
Após dezoito anos de carreira nos relvados portugueses, José Pedro Alves Salazar, Zé Pedro no mundo do futebol, abraçou a carreira de treinador. Desde 2014 que o montijense transferiu toda a técnica que tinha nos pés para a cabeça, assumindo o novo desafio enquanto técnico.
À semelhança do que acontecera enquanto jogador, Zé Pedro nunca esqueceu os lugares onde foi feliz e procurou dar o seu contributo a clubes por onde passara anos antes, agora a partir do banco.
Infelizmente viu de perto as quedas e transformações dos amados Belenenses e Vitória Futebol Clube, tendo também lugar 'privilegiado' em Alvalade numa altura muito conturbada no Sporting.
Em Belém, Zé Pedro foi, para além de uma referência enquanto jogador, membro da equipa técnica liderada por Silas, quando este assumiu o cargo de treinador dos azuis em 2018/2019. Foi precisamente durante esse período que se deu a cisão entre a SAD e o CF Belenenses, num processo que, segundo Zé Pedro, acabou por ter um grande impacto na equipa.
"Sentíamos que na altura, com a passagem do Belenenses ou da BSAD para o Jamor, que as coisas não iriam durar.
Nós fizemos parte desse processo, não foi nada fácil, porque trabalhávamos em condições precárias. Contudo tinhamos um bom plantel. O lado positivo dessa altura era mesmo o plantel forte que tínhamos ao dispor. Eu e o Silas tínhamos jogado no Belenenses, tínhamos sido referências da equipa nos últimos anos, e acho que isso tudo foi benéfico para aquele período. Não sei ao certo como o processo se desenrolou, mas o fato de termos passado para o Estádio do Jamor indicava que, mais tarde ou mais cedo aquilo iria acabar"
Na temporada 2022/23, o treinador natural do Montijo regressou à BSAD, com a missão de tentar evitar a descida para a Liga 3. Aos comandos da equipa, Zé Pedro esteve perto de alcançar esse mesmo objetivo, tudo inserido num contexto de muitas dificuldades, quer a nível desportivo, quer em termos estruturais.
"Quando assumo o cargo de treinador principal da BSAD, já não havia ligação ao Belenenses. Já era um clube feito quase ali, na hora, com imensas dificuldades, não tinhamos casa própria. Vivíamos naquele contexto de Jamor e com poucas condições de trabalho para uma equipa profissional; a BSAD foi um clube feito a partir de uma ligação desfeita. Para além disso, o contexto desportivo também era muito complicado, a BSAD tinha a descida praticamente definida, ainda alimentámos o sonho de nos podermos conseguir manter na segunda liga, o que não conseguimos pela diferença de um golo. Depois, todo o processo envolvendo a participação na Liga 3, as tentativas de fusão com o Cova da Piedade e com o Portalegrense, sentimos que seria muito difícil a continuação da BSAD nas nossas provas"
No seu período como jogador do Belenenses, Zé Pedro acompanhou o surgimento de um jovem jogador chamado Ruben Amorim, com quem partilhou balneário ao longo de quatro temporadas. O técnico montijense disse compreender a decisão do antigo colega de deixar o Sporting e abraçar um novo desafio num campeonato com maior grau de exigência.
"Eu acho que ele foi muito claro em relação a isso. Era uma oportunidade que realmente poderia ser boa para o seu futuro, mas que era um risco que queria tomar, sabendo da exigência que tem o futebol inglês e um clube como o Manchester United. Saiu de uma zona confortável para uma zona de risco, porque acredita que, com o trabalho e com o tempo, conseguirá ir ao encontro daquilo que idealiza para o Manchester United. Não está fácil, mas eu acredito que o Ruben tem muita competência, e que com o tempo irá alcançar todos os objetivos que delineou após ter tomado esta decisão"
Para começar este processo de recuperação, Zé Pedro recorre ao exemplo daquilo que Amorim fez quando chegou ao Sporting, na altura substituindo Silas, que na altura tinha o montijense como adjunto.
Assim, Zé Pedro acredita que, tal como fez nos leões, Amorim terá de reformular todo o futebol sénior do Manchester United, algo que, na sua opinião, não será fácil, mas que trará os seus frutos.
