Gonçalo Henriques, jovem promessa de Vila Nova de Poiares, tem sido apontado como um dos nomes mais entusiasmantes nos ralis em Portugal. A paixão pela modalidade vem desde muito novo, até porque via o pai a competir regionalmente e o 'bichinho' foi crescendo até chegar ao topo do Campeonato nacional.

Em 2022, começou a ser aposta da FPAK (Federação Portuguesa de Automobilismo e Karting), sagrando-se campeão. A partir daí, ascendeu para o campeonato de duas rodas motrizes, onde se tornou bicampeão nacional. O percurso tem sido feliz e vive agora um novo capítulo: a estreia no Rally 2 do CPR. Esta época, alinha na Hyundai Júnior Team FPAK ao volante de um Hyundai i20 N Rally2.

Ao lado da navegadora Inês Veiga, Gonçalo Henriques impressionou tudo e todos ao alcançar o terceiro lugar no Rallye Casinos do Algarve 2025. Vive o melhor momento da sua carreira, tendo sido apelidado de 'nova estrela em Portugal' por Kris Meeke.

Em entrevista ao SAPO Desporto, o jovem piloto contou-nos como começou o interesse nos ralis, o percurso que o levou até ao Rally 2, os desafios da modalidade em Portugal, bem como os seus objetivos para o futuro.

O início da paixão e os primeiros passos na modalidade

SAPO Desporto: Como é que começou a ganhar interesse pelos ralis?

Gonçalo Henriques: "Este interesse realmente começou com o meu pai, que fazia ralis quando eu era muito novo. Eu gostava muito da modalidade e ganhei a paixão, mesmo sem ele me impor alguma coisa. Claro que ele gosta e vibra tanto ou mais do que eu pelas minhas conquistas, mas não foi uma imposição. Realmente fiquei a gostar muito porque o acompanhava quando era pequeno e ficou quase como uma doença para mim."

SAPO Desporto: Não teve o percurso comum no automobilismo, não tendo começado nos karts quando era mais novo. Considera que isso influenciou o seu percurso e a forma como conduz?

Gonçalo Henriques: "Claro que sim. Os kartings são uma grande escola, por isso certamente que seria um piloto mais completo se tivesse praticado. Tive um kart quando era mais novo, mas raramente utilizei. O facto de nunca ter feito a escola dos kartings influencia a minha condução, uma vez que poderia ser ainda melhor piloto."

"Estraguei muitos carros em estradas menos boas de andar… o meu pai não ficava nada contente"

SAPO Desporto: Começou a competir nos ralis regionais em 2017. O objetivo era ganhar experiência para algo mais na modalidade ou apenas procurava praticar um hobby?

Gonçalo Henriques: "Eu comecei a fazer ralis em 2017, não foi ao volante, foi como navegador, e depois em 2018 é que passei para o volante. Em 2017, a intenção era ganhar alguma experiência, perceber como é que funcionavam os ralis e depois passar para o volante. Claro que nunca pensávamos chegar tão longe, julgava sempre que ia andar pelos regionais, fazer só como um hobby e não chegar a um nível tão profissional. Contudo, as coisas têm vindo a desenvolver-se nesse sentido e ainda bem…pelos vistos tenho algum jeito (risos)."

SAPO Desporto: Durante um período de tempo esteve afastado dos ralis, nomeadamente durante a pandemia. Foi a única razão para ter estado afastado?

Gonçalo Henriques: "Foi devido à pandemia e também por falta de apoio. Já é um desporto caro e nessa fase não achámos que era oportuno procurar apoios. Já era difícil antes e durante esse tempo foi ainda mais difícil para as empresas. Então parámos e também não era tão fácil fazer ralis, até porque era só um hobby e não pensávamos sequer em chegar até aqui. Antes da Covid, os meus ralis eram a brincar."

Passagem para o FPAK Junior Team e percurso no 2RM

SAPO Desporto: Em 2022 passou a integrar a FPAK Junior Team para conduzir um KIA Picanto. Quais os maiores desafios de passar de ralis regionais para algo mais profissional?

