Passado quase um mês desde o início do Euro-2024, sabemos finalmente aqueles que poderão ascender ao patamar dos imortais. Espanha e Inglaterra marcaram encontro para o próximo domingo, após terem vencido os seus respetivos jogos nas meias-finais. E assim, também a França e os Países Baixos ficaram pelo caminho.

Espanha-França

Na primeira meia-final, Espanha e França encontraram-se num jogo em que estavam em campo a equipa que provavelmente melhor futebol praticou até ao momento (Espanha) e a seleção que podemos apelidar de “Real Madrid das seleções nacionais”, a França. E aquilo que à partida esperávamos para este jogo, veio a confirmar-se.

A Espanha apresentou-se com a sua personalidade, tal como o fez ao longo de toda a competição. Teve de realizar alterações inevitáveis, devido a jogadores castigados, mas nem por isso as suas dinâmicas se alteraram. Apresentou um jogo baseado no controlo da posse da bola, procurando os espaços entrelinhas ocupados pelos médios-centro mais adiantados, Fábian Ruíz e Dani Olmo, bem como Álvaro Morata a aparecer em apoio frontal (avançado-centro).

Lamine Yamal e Nico Williams criavam a verticalidade e a aceleração necessária à equipa para poder ser agressiva no momento de ataque ao último terço (a introdução destes dois jogadores por Luís De La Fuente acrescentou ao futebol espanhol aquilo que durante muitos anos não teve, o virtuosismo e a capacidade de explorar espaços em velocidade).

Apesar de não se ter projetado muito no campo, Jesús Navas (defesa-direito), que jogou de início devido ao castigo de Dani Carvajal, sempre que subia no terreno empurrava um pouco Lamine Yamal (extremo-direito) para o corredor central, o que curiosamente acabou por resultar no seu primeiro golo da competição, e o 1-1 no jogo.

A França, por seu lado, alterou um jogador, que resultou numa mudança tático-estratégica no jogo. Antoine Griezmann, o titular habitual como extremo-direito, foi preterido por Ousmane Dembélé. O primeiro procura jogar quase como um quarto médio, sendo um homem que gosta de receber bola no pé e nos espaços entrelinhas. O segundo é um extremo puro, vertical e que encara os adversários no um para um, e procura desequilibrar o jogo dessa maneira.

Esta grande mudança deu-se para que a França conseguisse aproveitar os espaços que pudessem surgir nas costas dos defesas-laterais espanhóis que têm tendência para se projetar e participar de forma ativa na organização ofensiva da equipa. Como tal, Mbappé e Dembélé (os extremos da equipa) criavam dúvidas aos defesas-laterais espanhóis, ora se haviam de projetar-se e libertar estes rápidos adversários para possíveis contra-ataques, ou se deveriam retrair-se um pouco mais e serem menos ativos no ataque.

O jogo começou com uma Espanha mais confortável e a conseguir dominar a posse de bola como pretendia. No fundo, ambas as equipas estavam a operar as suas estratégias e ideias demonstradas ao longo deste Europeu. A primeira a marcar é a França num lance em que se viu a importância dos extremos no golo, onde Dembélé e Mbappé estão presentes na construção do lance que acaba com a finalização de Kolo Muani (avançado centro).

A partir deste momento, a Espanha tornou-se superior no jogo. Os jogadores espanhóis deram um salto qualitativo, conseguiram encontrar de forma mais rápida e simples os espaços livres dentro do bloco francês (muito com a ajuda de algumas incursões verticais do defesa-central esquerdo, Aymeric Laporte, que desestabilizava a pressão francesa) e com isso colocar os seus criativos em zonas de finalização.

Lamine Yamal (aquele que provavelmente será o melhor jovem jogador do Euro-2024) fez um golo para os livros da história do futebol, após um excelente passe vertical de Nacho (defesa-central direito) encontrar entrelinhas o médio-centro, Dani Olmo. Ainda na primeira parte, a Espanha passa para a frente do marcador, com a projeção de Jesús Navas e com a entrada de Lamine Yamal para o corredor central, após um ressalto, Dani Olmo atirou para o 2-1.

Na segunda parte, o jogo tornou-se mais morno, apesar de alguma insistência francesa para reverter a situação, mas a Espanha conseguiu manter-se sempre tranquila, e optou por ter um jogo mais pousado e ponderado, optando algumas vezes por guardar a posse de bola e baixar o ritmo do jogo. E teve sucesso.

Inglaterra ‘calou’ os seus críticos

Na segunda meia-final, os Países Baixos, que tinham vindo a apresentar um ideia de jogo bastante interessante, defrontaram e perderam contra a Inglaterra que vinha a acumular algumas críticas, principalmente por analistas e jornalistas do seu país, pela forma como o selecionador, Gareth Southgate, tinha vindo a colocar a sua equipa a jogar.

Os Países Baixos optaram pela sua estrutura inicial habitual, 1x4x3x3, desta vez com Donyell Malen como extremo-direito (jogador que foi suplente frente à Turquia) ao invés de Steven Bergwijn. Os Países Baixos utilizaram uma dinâmica coletiva que remonta às suas raízes de futebol ofensivo, no qual a equipa terminava num 1x3x4x3 (com um losango no meio-campo), principalmente durante a primeira e segunda fase de construção.

