Tens de meter o pé. Não passes a bola a esse gajo. Faz tu o golo. Tens de marcar um golo. Sobe, sobe, vai lá para a frente. Não ouves o teu treinador, esse gajo não percebe nada disto. Deixa-te ficar aí que vais fazer golo. Chuta já daí. Hoje ainda não marcaste o teu golito. Remata tu. Não estás a jogar nada, filho.
Estes são exemplos de alguns gritos ou ordens que escutamos, principalmente aos fins-de-semana, pelos milhares de campos de futebol por este Portugal fora. São os pais no lado de lá do campo, no seu papel de treinador de bancada, a dizer aos seus filhos o que fazer, passando por cima da autoridade dos treinadores. São os pais, ávidos de sucesso, a quererem ganhar a todo o custo.
A 'campionite' tomou conta do futebol de formação, principalmente nos pequenos emblemas e isso está a ter efeitos nefastos na formação de jovens atletas. Entre duas autoridades, pais e treinadores, os jovens ficam confusos, envergonhados, perdem o foco e ficam sem saber o que fazer. Nos momentos mais tensos, a violência verbal escala para a física. Árbitros, treinadores, jogadores de outras equipas são agredidos, num cenário cada vez mais frequente em Portugal.
Bruno Vieira, treinador de futebol nas camadas jovens, José Pereira, presidente da Associação Nacional de Treinadores, Jorge Silvério, psicólogo Desporto da Clínica do Dragão, e Paulo Cardoso, pai de um jogador na Escola de Futebol Benfica Montelavar, vão tentar ajudar-nos a perceber este fenómeno no futebol de formação: a influência dos pais.
Vídeo promocional do Canal 11 FPF: "O futebol português merece outras vozes na bancada. O 11 apoia a campanha #DeixaJogar: é hora de mudar o que se ouve em campo".
Formação: uma 'mina de ouro' que aguça o apetite de todos
O aumento dos valores das transferências no mundo do futebol e o facto de Portugal ser um país exportador de talentos levam a que muitos pais vejam nos filhos o seu futuro mealheiro, o próximo Cristiano Ronaldo, mas poucos tem a perceção que apenas alguns chegarão ao futebol profissional. E, uma vez lá chegados, nem todos terão sucesso.
Esse fenómeno aumentou muito nos últimos anos, com o crescimento do futebol de formação e os milhões que esse negócio gera, depois do trabalho de Carlos Queiroz na Federação Portuguesa de Futebol e a flexibilidade contratual permitida pela 'Lei Bosman', que veio ajudar na livre circulação na União Europeia de futebolistas comunitários. Se antes os pais queriam que os filhos apenas se divertissem, hoje em dia já exigem comportamentos de profissional a miúdos de 11, 12 ou 13 anos, exigem a tomada de determinadas decisões porque entendem que são esses que os levarão a ganhar dinheiro no futebol.
Este fenómeno levou à criação de várias escolas de formação de futebol por esse país fora. Os principais clubes fazem da formação a sua bandeira e os milhões encaixados pelos principais emblemas com jogadores formados e exportados para os principais campeonatos europeus fazem crer que há uma 'mina de ouro' no futebol de tenra idade.
Essa aposta tem servido mais a vertente financeira que a desportiva, já que os melhores jogadores acabam por sair cedo para o estrangeiro. Se antes só eram vendidos depois de uma ou duas épocas na Primeira Liga, hoje em dia bastam meia dúzia de jogos para chamar a atenção dos 'tubarões' da Europa. Os 31 milhões de euros pagos pelo Barcelona, em janeiro, ao SC Braga para garantir Trincão, extremo de 19 anos, são um dos exemplos. Antes dele, o Atlético de Madrid tinha pago 127 milhões de euros ao Benfica pelo passe do avançado João Félix, que faz do jovem o quarto jogador mais caro da história do futebol, e, de longe, o mais caro de sempre em Portugal.