"O Ruben começou a ter sucesso no Sporting quando reestruturou todo o futebol sénior, e creio que no United terá de fazer o mesmo. Tem que terminar esta temporada, passar por estas dificuldades, e depois na próxima época fazer praticamente tudo o que fez quando assumiu o Sporting. A liga inglesa é bem mais competitiva, e por isso será mais complicado, mas acredito que vai ser assim: altos e baixos até o final da temporada e depois no início da próxima vai-se começar a ver um trabalho semelhante ao que o Ruben fez nos últimos anos no Sporting"
Outra figura ligada aos leões que cruzou com Zé Pedro foi Frederico Varandas. O atual presidente do Sporting foi chefe clínico do Vitória FC quando o extremo jogava no clube sadino. Mais tarde, os dois voltaram a encontrar-se, agora em Alvalade, quando Silas foi convidado para treinador dos verdes e brancos
Aquando da chegada ao clube, Zé Pedro recorda que a situação vivida em Alvalade era muito complicada e tensa, devido mormente ao ataque à academia de Alcochete no ano anterior. Contudo, o técnico destaca o trabalho do presidente leonino nos últimos anos, atribuindo-lhe parte do mérito do sucesso as últimas épocas.
"Na altura que representei o Sporting, a situação era muito complicada, um caos. Depois do ataque à academia, não se viviam dias fáceis no Sporting, e eu acho que ao longo do tempo o presidente Varandas conseguiu ir recuperando o clube, e o sucesso atual do Sporting também tem dedo do presidente, sem dúvida", afirmou.
Ao longo dos cerca de cinco meses em que acompanhou Silas nos leões, Zé Pedro percebeu que o Sporting era na altura um clube em reconstrução, e que só em 2020/21 é que foi possível dar início ao processo de recuperação competitiva, e que culminou com a conquista do título.
"Acho que o Sporting estava em reconstrução. O próprio Ruben Amorim, que nos veio substituir até ao final da temporada, também ainda passou por esse processo. Na temporada seguinte, é que o Ruben, juntamente com o presidente Varandas, e com o diretor Hugo Viana, estruturaram o clube e conseguiram, nestes últimos anos, que o Sporting fosse mais competitivo, juntando-se ao Benfica e ao FC Porto"
Depois de passagens pelo Famalicão e pelos cipriotas do AEL Limassol, ainda como adjunto, Zé Pedro decidiu abraçar o desafio de liderar uma equipa, e nada melhor que um regresso ao Vitória FC, equipa na altura inserida no Campeonato de Portugal, e que lutava pela subida à Liga 3.
Apesar disso, Zé Pedro confessa que, já durante a temporada, foi-se percebendo que a situação do clube não era a mais estável. O técnico mantinha a confiança que a estrutura do clube conseguisse resolver a situação, mas tal acabou por não acontecer.
"Ao longo do tempo sentimos que poderia acontecer, mas naturalmente não queria que acontecesse; foi um trabalho e um objetivo difíceis de alcançar, e que conseguimos dentro do campo. Tendo em conta a história do Vitória, os seus adeptos, a nossa prestação e a estrutura da altura, sinceramente pensei que as coisas se fossem resolver, porque o problema já vem muito de trás. Tal como treinador, também fui jogador do Vitória há muitos anos e esses problemas já existiam e nunca foram resolvidos."
O treinador de 46 anos revelou os motivos que o levaram a aceitar o convite de orientar os sadinos em 2023/24. Ao aperceber-se da situação que o Vitória vivia, Zé Pedro não deixou de sentir alguma frustração por ter visto que todo o trabalho da equipa fora em vão. Zé Pedro admite ainda que não fica indiferente ao facto de ver o clube sadino atualmente a jogar na segunda divisão distrital.
