O Brasil é um país de dimensões continentais, tal prova é a distância entre seus extremos norte e sul é de 4.174 quilómetros. Apenas para ficarmos numa rápida comparação, Lisboa e Moscovo estão separados por 4.560 quilómetros. Seria como se o Brasileirão fosse disputado em boa parte da Europa, e isso certamente geraria inúmeros problemas logísticos para os clubes participantes. Pois é isso o que acontece no Brasil, onde as equipas que jogam mais de um campeonato simultâneo, como a Taça Libertadores da América, tenham que fazer uma maratona aérea para jogar duas vezes na semana.
Como exemplo o Flamengo, que na passada quarta-feira derrotou o Internacional no Rio de Janeiro pelos quartos de final da competição sul-americana, e para o jogo deste domingo frente ao Ceará pelo campeonato nacional, teve de viajar 2.587 quilómetros até a cidade de Fortaleza, e já nesta quarta-feira irá à capital estadual mais ao sul do país, Porto Alegre, para o jogo da segunda mão dos quartos de final da Libertadores. Fortaleza e Porto Alegre estão separados por módicos 4.032 quilómetros. Haja disposição e horas de voo para os comandados de Jorge Jesus nestas semanas.
Mas para o Flamengo, toda esta longa jornada de viagens está a valer a pena, pois, além da boa vantagem de 2-0 para o Internacional e com as meias de final à espreita na Taça Libertadores, a equipa fez muito bem seu papel frente ao Ceará, pela 16ª ronda do Brasileirão, com uma excelente vitória por três bolas a zero e a tomar a liderança ao Santos, ambos com 33 pontos, mas o rubro-negro com mais golpes marcados que a equipa paulista. Uma vitória do Flamengo e pessoalmente de Jorge Jesus, que foi bastante criticado nos últimos dias por não poupar os considerados titulares para o jogo no nordeste do país, já com a eliminatória continental contra o Internacional nesta quarta-feira. Para Jesus, o Flamengo luta pelos dois títulos, e não há esforços a serem poupados.
O caminho para a vitória dos comandados de JJ começou pelos pés do central espanhol Pablo Marí, que Jesus mandou trazer do Deportivo La Coruña. Gabriel, que não gosta da alcunha de Gabigol, talvez pelos maus momentos ao serviço do Inter de Milão e Benfica nas últimas épocas, segue a marcar golos como nunca. Frente ao Ceará, mais um, o décimo segundo do melhor marcador do Brasileirão. A fechar a noite feliz rubro-negra, um golo daqueles que faz levantar o mais desanimado adepto, um pontapé acrobático de bicicleta do talentoso médio uruguaio Arrascaeta. Mas que golo espetacular!
A liderança do Flamengo deve-se, em parte, ao monumental desastre do Santos, então líder e que recebeu o Fortaleza, num jogo que parecia ser uma das grandes goleadas do campeonato. Logo aos dois minutos, Marinho fez o gosto ao pé. O lateral Jorge, que poucos adeptos do FC Porto devem ter saudades, aumentou o marcador com um bonito remate de fora da área, e o avançado Sasha fez o 3-0 ainda na primeira parte. A redenção do Fortaleza teve início no minuto 60, num golo de penálti de Wellington Paulista. Pouco depois, o próprio Wellington marcou o segundo, e no minuto 95 o lateral Tinga, não confundir com aquele trinco de fugaz passagem pelo Sporting, fez o golo do empate que emudeceu a Vila Belmiro.
Neste domingo insano do futebol brasileiro, Jorge Jesus provou que pode desafiar certos conceitos inúteis enraizados na cultura futebolística local, como o ‘’vale tudo pela Libertadores’’ e ‘’que se lixe o Brasileirão’’. Para o bem do Flamengo e do futebol brasileiro, vida longa a Jesus nesta terra de loucos.
*Texto escrito em português do Brasil