“Muitos pais acham que os filhos são porquinhos mealheiros, podem vir a ser o próximo Cristiano Ronaldo ou o João Félix"
Nos últimos dez anos, os emblemas da Primeira Liga de Futebol encaixaram 2,67 milhões de euros em vendas, de acordo com dados do 'Transfermarkt'. Neste aspecto, destaca-se o Sporting, o primeiro clube a olhar para o futebol de formação de forma diferente. De Alvalade saíram Cristiano Ronaldo e Luís Figo, os únicos portugueses a conquistarem os prémios de Melhor do Mundo.
Apesar dos problemas que o clube tem vivido recentemente, o Sporting acabou 2019 como o terceiro clube com mais jogadores da formação em clubes dos cinco principais campeonatos, apenas batido pelo Partizan de Belgrado e o Ajax. O Benfica apareceu na 11.ª posição da lista, elaborada pelo Centro Internacional de Estudos Desportivos (CIES), o FC Porto em 19.º. No entanto, é o Benfica quem mais tem tirado partido da formação: desde 2014 encaixou mais de 400 milhões de euros em jogadores vindos do Seixal e da equipa B. Só em 2018/2019 gerou mais receitas com jogadores da formação do que com prémios da UEFA.
A aposta na formação tem sido uma das bandeiras da Federação Portuguesa de Futebol, mas também da própria UEFA. Em dezembro de 2019, a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) anunciou que iria distribuir 4,3 milhões de euros pelos clubes da I e II Ligas de futebol (150 mil euros por cada clube, excepto Benfica, FC Porto e Sporting), provenientes de um fundo de solidariedade da UEFA, que terão de ser aplicados na formação.
Antes disso, a partir de 2008/09, a UEFA tinha tornado obrigatória, a inscrição de, no mínimo, oito jogadores formados no clube, numa lista limitada a 25, a todos os participantes na ‘Champions’ e Liga Europa
A FIFA instituiu também que cinco por cento do valor da venda de um atleta fosse distribuído pelos clubes formadores do mesmo, entendendo a formação como algo que ocorre entre os 12 e os 23 anos do jogador (0,25 por cento por temporada, dos 12 aos 15 anos, 0,50 por cento por temporada, dos 16 aos 23 anos).
Ouvir o pai ou o treinador? O grande dilema do jovem jogador
Para os jovens jogadores, é stressante ter duas figuras de autoridade a dar-lhes instruções e escolher a quem obedecer.
"Esta situação coloca os jovens jogadores num conflito enorme porque quem é o treinador é, à partida, o profissional que lhe pode dar as ordens e ajudá-lo sobre aquilo que ele tem de fazer em campo, mas muitas vezes acontece que uma pessoa que é super-importante para eles, que são os pais, estão a dar ordens diferentes, muitas vezes até contraditórias", conta-nos Jorge Silvério, psicólogo especialista em desporto. Aqui, cabe ao treinador "tentar que os pais percebam qual o efeito que isto provoca nas crianças e sensibilizá-los para não terem esse tipo de intervenção". Para quem tem capacidade financeira, um psicólogo de desporto poderá ser essencial para ajudar a ultrapassar o problema.
Se na teoria devia ser assim, na prática é bem diferente.
Bruno Vieira, treinador de 31 anos, já passou por vários emblemas na região de Lisboa, sempre a trabalhar com jovens atletas. Depois de ter praticado futebol federado durante sete anos, enveredou para a carreira de treinador. Deixou os juvenis A do Alverca no passado mês de janeiro, depois de ter iniciado a época em agosto de 2019. Passou também pelo Agualva Cacém e Encarnação e, nos anos que leva a trabalhar com jovens, tem muitas histórias para contar.
Bruno está habituado a lidar com os treinadores de bancada e a conviver com a frustração dos pais. Por diversas vezes teve de intervir, face à pressão dos pais vinda das bancadas.