Para isto acontecer, o defesa-esquerdo, Nathan Aké juntava-se um pouco aos defesas-centrais para formar a linha de três. O defesa-direito, Denzel Dumfries projetava-se no seu corredor, fazendo com que o extremo-direito, Donyell Malen, ocupasse um posicionamento mais central (quase como avançado-centro). Já o avançado-centro, Memphis Depay, baixava um pouco no corredor central, servindo como vértice do losango do meio-campo.

Com a lesão de Depay, ainda na primeira parte, Ronald Koeman optou por introduzir mais um médio-centro, alterando um pouco a estrutura da equipa, porque agora queria a projeção dos dois defesas-laterais, e ambos os Extremos em posições mais interiores. Com o insucesso desta troca, Koeman lançou ao intervalo Wout Weghorst para avançado-centro, retirando Donyell Malen, e colocando Xavi Simons a fazer de extremo-direito, ou seja, voltando ao plano inicial.

A Inglaterra foi mais ousada ofensivamente, parecendo como que a resposta às críticas de que vinha a ser alvo. Utilizou o seu sistema de 1x4x2x3x1, mas com dinâmicas que facilmente se desmontava num 1x3x4x3 (aliás, em organização ofensiva a equipa colocava-se em 1x5x4x1). O primeiro jogador-chave da equipa em termos estratégicos e de leitura dos espaços a ocupar foi Kyle Walker (defesa-direito/defesa-central direito), isto porque ele alternava o seu posicionamento entre o corredor central perto dos defesas-centrais, corredor central perto dos médios-centro, ou então totalmente aberto no corredor direito e com possibilidade de se projetar.

Esta variabilidade era devido ao posicionamento do médio-centro direito (Kobbie Mainoo) e do extremo-direito (Bukayo Saka), que tinham liberdade para procurar os espaços que achassem conveniente, e Walker adaptava-se a esses cenários. O defesa-esquerdo, Kieran Trippier tinha a seu cargo o corredor esquerdo todo, isto porque o extremo-esquerdo (Phil Foden) e o médio-ofensivo (Jude Bellingham) tinham muita liberdade posicional dentro da estrutura da equipa. Kobbie Mainoo também se juntava muitas vezes a zonas de finalização altas, dentro corredor central.

De realçar a capacidade da transição defensiva inglesa. Inglaterra esteve muito forte e célere na reação à perda da bola, tendo como jogadores mais importantes os defesas-centrais (John Stones e Marc Guéhi), os médios (Declan Rice e Kobbie Mainoo) e Kyle Walker.

A Inglaterra desde cedo conseguiu demonstrar que queria assumir o jogo ofensivamente, colocando dez jogadores no meio-campo dos Países Baixos (algo que permitia permanecerem longe da sua baliza, e recuperarem a bola o mais rapidamente possível). Contudo, foram os Países Baixos que conseguiram marcar primeiro, num lance em que bateram a pressão inglesa com um passe a procurar a profundidade, e onde ganharam a segunda bola. Xavi Simons quis fazer concorrência a Lamine Yamal no candidato a melhor golo do Euro-2024, e fez um grande golo com um remate fora da área.

A reação inglesa foi rápida, apesar de ter parecido abanar com este golpe dos neerlandeses. Conseguiram obter uma grande penalidade a seu favor, que o capitão Harry Kane não desperdiçou. Ainda na 1ª Parte, Phil Foden envia uma bola ao poste que poderia ter sido o 2-1 para a Inglaterra.

Na segunda parte, e com o andar do jogo, a qualidade foi caindo. As equipas acusaram o cansaço, as estruturas táticas encaixaram (neste sentido, os Países Baixos conseguiram mesmo ao longo do jogo criar uma dinâmica em que os seus médios-centro mais recuados e o defesa-central direito, Stefan De Vrij, marcavam de forma individual o avançado-centro e os médios mais ofensivos ingleses, não permitindo qualquer espaço ou homem livre) e o jogo foi-se tornando um pouco desinteressante.

Já perto do fim, e começando a parecer substituições de preparação do prolongamento, Gareth Southgate colocou em campo Ollie Watkins e Cole Palmer, retirando Phil Foden e Harry Kane (duas substituições diretas). Estes dois jogadores acabariam por construir o segundo golo inglês em cima do fim do jogo, porque Cole Palmer assiste Ollie Watkins para o 1-2, qualificando assim a Inglaterra para a grande final.

Este domingo teremos, então, um emocionante Espanha-Inglaterra, um jogo que poderá não ser uma típica final, ou seja, não muito amarrada taticamente, com muitas preocupações em não sofrer, antes da preocupação de conseguir fazer um golo. Isto porque a Espanha, tal como demonstrou frente à Alemanha e à França, gosta e quer impor o seu jogo ofensivo, procurando marcar golos e dominar o através da sua posse de bola.

Já a Inglaterra, que tem vindo a encontrar-se ao longo do Euro2024, poderá ser uma equipa muito mais ponderada taticamente, devido ao estilo espanhol, e tem também argumentos para assumir o jogo ofensivamente se assim o pretender. Portanto, poderemos vir a ter uma final, em Berlim, bastante interessante e que poderá criar um bom espetáculo para os amantes do futebol.