Não há gelo que acalme este fogo

Patrick Frederiksen é capitão da seleção da Gronelândia. Muito provavelmente nunca ouviu falar dele antes. Tem 30 anos e disputou apenas 10 jogos particulares desde a sua primeira internacionalização em 2017. A última foi no dia 1 de junho de 2024, na pesada derrota diante do Turquemenistão por 6-0.

Só que Patrick Frederiksen, relembro, capitão de equipa, trabalha a tempo inteiro num jardim de infância. Significa isto que só pode treinar após o horário de trabalho. Para os torneios fora de casa, como os 'Jogos das Ilhas', em Guernsey, em 2023, Frederiksen tira férias para poder representar a seleção.

A realidade é incomparável à escala mundial. O futebol na Gronelândia é único. Único, porque apesar dos obstáculos que enfrenta - o clima é apenas um deles, há outros - a paixão pelo desporto-rei tem sobrevivido ao longo dos últimos anos. "É o único sítio na Terra que não é membro de nenhuma federação de futebol”, disse à AFP o treinador da Gronelândia, Morten Rutkjaer.

A ambição maior passa pela internacionalização do futebol gronelandês. Pertencer a uma de federação seria o primeiro passo para poder competir nas maiores provas do mundo. A acontecer, a decisão teria de partir da Confederação das Associações de Futebol da América do Norte, Central e Caraíbas (CONCACAF). Segundo o capitão de equipa, Frederiksen, o pedido de pertença à federação foi submetido no passado dia 28 de maio.

Pertencer à UEFA é impossível, uma vez que adesão só pode ser concedida a federações "sediadas num país reconhecido como Estado independente pela maioria dos membros das Nações Unidas”.

Até agora, os futebolistas do território autónomo dinamarquês têm jogado sobretudo entre si e a equipa nacional - constituída exclusivamente por amadores . Têm contado sobretudo com a boa vontade dos adversários para organizar os jogos.

Um logística complexa, sobretudo durante uma boa parte do ano. Devido ao rigoroso clima do Ártico, a época de ar livre decorre apenas de maio a agosto e o campeonato local só se joga durante uma semana no início de agosto.

No entanto, os líderes do projeto de internacionalização estão convencidos de que podem encontrar formas de jogar no estrangeiro em campos aprovados. E recuam até 1992, para lembrar que as Ilhas Faroé chegaram a disputar um jogo de qualificação para o Campeonato da Europa na Suécia por falta de um campo adequado. A vontade é muita. E enquanto não se pode jogar ao mais alto nível, espreita-se o que de melhor se faz lá fora. A Premier League é muito popular entre os cerca de 57 mil  habitantes da maior ilha do mundo, que cobre uma área de 2 milhões de quilómetros quadrados. Portugal, para se ter uma ideia, tem aproximadamente 92 mil quilómetros quadrados, com as ilhas incluídas. Tem cerca de 11 milhões de habitantes, 192 vezes mais população do que a residente da Gronelândia, que tem uma área 21 vezes maior do que a portuguesa.

Um sonho que atravessa gerações

Otimistas com a entrada da Gronelândia na CONCACAF, os gronelandeses não escondem que, a confirmar-se, seria um dia histórico para o país.

“Significaria muito. É uma grande parte da nossa identidade e ajudaria muito no nosso desenvolvimento pessoal”, disse Abelsen, um dos muitos adeptos presentes num dos treinos da seleção.

Rasmus Petersen, um canalizador de 44 anos que treina uma equipa de jovens na pequena cidade do Ártico, mostra-se confiante de que o território tem "um futuro brilhante" no futebol.

E é a pensar no futuro que o município de Maniitsoq, com cerca de 2500 habitantes, subsidia a formação para que todos possam jogar, num enorme esforço para mobilizar as crianças à prática do futebol.

Para além de inspirar a próxima geração, a adesão à federação criaria também incentivos para desenvolver as infra-estruturas desportivas do país, essenciais para o crescimento do desporto, que aqui também é rei.