"Normalmente, os miúdos ficam muito divididos, não sabem para que lado remar. Muitas das vezes nós é que temos de fazer valer da nossa autoridade e dizer, 'quem manda aqui sou eu'. O jogador, muitas das vezes, não consegue abstrair-se dessa divisão entre pais e treinadores. Porque sabe que o que o pai está a dizer-lhe agora, vai voltar a dizer em casa, porque há um pós-jogo. Aí os miúdos ficam a pensar muito nesse pós-jogo e isso depende muito da personalidade de cada um", conta.
Nesta relação conflituosa, algumas vezes são os filhos a educarem os pais, invertendo os papéis.
70 por cento dos pais fazem uma pressão excessiva contra os miúdos, essa afronta é cada vez maior
"Tivemos um caso no Alverca, onde um pai se vira para o filho e diz, 'vê lá se despachas que estou farto de chegar à meia noite'. O miúdo ainda estava a fazer alongamentos finais e disse-lhe, 'tem calma'. E o pai respondeu-lhe, 'tem calma o c...., e não sou esses treinadores que não têm mãos em ti, ora acabam um treino numa hora, ora acabam noutra. Aqui é para cumprir, e vê lá se pias fininho'. E o jogador, como tinha uma estrutura mental forte, disse-lhe, 'tu nem devias estar aqui, devias estar no outro lado do campo, vê se te acalmas'. O próprio filho aí já sabia onde o pai deveria estar. Os filhos sentem que os próprios pais mexem com a relação que eles constroem com os treinadores", desabafa.
"Mister, preferia que o meu pai não estivesse na bancada"
Quem devia ser o primeiro pilar na formação do jovem atleta, acaba por ser um dos principais entraves à sua progressão. Os pais transportam os filhos os seus sonhos, colocam-lhe expetativas demasiado altas. Apenas querem que o seu filho seja titular, que jogue a avançado e que faça golos. Porque entendem que só assim poderão dar nas vistas e chamar à atenção de emblemas como Benfica, Sporting ou FC Porto, onde sonham ver o filho a ter uma carreira no futebol.
“Muitos pais acham que os filhos são os porquinhos mealheiros, podem vir a ser o próximo Cristiano Ronaldo ou o João Félix", e acabam por colocar uma pressão tremenda sobre os mesmos”, conta-nos Jorge Silvério, o primeiro psicólogo mestre em desporto em Portugal.
"Muitas vezes como psicólogo, já muitas crianças e jovens de futebol e noutras modalidades, me disseram que preferem que os pais não estejam presentes a assistirem aos jogos por causa da ansiedade que este tipo de comportamento lhes provoca", recorda o antigo Provedor do Adepto da Liga Portuguesa de Futebol.
José Pereira, presidente da Associação Nacional dos Treinadores de Futebol tem bem presente os dilemas que os seus associados se debatem todos os dias. E a intromissão dos pais no trabalho do treinador é uma das ameaças ao futebol de formação. "Há algumas intervenções dos pais que ficam, que marcam os jogadores. Uns pedem aos pais para não irem aos jogos, ou porque eles reclamam muito ou porque vêm nos pais dos outros esse comportamento contra o treinador e não gostariam de ver isso a passar-se com os pais deles", sublinha.
Esta é uma realidade mais visível em clubes menos estruturados, de menor dimensão, que participam nos escalões inferiores das Associações de Futebol de Portugal. Clubes onde os pais pagam para terem os filhos e, por pagarem, acham que os mesmos têm direito a serem titulares todos os fins-de-semana, na posição que o pai acha que se adequa ao seu filho.
As 'bocas' dos pais vindo das bancadas deixam os jogadores nervosos, desconfortáveis. Sobra o treinador para os ‘salvar’: "Alguns já me disseram, 'mister preferia não ter o pai na bancada a ver-me jogar, sinto-me nervoso, o que tenho de fazer?'", conta Bruno Vieira, que se recorda de um caso particular, quando era treinador do Agualva.
