Há pouco tempo comentei com um outro treinador de futebol, quando estávamos a discutir sobre o meio-campo, que os três teóricos 'grandes' de Portugal usavam um meio-campo a dois e não um meio-campo a três, apesar de poderem momentaneamente o fazer, em consequência de determinados momentos de jogo e determinados adversários.

O exemplo perfeito disso mesmo é o FC Porto de Sérgio Conceição que, por vezes, muda o sistema em jogos de maior dificuldade, principalmente em contexto de Liga dos Campeões.

O Sporting de Rúben Amorim joga no seu eterno 3-4-3, o Benfica de Roger Schmidt joga em 4-4-2 ou, se quisermos ser um bocado mais meticulosos, num 4-2-3-1, e Sérgio Conceição é o treinador que mais varia no sistema, apesar de quase sempre jogar também com um meio-campo a dois.

Muitos dos leitores já poderão estar a lembrar-me de momentos em que estas equipas, em campo, praticamente jogam com três médios. Pote a descer a servir como terceiro médio no Sporting, Otávio (em anos anteriores) no FC Porto...

Otávio
Otávio (FC Porto) num duelo com o Benfica créditos: AFP or licensors

Mas o ponto essencial não é esse. Sabemos que o jogo é um caos e que os sistemas são móveis dentro de campo, apesar de se evidenciar uma estrutura base, o meio-campo fixa-se geralmente com dois homens.

Rúben Amorim é quem tira maior vantagem deste meio-campo uma vez que o mesmo oferece maior equilíbrio à sua equipa dado que esta joga com três defesas centrais, ou seja, no momento em que um dos médios perca a posse de bola, existem ainda (teoricamente) três jogadores em equilíbrio para proteger a baliza.

Já do lado portista e benfiquista, o sistema predileto geralmente passa por uma linha defensiva constituída por quatro jogadores, onde dois deles (os laterais) são muitas vezes projetados em momento de organização ofensiva, sobrando portanto dois jogadores no equilíbrio (os dois defesas centrais), mais um possível médio. Estamos então perante casos onde existe menos um jogador em equilíbrio comparativamente a uma linha defensiva de cinco jogadores - tudo isto na teoria porque, como sabemos, todos os sistemas são maleáveis.

No entanto, esta não é a principal questão. A nível ofensivo, as equipas geralmente não sentem um grande impacto uma vez que arranjam soluções sempre viáveis para conseguir sair a jogar.

O Sporting de Rúben Amorim gosta de colocar o defesa central do corredor central em zona mais avançada a servir como médio em fase de construção, com os outros dois médios ligeiramente mais avançados (formando um meio-campo a três).

Já o FC Porto e o Benfica preferem uma construção de 2+4, com os dois centrais a terem a solução de passe lateral (nos seus defesas laterais) e duas soluções frontais (nos seus médios centro).

Então se a nível ofensivo, apesar de ser diferente, não faltam soluções para contornar os problemas, onde é que um meio-campo a dois pode gerar mais dificuldades?

A nível defensivo. Como? No raio de ação que este tipo de médio precisa de ter. Como sabemos, os alas, extremos ou avançados interiores são jogadores com enorme pendor ofensivo e, portanto, são jogadores que também muitas vezes não tem disponibilidade para recuperar defensivamente e oferecerem suporte defensivo no corredor (não chegam a tempo).

Em situações de inferioridade numérica de um contra dois em corredor lateral, são muitas vezes os médios que são obrigados a compensar as subidas dos extremos das suas equipas. No entanto, se jogas com um meio-campo a dois e se um dos médios vai ao corredor lateral, onde sobra espaço? No corredor central onde apenas deverá estar um médio, médio esse geralmente perto do outro médio que foi ao corredor lateral.

Ou seja, há espaço no corredor central e no corredor lateral contrário - corredor este onde o outro médio muito dificilmente conseguirá chegar numa variação rápida de corredor. E é por esta razão que é tão importante um meio-campo a dois ter um enorme raio de ação. É importante ambos os médios terem uma boa sincronia e ambos serem bastante disponíveis fisicamente para estarem constantemente perto um do outro, sendo capazes de oferecerem regularmente coberturas defensivas. É muita área para cobrir com apenas dois jogadores...

Pressão no meio-campo
Pressão no meio-campo
Pressão no meio-campo
Pressão no meio-campo

O Sporting solidificou Hjulmand e Morita, com Pote a substituir o japonês quando necessário.

Varela é o elemento certo no meio-campo portista com Eustáquio e Nico a disputarem a segunda vaga.

No lado do Benfica, existe a definição de João Neves e Kökçu, mas há um Florentino sempre de olhos atentos.

O requinte técnico tem estar sempre presente, mas é curioso que os que 'ficam de caras' no meio-campo são os médios agressivos, capazes de ganhar duelos e que são capazes de ocupar grandes espaços - Hjulmand, João Neves e Varela. A exceção é Florentino. Roger Schmidt prefere mais criatividade com bola de Kökçu em detrimento da capacidade defensiva de Florentino. Com Kökçu tem mais último passe, meia distância e bola parada. Com Florentino ganha mais raio de ação, mais duelos ganhos, mais desarmes e melhor pressão alta. É uma boa dor de cabeça para o treinador alemão.

No entanto, não deixa de ser curioso como é que nenhum dos treinadores destes três clubes opta por um sistema onde se favoreça três médios.

Mas também não é por acaso que passam tantas dificuldades quando não há definição de um meio-campo e, principalmente, quando um desses médios não tem características para desempenhar essas funções. O meio-campo a três disfarça sempre o médio com menos resistência e raio de ação e irá sempre dar maior conforto para o médio mais criativo porque tem as suas costas mais protegidas, no entanto, todos estes treinadores preferem ter vantagens noutras zonas do campo.

Termino com uma pergunta para os leitores. Não é curioso que o último campeão a jogar com um meio-campo a três declarado tenha sido o FC Porto de Vítor Pereira? Na elite portuguesa não parecem gostar muito do 4-3-3.

PS: Rafael Pacheco, treinador e analista de futebol, tem nas bancas o livro 'Rogerball - O Benfica de Schmidt', onde analisa a época do Benfica em 2022/23, que levou os encarnados ao título de campeão nacional e aos quartos de final da Liga dos Campeões.