Segundo a diretora da agência especializada da ONU, Cindy McCain, a luta da Síria contra a fome é um problema de segurança nacional e regional, especialmente quando o país atravessa um período crítico de transição.
"O que está em causa aqui não é apenas a fome - e a fome é suficientemente grande - mas o futuro deste país e a forma como ele avançará para a próxima fase", declarou McCain numa entrevista à agência de notícias norte-americana Associated Press (AP), na sua primeira visita à Síria, após uma reunião com o ministro dos Negócios Estrangeiros do Governo 'de facto', Asaad al-Shibani.
A Síria está há mais de um mês sob a autoridade de um novo Governo de transição liderado pelo grupo islamita Hayat Tahrir al-Sham (HTS), que liderou em dezembro uma ofensiva relâmpago que derrubou Assad, após quase 14 anos de guerra civil no país.
Há anos que as agências humanitárias, incluindo o PAM, lamentam os cortes orçamentais nos programas de ajuda a milhões de pessoas na Síria, onde, segundo as Nações Unidas, 90% da população vive na pobreza e mais de metade dos habitantes - mais de 12 milhões - não sabe de onde virá a próxima refeição.
As infraestruturas essenciais de eletricidade e água do país também foram danificadas pela guerra civil. As agências humanitárias apontam a redução dos orçamentos e o cansaço dos doadores, que se agravou após a pandemia de covid-19, a partir de 2020, e a guerra na Ucrânia, iniciada pela invasão russa do país em fevereiro de 2022.
No ano passado, o PAM pôs termo ao seu principal programa de assistência, que ajudou a alimentar milhões de sírios, e tem vindo a reduzir gradualmente os programas que alimentavam milhões de refugiados sírios nos países vizinhos.
O país devastado pela guerra, sob o domínio do líder do HTS, Ahmad al-Sharaa, está agora a passar por uma transição que os Governos regionais e internacionais esperam venha a resultar numa nova Constituição, em eleições e num sistema político inclusivo.
McCain indicou ter debatido com o novo chefe da diplomacia sírio a necessidade urgente de alimentar mais pessoas, bem como de tornar a produção alimentar do país mais sustentável, sobretudo melhorando o danificado sistema de abastecimento de água e impulsionando a produção de trigo.
"Penso que o Governo está certamente disposto a trabalhar nesse sentido, a avaliar pelo que hoje ouvi", afirmou.
Mas o financiamento continua a ser um grande problema.
Com a redução dos contributos dos países ocidentais, as organizações humanitárias têm-se voltado cada vez mais para os Governos árabes, nomeadamente para as nações ricas do Golfo, para obter financiamento.
Embora esses países tenham sido rápidos a estabelecer relações diplomáticas com os novos governantes da Síria, McCain referiu que os doadores continuam, contudo, hesitantes.
"É importante que os países do Golfo prestem especial atenção, porque este é o seu quintal", afirmou a responsável do PAM.
"Gostaríamos de os ver mais ativos, não só em relação às necessidades de emergência a curto prazo, mas também quanto às necessidades a longo prazo", sublinhou.
Esses países e algumas agências de ajuda humanitária também pediram o levantamento das sanções impostas pelo Ocidente em várias regiões da Síria, que restringiram o trabalho de desenvolvimento para além da ajuda humanitária.
Apesar de a maior parte das sanções recair sobre Assad e quem lhe estava associado, o HTS e Al-Sharaa são também alvo de sanções por parte dos Estados Unidos, da Europa e da ONU.
No início de janeiro, Washington aliviou algumas sanções ao Governo 'de facto' da Síria, incluindo sobre vendas de energia, durante seis meses, e, no final do mês, a União Europeia (UE) deverá discutir a possibilidade de aliviar as sanções, em função dos progressos registados na transição política no país.
Cindy McCain alertou para o facto de a relutância dos doadores em satisfazer as necessidades de milhões de pessoas em situação de pobreza e insegurança alimentar na Síria poder ter consequências terríveis, numa altura em que o país atravessa uma fase crítica.
"A segurança alimentar é segurança nacional, independentemente de onde se esteja", sustentou McCain.
"A fome não gera boa vontade. Queremos garantir que as pessoas são alimentadas e que os seus filhos têm a possibilidade não só de comer, mas também de ir à escola, e de todas as outras coisas que queremos para uma boa sociedade", acrescentou.
ANC // APN
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