Gonçalo Henriques: "Nessa altura é que comecei a levar as corridas mais a sério. Na altura, o carro que nós corríamos no FPAK Junior Team era um carro bastante limitado, era quase de série e embora eu corresse nos ralis regionais com um carro velho, já era um carro com algum material. Por isso, a adaptação a um carro mais limitado podia ser um pouco complicada para quem estava habituado a um carro um pouco melhor. No entanto, o KIA Picanto era um carro praticamente de dia a dia e foi nesses carros que fiz grande parte da minha evolução. Estraguei muitos carros em estradas menos boas de andar… o meu pai não ficava nada contente, mas eu tinha o vício e praticava dessa forma. Tivemos que trabalhar muito porque eu gostava muito de ralis de terra e foram quase todos terras que eu tinha feito até ao FPAK Junior Team. Precisámos de nos adaptar ao asfalto e começamos logo mal com um acidente. Pensamos que não íamos conseguir o objetivo de ganhar, mas conseguimos."

SAPO Desporto: Foi campeão do FPAK Junior Team (2022) e bicampeão nacional de 2RM (2023 e 2024). No final da temporada passada disse que estava afastada a possibilidade de continuar no 2RM do CPR, colocando em hipótese os campeonatos ibérico e europeu. Qual a razão para não ter vontade de continuar no 2RM do CPR?

Gonçalo Henriques:  "O campeonato de duas rodas motrizes nacional está bastante competitivo, mas queríamos dar um passo em frente e tentar outros voos. Isso passava ou pelo campeonato europeu, duas rodas de matrizes ou pela Copa Ibérica. Isto porque passar para um Rally 2 era realmente muito dispendioso e sabíamos que era muito mais difícil de conseguir, sem o apoio oficial. O 2RM era o nosso objetivo, mas depois surgiu a possibilidade de algo mais."

SAPO Desporto: Existem muitas Dificuldades financeiras para conseguir apoios suficientes para estar no Rally 2. Como é que a falta de apoios pode ser um entrave para estar no topo do CPR, mesmo para quem é campeão na categoria inferior?

Gonçalo Henriques: "Nós agora estamos a ver mais investimento por parte das marcas novamente no CPR, por isso penso que também com estes projetos da Federação isto vai ser um problema cada vez mais pequeno. Claro que isto é um desporto muito caro, mas não é só caro em Portugal, é difícil no mundo todo. Tentamos dar um passo em frente e precisamos de mostrar o nosso valor para possíveis relações com patrocinadores. Os ralis não são só feitos na estrada, é preciso trabalhar com os parceiros."

Experiência na Hyundai Júnior Team FPAK e estreia de sonho no CPR

SAPO Desporto: Como é que surgiu a possibilidade de integrar o projeto de Hyundai com a FPAK?

Gonçalo Henriques: "Eu e o Hugo fomos contactados com esta possibilidade, ainda sem grandes certezas, mas era só uma ideia ainda naquele momento. Quando fomos contactados pela primeira vez, claro que é um sonho e uma oportunidade que não se pode recusar de qualquer maneira. A minha vontade foi logo dizer que sim, mas tivemos de aguardar até que se tornou realidade."

"Posso confirmar que a minha presença no rali de Portugal também está quase assegurada, faltam-me apenas alguns apoios"

SAPO Desporto: Vão ser 3 oportunidades em 3 ralis, esta temporada. Sente que tem que dar o tudo por tudo para merecer ser aposta na próxima época ou prefere não colocar essa pressão?

Gonçalo Henriques: "Nós sabemos que temos de mostrar o nosso valor para continuarmos a ter oportunidades, tem sido assim nestes últimos 2 anos e meio. Tem sido sempre a tentar mostrar o nosso valor e evoluir sem correr demasiados riscos, porque os riscos desnecessários por vezes dão em acidentes e os acidentes ficam muito caros. Temos de fazer o nosso caminho com muita consciência, mas neste momento não quero pôr esse tipo de pressão. Estou a tentar desfrutar, evoluir quilómetro a quilómetro para ser melhor. É tentar ter outra oportunidade para conseguir fazer uma época completa. Quero divertir-se e desfrutar da condução do Hyundai que é incrível, o melhor carro que já conduzi. Quero, acima de tudo, divertir-me a fazer o que gosto."

