A mudança para um novo clube, uma doença ou uma lesão grave estão no topo dos fatores de maior stress para os futebolistas profissionais em Portugal, num inquérito divulgado hoje, dia da saúde mental.

O estudo foi apresentado por ocasião da assinatura de um protocolo entre o Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol (SJPF), presidido por Joaquim Evangelista, e a Ordem dos Psicólogos Portugueses, num momento que se pretende que dê voz à temática.

“O futebol é uma atividade de impacto enorme. As lesões psicológicas são tão ou mais importantes que as físicas, podem até gerar físicas. Não devem ser escondidas e estigmatizadas”, explicou o bastonário da Ordem dos Psicólogos Portugueses, Francisco Miranda Rodrigues.

Em Portugal, o tema está numa “fase embrionária”, como explicou Joaquim Evangelista, e o estudo de hoje – suscitado por outros levados a cabo pela FIFpro (Associação internacional de futebolistas) – trouxe já algumas ideias.

Do universo de 217 futebolistas inquiridos, entre I Liga (29,5%), II Liga (39,2%), Campeonato de Portugal (30,4%) e Liga feminina (0,9%), a mudança de clube é um fator com enorme peso (mais de 40%) para o futebolista.

São alguns os fatores de preocupação trazidos a lume, com o estudo a indicar que mais de 30% dos jogadores tiveram mais de seis fatores stressantes na carreira – mudança/mobilidade, doença, salários, entre outros -, em comparação com a população geral.

“Quisemos replicar este modelo em Portugal, alertados para o tema pela FIFpro. Alargar a outros agentes desportivos. Os árbitros também vivem este problema”, alertou Evangelista, indicando não ter o ‘mapa’ de quantos clubes entre I e II Ligas recorrem a psicólogos nos seus departamentos de futebol.

O debate de hoje, o SJFP contou com os ‘testemunhos’ de Nuno Pinto, jogador do Vitória de Setúbal que enfrentou recentemente um linfoma, ou Carlos, guarda-redes internacional angolano que aos 39 anos tem dificuldade em colocar um ponto final na carreira.

Nuno Pinto, diagnosticado em 2018 e que jogou frente ao Benfica sabendo que estava doente, em 08 de dezembro desse ano, diz não ter contado com ajuda psicológica, por opção, e admitiu que o impacto da notícia nos seus companheiros ainda foi pior.

“No dia que soube joguei contra o Benfica, já sabia a 85 ou 90%. Sabia que tinha o problema, mas trabalhei a semana toda para jogar e fui jogar”, revelou Nuno Pinto, admitindo que o treinador [Lito Vidigal] não sabia.

Para o futebolista a doença ‘prejudicou’ a equipa, que viveu uma série de derrotas após a notícia e só voltou a vencer em abril, acabando por conseguir a permanência, mas a presença de psicólogos ainda lhe gera desconfiança.

“As pessoas não querem saber como se vai ganhar, querem é ganhar”, explicou o jogador, colocando em dúvida a relação de confidencialidade com o psicólogo, quando este tem uma entidade patronal que quer ganhar acima de tudo.

Segundo Carlos, internacional angolano e antigo guarda-redes do Rio Ave e atualmente no Amarante, a angústia é vivida com a dificuldade e deixar de jogar.

Aos 39 anos assumiu que já tentou deixar os relvados, mas que o cenário o colocou numa apatia, sem conseguir sair de casa, vestir-se – chegando a sair diretamente de pijama para levar a filha à escola, num quotidiano fora da ‘normalidade’.

“Espero que incentive outros jogadores a contarem o que se passa”, disse o guardião, admitindo nunca ter tido um ‘plano B’ para quando deixar o futebol.

Para o psicólogo Pedro Almeida, com largos anos de ligação ao Benfica, esta especialidade de braço dado com o futebol profissional “é um projeto que demora muitos anos”, e é imperativo que os clubes deixem os profissionais entrarem na formação.

“A importância de começar por baixo para criar hábitos. Nas outras modalidades começa-se no profissional, o que é um bocadinho diferente da dinâmica cultural no futebol profissional”, explicou.

Hoje, o SJFP, além de colocar os futebolistas e psicólogos a falarem dos problemas, apresentou uma brochura em que exemplifica muitos dos distúrbios, em que se incluem problemas alimentares, de sono, ou de ansiedade e depressão, e quais as situações que os podem potenciar, como lesões, final de carreira, mobilidade, entre outros.