O meu pai está no outro lado, sempre a pressionar, a dizer que tenho de fazer um golo por jogo, sempre a dizer, 'ainda não fizeste, ainda não fizeste'.
"Tinha um jogador que era o Silveira, extremo esquerdo, o pai queria logo saber em que posição ele ia jogar para ter contacto com ele e dar-lhe instruções. Uma vez ele perguntou-me se podia jogar a médio direito, perguntei-lhe porquê e ele disse que se adaptava melhor. Estava a render mais na direita, perguntei-lhe porquê e ele disse-me: ‘o meu pai está no outro lado, sempre a pressionar, a dizer que tenho de fazer um golo por jogo, sempre a dizer, 'ainda não fizeste, ainda não fizeste'. Depois tive uma conversa com o pai e disse-lhe o que se estava a passar, que o seu filho podia ir para o banco se continuasse nervoso, ele entendeu, e estabelecemos uns objetivos para o Silveira que não fossem golos", recorda.
Se durante a semana, o treinador tem de gerir um grupo de 20 ou mais jogadores, aos fins de semana juntam-se os pais dos atletas. E aqui entra o verdadeiro significado da palavra 'treinador', segundo Abel Xavier, ex-internacional português que foi selecionador de Moçambique e treinou o Olhanense. O treinador treina a dor. A ‘dor’ dos jogadores que jogam pouco, dos que não jogam, dos que jogam na posição que não gostam. Depois treina a ‘dor’ dos pais que não estão satisfeitos com os minutos que os filhos estão a ter ou com as posições dos filhos. Porque muitas vezes é difícil para um treinador dizer a um pai que seu filho não será jogador de futebol, que tem mais lacunas que virtudes.
"Eu, no início de cada época, faço uma reunião com pais onde lhes explico o quão importantes são no sucesso ou insucesso dos filhos. Até agora tenho tido mais exemplos positivos que negativos nas conversas com eles. Dou muitos exemplos positivos sobre o papel dos pais, tentando enaltecer as coisas boas, digo-lhes que eles são o 12.º jogador, incutindo neles essa responsabilidade. Digo a eles que todos nós somos treinadores de bancada, todos nós temos a nossa opinião sobre quem deveria jogar, mas que há um campo específico para o fazer, e esse campo não pode ser onde estamos a competir", frisa Bruno.
Essa pressão é maior quando se tratam de pais que foram atletas ou praticaram desporto de alto rendimento. Por terem vivido esse contexto, acham-se mais preparados para dar instruções aos filhos que os treinadores que trabalham com eles diariamente. "Posso dizer que 70 por cento dos pais fazem uma pressão excessiva contra os miúdos, essa afronta é cada vez maior. Só em clubes bem estruturados é que não dão essa hipótese, há uma coordenação que diz, 'se não está satisfeito, pega no seu filho e vai embora'", frisa o técnico de 31 anos.
"Os pais têm de ter noção que os filhos estão a praticar um desporto, algo que lhes faz bem estruturalmente, podiam estar a praticar outra coisa. Só que os pais estão muito ligados a aquilo que é a competição na vida: 'ganhar é bom, perder é mau. Isso é errado'”, completa.
Para muitos pais, que têm de andar atrás dos filhos, de treino em treino, de jogo em jogo, a chegar tarde à casa nos dias da semana ou a levantar cedo aos fins de semana, para fazer vários quilómetros para levar os miúdos aos campos, é difícil controlar as emoções. Muitas vezes acabam por exteriorizar certas frustrações, descarregar no árbitro ou no treinador, sem pensar que, com essas atitudes, estão a dar um mau exemplo aos filhos.