SAPO Desporto: A Hyundai não atribui o Rali de Portugal e o Rali Vinho da Madeira a nenhum dos dois pilotos (Gonçalo Henriques e Hugo Lopes). Há a possibilidade de ainda vir a ser listado para um dos dois?

Gonçalo Henriques: "O Hugo já confirmou e disse que estava quase garantido no rali Vinho da Madeira, e eu posso confirmar que a minha presença no rali de Portugal também está quase assegurada, faltam-me apenas alguns apoios. Gostava de fazer muito o rali de Portugal porque acontece na minha zona e da Inês. Torna tudo muito interessante para nós, termos os nossos amigos, nossos familiares, toda a gente vai querer ver-nos na estrada. Estamos a fazer o possível para marcar presença, pelo menos no primeiro dia da prova.

SAPO Desporto: O Gonçalo Henriques e o Hugo Lopes vão dividir o segundo carro da Hyundai ao longo da época. Como é que vai acontecer a dinâmica entre os dois?

Gonçalo Henriques: Nós fizemos o primeiro teste em conjunto. Antes de todos os ralis fazemos um teste, e as afinações são nossas, mas sinceramente da minha parte eu não tenho grande experiência para afinar o carro, normalmente para mim está sempre tudo bem. Temos contado com a ajuda do Dani Sordo e da Sports&you, bem como de todos os engenheiros. Cada rali é um rali, trabalhamos em afinações diferentes, mas partilhamos sempre o que cada um está a fazer no carro."

SAPO Desporto: Desde 2024 que está acompanhado pela navegadora Inês Veiga. O que é preciso para que o piloto, e neste caso, a navegadora, estejam em sintonia perfeita?

Gonçalo Henriques: "É normal que na primeira ou segunda corrida as coisas não sejam tão perfeitas, com isto não estou a dizer que correu mal, pelo contrário, a Inês adaptou-se muito bem a mim, mas neste momento realmente já há um grande entusiasmo entre nós. Neste primeiro rali 2, ela já tinha algumas experiências, mas eu não, e ela não deixou que faltasse nada. A Inês é bastante trabalhadora, ela é muito focada e quer ser cada vez melhor. Ela merece realmente esta oportunidade, tanto como eu. A oportunidade na Hyundai não é só minha, também é dela, merece-a mais do que ninguém."

SAPO Desporto: A sintonia entre os dois levou a que conseguissem alcançar um terceiro lugar na estreia no Rally 2 do CPR, apenas ficando atrás dos pilotos mundiais. Qual a sensação de conseguir uma estreia de sonho?

Gonçalo Henriques: "A estreia de sonho seria mesmo ganhar o Rally, mas isto foi como ganhar, sinceramente… Sonhamos com a vitória, mas estávamos à espera de um sétimo ou oitavo lugar. Ao longo do rali sabíamos que estávamos rápidos e podíamos lutar pelo pódio, mas nunca colocamos muita pressão. Nos últimos dois troços, vimos a diferença para os adversários e andamos bem, mas podíamos ter andado mais um bocadinho. Na última classificativa tínhamos cerca de cinco ou seis segundos de diferença, mas já tínhamos mostrado aquilo que queríamos. Por isso, fui mais cauteloso, até demais porque íamos dando o terceiro lugar para o Armindo Araújo. Ele ficou a apenas nove décimas de nós. Foi ótima a nossa evolução e sentimos que podíamos estar ainda mais rápidos, mas tudo aconteceu sem sustos. Dá-nos segurança para as próximas provas."

SAPO Desporto: No final do Rali, Kris Meeke deixou-lhe vários elogios, mostrou-se impressionado com a tua prestação, e disse também que tinha nascido uma nova estrela em Portugal, sente-se dessa forma?

Gonçalo Henriques: "Nós devemos ter os pés bem assentes na terra, o caminho ainda é longo e nós queremos continuar a evoluir. Claro que é ótimo ouvir esses comentários, mas o caminho faz-se caminhando e ainda estou longe de ser uma estrela. Temos de acreditar no processo e continuar a trabalhar."

