pesado bastante”, concede.

Daqueles dias vibrantes no Pavilhão Atlântico, Lagos guarda “tantas, tantas, tantas” recordações, mas destaca duas, mais práticas do que emocionais. A primeira, o facto de os semifinalistas da Masters Cup serem os vencedores dos quatro ‘Grand Slams’ daquele ano – Andre Agassi (Open da Austrália), Gustavo Kuerten (Roland Garros), Pete Sampras (Wimbledon) e Marat Safin (US Open) -, uma “coincidência fantástica, que só em si é notícia no mundo inteiro”.

“Além disso, quando o Masters começou, era o Marat Safin o número um. E só o seria no final se conseguisse chegar à final, mesmo que não ganhasse. E o Marat Safin perde na meia-final com o Agassi. A partir desse momento, podia perdê-lo para o Guga, que, para ser número um, tinha de ganhar o Masters. Nas meias-finais, o Guga ganha ao Sampras, é um jogo incrível, fabuloso, que fez com que no último jogo do ano, na final do Masters, o número um ainda estivesse em disputa”, evidencia.

Esse “milagre” aconteceu, com Kuerten a vencer o norte-americano em três ‘sets’ numa “final incrível”, disputada num ambiente de “loucura” e vencida pela primeira (e única) vez por um tenista de língua portuguesa, “mais um detalhe que contribuiu para a notoriedade na história do ténis do nosso Masters”.

Na véspera do dia em que se assinalam 20 anos daquela empolgante e memorável final, João Lagos assume “francamente” não acreditar que o evento que reúne os oito melhores tenistas da temporada possa regressar ao nosso país, uma vez que a prova, agora denominada ATP Finals, “desenvolveu-se muito”.

“Aliás, diz-se até, nos meandros do ténis, que a partir do ano em que aconteceu aqui em Lisboa, o padrão de qualidade que emprestámos ao evento serviu de ‘bench mark’ para os anos futuros”, conclui o homem responsável pelo maior evento de ténis ocorrido em Portugal.