O que move o treinador? O que o faz gerir de uma ou de outra maneira a sua equipa? O seu clube? O seu grupo de trabalho? A época desportiva? A sua carreira? Para algumas pessoas apenas o dinheiro e os bens materiais são os fatores motivacionais essenciais para uma profissão, para um cargo, ou para uma função que ocupam numa determinada fase da sua vida.

Os treinadores não fogem à regra. Muitos sonham em ser Pep Guardiola, Phil Jackson, Valero Rivera, Javier Lozano, Renato Canova, etc, pelo desafogo económico que esse momento traria às suas vidas. Poucos (os que lá chegam e outros que um dia irão chegar) entendem a verdadeira essência do treinador, o que o guia, o que o motiva, o que o move dia após dia, fundamentalmente o que o faz evoluir, crescer, e ser melhor todos os dias, a sua enorme paixão! Paixão pelo jogo, paixão pelo treino, paixão pelo clube, paixão pelos jogadores...

Um treinador motivado é um treinador apaixonado. Um treinador não vence sem essa paixão. A paixão de entrar num clube e num projeto. A paixão de escolher um plantel como se pudesse escolher os seus próprios filhos. A paixão de mudar os procedimentos e regulamentos normais do clube e da estrutura em função daquilo que acredita ser o mais simples para atingir o sucesso. A paixão no alterar os espaços físicos da equipa dos jogadores e treinadores, de definir um plano anual, mensal, semanal e diário, de organizar uma unidade de treino, um exercício, um momento de equipa, de entender o grupo, o plantel, o jogador e cada individuo à sua volta, e de viver o treino e o jogo como se fosse o último da sua carreira, com a mesma paixão com que se namora com a mulher da sua vida. Essa paixão é a essência de tudo!

É com essa paixão que o treinador entra todos os dias no clube e no balneário. É essa paixão que o leva também a ser admirado pelos dirigentes mas sobretudo pelos jogadores, pelos seus soldados, aqueles que ele vai unir, dirigir, e enviar para cada jogo com a certeza que vivem o momento com a mesma crença, com as mesmas armas, com a mesma paixão que o seu timoneiro, e que tudo farão para sair do campo com uma vitória!

Mas, tal como na vida amorosa, uma paixão tão exacerbada cega-o, fá-lo acreditar no inacreditável, e também o trai. Cega-o porque está tão imbuído do seu objetivo, tão levado no seu sentimento de trabalho e de conquista, que a clarividência de tomar decisões mais com a razão do que com a emoção é afetada, e atua em função da paixão e não em função do que o leva a estar mais próximo da vitória ainda que na sua cabeça as duas coisas coincidem dada a “cegueira”. Fá-lo acreditar no inacreditável pois apesar do primeiro, do segundo erro, não desiste da sua paixão, não altera a forma e o modo como vê os mesmos jogadores, o jogo e o treino, pois deu certo no passado porque não vai resultar agora? Não desiste de nada nem de ninguém, pois acredita que é desta que vai alterar o resultado mesmo sem ter mudado a terapêutica e as prescrições, a doentia paixão que o afeta pode levar à sua própria morte. E também o trai. Porque são humanos e lideram pessoas, pessoas que desconfiam depois de terem confiado, que ouvem depois de terem escutado, que desacreditam depois de terem acreditado, e que vivem a sua mesma paixão com a mesma intensidade mas de uma forma muito mais frágil, muito mais transitória, mais efémera, mais leviana, e que dessa forma trai o resultado final que se procura.

O treinador precisa dessa paixão. Mas quando a vive ou tenta viver para além do limite, a cegueira, a crença e a traição são sentimentos que quando aparecem, quando os percebe, resultam sempre na queda do mais fraco, daquele que mais se entregou na relação, daquele que mais fez por ela durar, mas daquele também cujo lugar é mais vulnerável, de maior risco, e que é mais fácil alterar pois é apenas um... o Treinador!

Esse foi um dos pecados de José Mourinho. O “Special”que agora era “Happy One”, era no fim de tudo um “In Love One”... E não soube lidar com a sua própria cegueira e com quem, depois de a amar, a estava a trair!