As águias estrearam-se com uma vitória na Polónia, diante do Lech Poznan, mas ainda não convenceram totalmente. Notam-se intenções e princípios, mas ainda há bastante margem de progressão. E, se a atingirem, terão uma palavra a dizer… em Portugal e na Europa.

Tem sido feito de altos e baixos o início deste regresso de Jorge Jesus ao Benfica. Notam-se já melhorias face ao passado recente, até porque o plantel foi (bem) reforçado, mas também é visível que a equipa ainda não é consistente. Há alternâncias exibicionais de jogo para jogo e, às vezes, até dentro das próprias partidas, como aconteceu esta quinta-feira, na 1.ª jornada da fase de grupos da Liga Europa, diante do Lech Poznan (4-2).

A irregularidade das águias não é mais do que o reflexo normal de um grupo que vive um processo de aquisição de uma nova forma de jogar, pensada por um novo treinador que está agora a conhecer a maioria dos seus jogadores. A derrota na Grécia ou o jogo menos conseguido diante do Farense são, pois, dores de crescimento expectáveis por quem percebe que implementar um novo modelo de jogo acarreta idealizar, executar, às vezes falhar, corrigir e repetir os passos anteriores vezes suficientes até à consolidação dos processos.

O melhor e o pior da equipa está na forma como pressiona

Para já, o que o Benfica mostra é uma equipa extremamente pressionante, com o bloco muito alto de forma a condicionar desde logo a construção adversária e forçar o erro, ao invés de esperar por ele. Fá-lo no 4-4-2 a que Jorge Jesus nos habituou e essa postura agressiva na sua organização defensiva é, para já, simultaneamente a sua maior qualidade e defeito: os encarnados conseguem, de facto, criar problemas a quem tenta dividir o jogo consigo, mas a linha defensiva ainda não mostra controlar bem o espaço nas suas costas, e esse está a ser um problema.

Benfica vs Moreirense
Jorge Jesus, treinador do Benfica, dá instruções aos seus jogadores créditos: MANUEL DE ALMEIDA/LUSA

Nas laterais, André Almeida – de todos, o elemento que melhor conhece os métodos do seu treinador – lesionou-se e ficará bastante tempo de fora, enquanto Grimaldo, apesar de indiscutível pelos seus argumentos ofensivos, não corresponde ao perfil que Jorge Jesus idealiza na posição. Tanto ele como Gilberto têm dificuldade na defesa da profundidade e não são máquinas de ganhar duelos, como o técnico português gosta de ter (de relembrar que, no Sporting, Zeegelaar ou Schelotto foram os seus laterais). No eixo central, os experientes Vertonghen e Otamendi são defesas inteligentes, mas sem o fulgor físico que os deixe confortáveis com 50 metros nas suas costas. Será Todibo, ou mesmo Nuno Tavares, por via das suas capacidades físicas melhores soluções nas respetivas posições? Não parece expetável, para já, que haja mudanças, mas esta é certamente uma questão que paira na cabeça de Jorge Jesus.

Individualmente há um mundo de diferença para a concorrência

Ainda estava na sua primeira passagem pelo clube da Luz quando Jorge Jesus afirmou, numa palestra na Faculdade de Motricidade Humana (FMH), em Lisboa, que entre a esfera ofensiva e a defensiva, a segunda é aquela que é mais controlada pelo treinador e é nessa que o mesmo tem mais influência. Anos mais tarde, a consideração de Jorge Jesus continua a fazer sentido e, olhando para o Benfica atual, percebe-se que foi sem bola que a equipa mais tem o dedo do seu líder.

No momento ofensivo, dentro da organização, dos padrões e dos princípios que Jesus está a incutir, é o talento individual que se vai destacando. Os reforços Everton e Waldschmidt agitam – o primeiro pelo drible e fantasia, o segundo pela criatividade e capacidade entrelinhas (além dos golos); Pizzi e Rafa continuam a conferir a qualidade que já tinham provado em épocas anteriores; e Darwin é, apesar de algumas limitações quando recebe em espaços curtos, a peça final ideal para o puzzle construído por Jorge Jesus no ataque das águias, pela profundidade que dá e capacidade física para levar os defesas para onde quer.

Assim, em Portugal não há paralelo com esta frente de ataque, à qual ainda sobra Pedrinho, Seferovic ou o menino Gonçalo Ramos. Mesmo na Europa, se os encarnados conseguirem evoluir coletivamente, as individualidades que têm ao seu dispor irão colocar dificuldades a qualquer adversário.

Rio Ave vs Benfica
Pelé tenta pressionar Darwin Núñez créditos: LUSA

Ainda há alguma pressa na hora de atacar a baliza (que contribui para que os adversários contra-ataquem mais vezes e de forma mais perigosa), e talvez não vá deixar de haver, olhando àquilo que foram as antigas equipas de Jorge Jesus. Nota-se também alguma descoordenação natural entre vários jogadores que somam muito poucos minutos a jogar juntos, mas do ponto de vista ofensivo há potencial para as bancadas do Estádio da Luz terem bons espetáculos, como de resto já aconteceu, nomeadamente com o Moreirense ou com o Famalicão.

Em suma, o Benfica de 2020/21 é uma equipa que colocará muitas dificuldades internamente aos pequenos, pelo modelo ofensivo e pela capacidade individual presente, mas também àqueles que tentarem dividir a posse de bola e sair curto, como fez o Rio Ave ou o Famalicão, porque Jorge Jesus vai apresentar uma pressão bem orquestrada e intensa.

Prevejo uma equipa que irá perder poucos pontos. Já lá fora, na Liga Europa, o sucesso dependerá do crescimento que a equipa conseguir alcançar: a fase de grupos não deverá ser problema, mas depois, conforme as dificuldades aumentem, fará diferença a consolidação das ideias que Jesus está a implementar. Para já não chega, mas quem sabe daqui a uns meses…