Esse não é o exemplo de Paulo Cardoso, pai de um dos jogadores da Escola de Futebol Benfica Montelavar, em Sintra. Encontrámos Paulo em Belém num sábado, num dos sintéticos do Clube de Futebol Os Belenenses, a acompanhar um dos filhos num jogo dos sub-09 frente ao clube da casa. Paulo passa os fins-de-semana entre um campo e outro, já que tem dois filhos, cada um numa escola de futebol diferente. Nas várias viagens que já fez na Grande Lisboa e não só, presenciou um pouco de tudo.
"É frequente ver pais exaltados. Há jogos em que quase não vale a pena ir, os pais vêm os filhos como vedetas. Esquecem que são miúdos, que querem jogar à bola. Hoje estão bem, amanhã podem não estar, isto não é para levar tão a sério. Há pais que criam expetativas demasiadas elevadas, exige-se, se calhar, demasiado dos miúdos e nós nunca sabemos nada sobre o futuro. Eles amanhã podem escolher outra coisa e tudo isto se perdeu. É deixá-los jogar, eles que aprendam, que se divirtam, isto é que é importante para mim. Claro que ficam contentes quando ganham e tristes quando perdem, mas o que gosto de ver é a sua evolução", destaca.
Do insulto à agressão: os casos extremos
Não se conhecem, para já, os números atuais das agressões a árbitros ou treinadores por parte de adeptos. Mas, há sensivelmente um ano, Luciano Gonçalves, presidente da Associação Portuguesa de Árbitros de Futebol (APAF), alertava para o crescimento das agressões a árbitros de futebol: mais de 95% das agressões ocorrem em jogos das distritais, mais de 50% acontecem em jogos das camadas jovens. Recordamos alguns exemplos que tiveram eco na comunicação social.
Em junho de 2019, o pai de um jogador sub-12 da União Recreativa e Desportiva de Tires agrediu o treinador da equipa, Rafael Oliveira, após um treino. O pai do jovem jogador insultou o treinador e, quando o assunto parecia estar resolvido, desferiu um soco na cara do mesmo, num incidente presenciado pelos miúdos e alguns dirigentes do emblema de Tires. A PSP foi chamada ao local, tendo tomado aberto um inquérito. O treinador foi assistido no local pelos bombeiros, que, entretanto, foram chamados. Viria a ser transportado para o hospital mais tarde, com vómitos e crise de ansiedade, tendo realizado vários exames, de acordo com Vítor Santos, embaixador do Plano Nacional de Ética no Desporto do Instituto Português do Desporto e Juventude.
No final de outubro de 2018, dois árbitros, Rúben Ferreira, de 17 anos, e o segundo árbitro, Sérgio ferreira, de 21 anos, foram agredidos pelo pai de um jogador, durante uma partida de futsal, no Pavilhão Municipal da Senhora da Hora, Matosinhos. Tudo aconteceu depois de o árbitro principal ter expulso um jogador do Grupo Desportivo Cultural e Recreativo Água Viva, na receção ao Atlético Desportivo Polenenses. O pai do jogador, desagrado com a decisão, entrou no terreno de jogo e agrediu o segundo árbitro com um soco num ouvido. Depois empurrou Rúben Ferreira e deu-lhe um soco. Ambos os árbitros foram transportados de ambulância para o Hospital Pedro Hispano e, mais tarde, transferidos para o Hospital de São João. Rúben Ferreira foi diagnosticado com um traumatismo craniano, enquanto Sérgio Ferreira ficou com um tímpano perfurado e perdeu 70 por cento da audição. Ao abandonar o terreno de jogo, antes da chegada da polícia (não há policiamento nestes jogos), deixou cair o cartão de cidadão, importante para a sua identificação pelas autoridades.
Em abril de 2019, o pai de um jogador do Ídolos da Praça agrediu um árbitro, de 17 anos, no jogo de infantis frente ao Alfarim, do campeonato distrital da AF Setúbal. O Núcleo de Árbitros de Setúbal explica que o agressor surpreendeu o árbitro pelas costas, dando-lhe uma chapada na cara, com os jovens jogadores de 12 e 13 anos a assistirem ao incidente. O árbitro Afonso Rocha teve de ser assistido no hospital.