 "Quero, acima de tudo, divertir-me a fazer o que gosto"

SAPO Desporto: Tem sido apontado como a grande promessa dos ralis em Portugal. Sente pressão em corresponder às expectativas?

Gonçalo Henriques: "Claro que sinto sempre um bocadinho de pressão, não vale a pena mentir, mas penso que lido bem com a pressão e o nervosismo consigo controlá-lo muito bem. Há momentos em que estou mais nervoso do que outros, é normal, principalmente antes de começar o Rally. Sinto-me sempre um pouco nervoso, mas acho que no dia em que isso deixar de acontecer é porque já não estou aqui a fazer nada e já não é a hora de correr. Acho que essa pressão também nos dá uma força extra para ser mais e melhor."

SAPO Desporto: Chegada de pilotos mundiais ao CPR, como Kris Meeke e Dani Sordo, aumenta a competitividade e promove a evolução dos pilotos portugueses?

Gonçalo Henriques: "Claro que sim, os pilotos nacionais têm como referência pilotos mais rápidos e mais experientes, porque a verdade é que eles também são tão rápidos porque são muito mais experientes. E para nós jovens, sabemos que a referência é bastante rápida e por isso nós temos que pôr os nossos olhos neles. É sempre melhor ter uma referência tão experiente porque nós vamos querer ser melhores que eles. É realmente esse o meu objetivo e por isso eu penso que é ótimo para nós jovens e mesmo para os pilotos mais velhos do campeonato, também ainda estão a tempo de evoluir. Também traz visibilidade ao nosso campeonato."

Influências, desafios da modalidade e objetivos para o futuro

SAPO Desporto: Quais são as tuas maiores influências a nível nacional e internacional?

Gonçalo Henriques: "A nível nacional, o Armindo Araújo, sem dúvida, é uma referência por tudo o que já conseguiu. Quando era muito jovem, também olhava para o Bernardo Sousa como um ídolo, porque ele corria no Mundial e era um piloto bastante rápido. A nível mundial, o Sébastien Loeb é a referência, é o melhor de todos os tempos. Sébastien Ogier também tem um estilo de conduzir bastante inteligente e rápido. Tal como Colin McRae, mas o Loeb é aquele piloto."

"Correr no WRC é o sonho de todos"

SAPO Desporto: Como é a preparação para um rali ao nível da alimentação e condição física?

Gonçalo Henriques: "Nós preparamos sempre bem os ralis, eu penso que faço um bocadinho do mesmo que sempre fiz. A nível físico, nunca me preparei muito bem, mas estou agora a faze-lo porque senti que era necessário. Durante o rali não senti fadiga, mas nos dias seguintes senti bastantes dor nas costas. A nível de notas, trabalhámos as notas da mesma forma, porque as minhas notas são por ângulo de curva, de 1 a 6, em que 6 mais rápido e 1 a meio lento. Encortámos as distâncias, porque a distância, os 50 para mim não são 50 metros, é um espaço que eu idealizo na minha cabeça. Por isso é um trabalho em constante evolução, vamos evoluir também nesse sentido. Tenho falado com a Inês também sobre o que é que ela acha, tenho algumas ideias para melhorar e vamos tentar começar a aplicá-la já no rali da Aboboreira."

SAPO Desporto: Como é que se caracteriza enquanto piloto?

Gonçalo Henriques: "Eu sou um piloto tranquilo. Eu gosto muito de terra por serem bastante divertidos. Penso que estou ao mesmo nível nos dois tipos de piso, mas a terra é bastante divertida. O carro escorrega muito mais e isso é giro, mas já me sinto bem também do asfalto e também já me consigo divertir."

SAPO Desporto: Objetivo é ser campeão nacional em Rally 2 e o sonho é o WRC (Mundial de ralis)?

Gonçalo Henriques: "Nós sonhamos sempre mais e o céu é o limite, mas vamos ver que oportunidades é que surgem, todas elas serão bem-vindas. Temos de ver o que é melhor para nós, porque ir para fora tem muito que se lhe diga, nós gostávamos muito, correr no WRC é o sonho de todos, mas o campeonato de Portugal também é bastante competitivo. É uma grande mais-valia poder correr cá. Vamos ver…é difícil dizer o que é melhor para nós.”