"Aceitei o convite de treinar o Vitória no Campeonato de Portugal, muito devido à estrutura, com aquilo que me foi apresentado e com o histórico, principalmente nestes últimos quatro anos, que o Vitória estava a demonstrar em termos diretivos. Naturalmente, para o final da época, quando começámos a sentir os verdadeiros problemas que estavam em causa, quer equipa técnica, quer jogadores, percebemos que o que estávamos a fazer poderia ser um trabalho em vão. Infelizmente foi. Não foi completamente porque desportivamente subimos e fizemos uma excelente campanha. Mas não ficamos indiferentes ao facto do Vitória estar atualmente na segunda divisão distrital de Setúbal depois do esforço tremendo que tivemos para alcançar os nossos objetivos"
Apesar de tudo, o técnico de 46 anos ainda acredita que o Vitória FC ainda pode voltar à Primeira Liga e ao convívio com os maiores do futebol português.
"Eu acredito. Acho que o acreditar está na base de tudo. Talvez esta crença venha de um lado mais emocional; porque vivi em Setúbal, joguei em Setúbal, subi como jogador no Vitória, subi como treinador no Vitória. Acredito que isso pode ser possível, mas também acho difícil, sinceramente. Mesmo tendo sido o treinador principal no ano passado, eu não estou bem dentro do processo, mas são casos atrás de casos no Vitória. Esperemos que quem esteja à frente do clube tenha a capacidade de encaminhar o Vitória para outros voos", concluiu.
Mais acima, Zé Pedro fez também uma breve análise sobre a Primeira Liga, mais propriamente sobre quem serão os principais candidatos à conquista do título. O técnico acredita que, apesar de poder estar por perto, o FC Porto não deverá lutar pelo primeiro lugar, ficando assim a discussão entregue a Sporting e Benfica.
"Acho, que o FC Porto neste momento está mais frágil, muito pela qualidade do plantel, pela mudança de equipa técnica e pelo tempo que os treinadores precisam para impor as suas ideias. O plantel do Porto pode ter uma menor qualidade, mas tem aquela vontade, determinação, busca pela vitória típicas do clube. Contudo, olho para o Benfica e para o Sporting de uma forma geral e acredito que estes estarão, no final, a discutir o título. O FC Porto estará sempre por perto, mas acho que cairá para o Benfica ou para o Sporting"
A época 2024/25 tem sido marcada pela elevada onda de lesões um pouco por todos os campeonatos, um fenómeno atribuído ao aumento do número de jogos. Zé Pedro compreende esta situação, e que está diretamente relacionada com a necessidade das principais equipas manterem o seu nível competitivo.
"Perante o cenário competitivo, os clubes têm que apresentar sempre o seu melhor onze, aquele onze que joga com mas frequência; com mais jogos estão mais sujeitos a lesões, e eu acho que é isso que tem acontecido. Equipas como Benfica, Sporting, FC Porto, SC Braga ou Vitória SC, que jogam frequentemente duas vezes por semana, têm de ganhar, têm que meter os melhores, naturalmente. A sobrecarga de jogos vai fazer com que os jogadores estejam mais sujeitos a lesões. O jogador não está totalmente recuperado mas tem que jogar porque o clube tem de ganhar; mas como não está completamente recuperado, acaba por ter uma recaída"
Depois da saída do Alverca no início da presente época, Zé Pedro está atualmente sem clube. Contudo, o técnico de 46 afirmou que já recebeu alguns convites após a saída do clube ribatejano, mas que nesta altura prefere tomar uma decisão mais segura e ponderada para o seu futuro.
"Apesar de ainda faltar algum tempo para terminar a temporada, não acredito que haja a possibilidade de treinar algum clube. Todavia uma pessoa está sempre receptiva à ideia de que isso poderá acontecer e voltar novamente a trabalhar. Tive abordagens logo após ter saído do Alverca, de Portugal e do estrangeiro, mas achei que não era o momento. Acho que o próximo passo a dar também tem que fazer sentido e trazer alguma estabilidade. Acredito que o projeto vai aparecer e que, mais tarde ou mais cedo, vou estar a trabalhar e a fazer aquilo que gosto.
Preferência por Portugal ou estrangeiro? Quando assumimos a carreira de treinador temos que estar receptivos; podemos ter alguma preferência, claro, mas neste momento eu estou receptivo a qualquer convite, dentro daquilo que indiquei anteriormente. Falo, não só das condições financeiras, como também desportivas. O próximo passo tem que ser um passo dado com alguma certeza, por isso estou a aguardar e acredito que brevemente estarei a trabalhar"
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