Blinken elogiou a proposta, que está a ser elaborada há um ano, e sublinhou a importância de garantir a sua aplicação depois de o Governo do atual Presidente, o democrata Joe Biden, cessar funções, num discurso proferido no Atlantic Council, um grupo de reflexão com sede em Washington.
"Temos a responsabilidade de garantir que os ganhos estratégicos dos últimos 15 meses perdurem e sirvam de base a um futuro melhor", declarou Blinken.
"Com demasiada frequência, no Médio Oriente, temos visto como o lugar de um ditador pode ser ocupado por outro, ou abrir caminho ao conflito e ao caos", acrescentou.
Segundo o chefe da diplomacia dos Estados Unidos, o plano, de que já diversas vezes falou em traços largos, prevê que a Autoridade Palestiniana convide "parceiros internacionais" para criar uma autoridade governamental interina destinada a gerir serviços essenciais e supervisionar o território, ao mesmo tempo que outros parceiros, nomeadamente os Estados árabes, forneceriam forças para uma missão de segurança provisória.
O plano para a Faixa de Gaza foi apenas parte do discurso, que também abordou outras áreas da política do Governo Biden para o Médio Oriente, incluindo o Irão e a potencial normalização das relações diplomáticas entre Israel e a Arábia Saudita.
Blinken e os seus principais conselheiros passaram meses a tentar vender a Israel, à Autoridade Palestiniana e às nações árabes do Golfo o plano, que descreve como a Faixa de Gaza seria gerida sem o Hamas no comando, precisa as prioridades de reconstrução e prevê a segurança do território devastado pela guerra que Israel ali iniciou em outubro de 2023, em retaliação a um violento ataque do Hamas em território israelita.
Inicialmente, estes esforços depararam-se com resistência em todas as frentes, com Israel a opor-se aos apelos à retirada total de Gaza e a que a Autoridade Palestiniana assumisse um papel de liderança na governação, e com as nações árabes a insistirem que um cessar-fogo tinha de ser assinado antes de qualquer discussão sobre um plano para "o dia seguinte". Mas o pomo de discórdia tem sido a exigência dos países árabes de um plano para a criação de um Estado palestiniano, que Israel rejeita liminarmente.
No entanto, em várias viagens à região desde janeiro de 2024, Blinken conseguiu que os Estados árabes do Golfo, muitos dos quais seriam chamados a pagar a reconstrução, participassem na elaboração da proposta. O plano exige uma reforma da Autoridade Palestiniana e que os países árabes ajudem a treinar as forças de segurança da Autoridade Palestiniana na Faixa de Gaza.
A urgência de manter vivo o plano para Gaza, mesmo sem um cessar-fogo, tornou-se mais premente após a eleição de Donald Trump como próximo Presidente dos Estados Unidos, em novembro de 2024.
No mês passado, as autoridades norte-americanas envolveram os conselheiros de Trump nas discussões para obter a sua adesão ao plano, que exigirá um envolvimento significativo dos Estados Unidos durante a presidência de Trump (2025-2029).
Um dos receios era que o plano pudesse ser abandonado pela equipa de Trump, à semelhança da forma como o Governo do Presidente republicano George W. Bush pôs de lado uma proposta apoiada pelos Estados Unidos para um Iraque pós-Saddam Hussein, elaborada enquanto o democrata Bill Clinton estava na Casa Branca.
Esse plano pormenorizado, com vários volumes, destinado a evitar que o Iraque caísse no caos no caso da queda de Saddam, foi o resultado do projeto "Futuro do Iraque", iniciado depois de o Congresso ter apelado para uma mudança de regime no Iraque, quando Clinton estava no poder.
A Faixa de Gaza é cenário de conflito desde 07 de outubro de 2023, data em que Israel ali declarou uma guerra para "erradicar" o Hamas, horas depois de este ter realizado em território israelita um ataque de proporções sem precedentes, matando cerca de 1.200 pessoas, na maioria civis.
Desde 2007 no poder em Gaza e classificado como organização terrorista pelos Estados Unidos, a União Europeia e Israel, o Movimento de Resistência Islâmica (Hamas) fez também nesse dia 251 reféns, 96 dos quais continuam em cativeiro, 36 deles entretanto declarados mortos pelo Exército israelita.
A guerra, que hoje entrou no 466.º dia e continua a ameaçar alastrar a toda a região do Médio Oriente, fez até agora na Faixa de Gaza pelo menos 46.645 mortos (cerca de 2% da população), entre os quais quase 18.000 crianças, e mais de 110.000 feridos, além de cerca de 11.000 desaparecidos, na maioria civis, presumivelmente soterrados nos escombros, e mais alguns milhares que morreram de doenças e infeções, de acordo com números atualizados das autoridades locais, que a ONU considera fidedignos.
Cerca de 90% dos 2,3 milhões de habitantes de Gaza viram-se obrigados a deslocar-se, muitos deles várias vezes, ao longo de mais de um ano de guerra, encontrando-se em acampamentos apinhados ao longo da costa, praticamente sem acesso a bens de primeira necessidade, como água potável e cuidados de saúde.
O sobrepovoado e pobre enclave palestiniano está mergulhado numa grave crise humanitária, com mais de 1,1 milhões de pessoas numa "situação de fome catastrófica" que está a fazer "o mais elevado número de vítimas alguma vez registado" pela ONU em estudos sobre segurança alimentar no mundo.
No final de 2024, uma comissão especial da ONU acusou Israel de genocídio na Faixa de Gaza e de estar a utilizar a fome como arma de guerra - acusação logo refutada pelo Governo israelita, mas sem apresentar quaisquer argumentos.
ANC // SCA
Lusa/Fim
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