No início de junho de 2019, o pai de um jogador invadiu o terreno de jogo e agrediu a soco o árbitro, num jogo que decorria na União de Freguesias de Alverca do Ribatejo e Sobralinho, Vila Franca de Xira. Diz o 'JN' que o homem de 27 anos invadiu o campo e confrontou o árbitro, por uma decisão tomada durante o jogo entre crianças com menos de nove anos (escalão Traquinas). De seguida, o pai de um dos jogadores agrediu o árbitro com um soco, deixando-o inanimado no chão. Acabou por ser detido por um agente da polícia que estava no local e que se encontrava de folga. Já o árbitro, recebeu tratamento hospitalar no Hospital de Vila Franca de Xira.
Em muitas escolas ou academias de formação, os responsáveis viram-se obrigados a afixarem informação sobre o que esperam ser o comportamento dos pais. Conscientes que estes estão a prejudicar o desenvolvimento dos filhos, há quem tenha ido mais longe e chegado à proibição. Foi o que fez a Câmara Municipal de Almeirim, no distrito de Santarém, em novembro de 2018, quando lançou a iniciativa 'Pais de Desportistas são Pais Responsáveis' como forma de sensibilizar os pais de jovens atletas para o mau comportamento nas bancadas. Uma campanha que visava punir os clubes cujos adeptos tivessem comportamentos antidesportivos e dar incentivos aos emblemas que demonstrassem fair-play.
O Torrense também lançou um projeto piloto para prevenir a violência no desporto: criou uma escola para pais, de modo a "melhorar os comportamentos dos pais perante a competição, em termos de postura" através de "um trabalho de prevenção e de educação quanto à ética desportiva, para que tudo corra pelo melhor dentro e fora de campo".
Com recurso à psicologia, o emblema de Torres Vedras trabalha "com os pais para que saibam lidar com o sucesso e o insucesso dos filhos. Trabalhamos a comunicação e o discurso que um pai deve ter ao longo de uma época com o filho enquanto atleta."
O que fazer?
Este está longe de ser um problema apenas do futebol. Toda essa violência verbal e muitas vezes física, vinda das bancadas, é o reflexo da sociedade. José Pereira destaca "situações de violência que dantes não havia, como alunos a baterem em professores, por exemplo".
"O problema está na formação dos nossos jovens e na formação dos seus pais. Cabe ao Estado tomar medidas para que os espectadores que assistem aos jogos, estejam a ver os jogos e não em situações de violência física ou verbal. A violência da nossa sociedade é transversal e temos de ser todos nós a combate-la", destaca.
O psicólogo Jorge Silvério propõe uma intervenção a dois níveis: "Todas as entidades, como treinadores, clubes, associações de futebol, Federação e Liga devem estar envolvidas neste processo de sensibilização, formação e explicação aos pais sobre o comportamento que devem ter de modo a potenciar a carreira desportiva dos seus filhos, e por outro lado, caso estes comportamentos ultrapassem limites, haver penalizações. Temos exemplos de alguns tipos de comportamentos que ultrapassam o domínio da esfera criminal", sublinha.
Bruno Vieira acredita numa intervenção mais individual.
"O futebol já deu provas em que está patente a sua pacificação, a sua multiculturalidade, o seu fair-play, a sua ética, mas vão existir pessoas que não conseguem conviver com isso. O que podemos fazer é ações de formação. Muitos pais nunca jogaram ou não estiveram num campo de futebol. A confrontação é uma das melhores formas de nos revermos. As minhas soluções são a videogravação das pessoas com essas atitudes para que depois possam ver os mesmos, ou colocar a pessoa na situação do outro, colocá-los a viver este contexto. O ser humano só é empático quando se coloca na posição do outro".
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