Durante o Mundial da Rússia, eles não tinham por quem torcer. Mas, com o Mundial feminino em França, em junho, italianos, escoceses e chineses poderão apoiar as suas próprias seleções, o que farão com um pé atrás.

"Meninas... Joguem o Campeonato do Mundo, mas não falem de tática, por favor!": com este tweet, Regina Baresi, capitã da equipa feminina do Inter de Milão, filha e sobrinha de dois ídolos históricos do futebol italiano, resumiu à sua maneira a situação do futebol feminino em Itália.

As jogadoras da 'Nazionale' estão a preparar-se para disputar o Mundial (7 de junho a 7 de julho) pela primeira vez desde 1999. Já a seleção masculina não conseguiu qualificar-se o Mundial da Rússia no ano passado, o que não acontecia desde 1958. Mas Fulvio Collovati, campeão do mundo de 1982, garantiu à emissora RAI que, sob o risco de ficar com "o estômago embrulhado", uma mulher não podia "falar de tática", porque "ela não entende disso como um homem".

Entrevistada pela AFP pouco antes dessas declarações sexistas, a treinadora da seleção feminina italiana, Milena Bertolini, tinha acabado de explicar que o Campeonato do Mundo de França 2019 seria "uma oportunidade importante" para o desenvolvimento do futebol feminino na Itália.

"Isso poderá fazer as meninas, mas também todos os italianos, compreenderem a normalidade do futebol ser jogado por mulheres. Em Itália, isso ainda é considerado algo um pouco estranho", analisou a treinadora.

Num país que conta com apenas 23 mil jogadoras federadas, contra mais de 200 mil na Alemanha ou 160 mil em França, a qualificação da seleção feminina foi vista como um feito inédito, ainda mais por ter acontecido nas vésperas do Mundial da Rússia, onde os tetracampeões italianos foram manchete por causa da sua ausência.

"Evidentemente, beneficiamos disso no plano mediático. Sinto muito que a seleção masculina tenham ficado de fora do Mundial, é uma derrota para todo o futebol italiano. Mas é provável que as mulheres ganhem uma motivação a mais para dizer: 'Olhem, estamos aqui, estamos a fazer algo grande'", admitiu Milena Bertolini.

Juve, Milan, Roma

Mais no norte da Europa, as escocesas também alcançaram um feito de peso ao conseguir uma qualificação histórica para o Mundial, dois anos depois de uma primeira participação no Europeu.

Mas, ao contrário da Itália, a presença em França das atletas comandadas pela técnica Michelle Kerr não servirá para compensar um tropeção dos homens, muito mais acostumados a ficar de fora do Campeonato do Mundo, competição que não disputam desde 1998.

Scott Booth, ex-jogador do Aberdeen e do Borussia Dortmund, fazia parte da seleção escocesa na época. Hoje, ele treina as jogadoras do Glasgow City, que chegou aos quartos de final da Liga dos Campeões em 2015 e conquistou os últimos 12 títulos nacionais.

Segundo Booth, o futebol feminino está em pleno desenvolvimento na Escócia. "Tudo que está à volta melhorou e tornou-se muito mais importante nos últimos três, quatro anos", afirmou à AFP. "A cada temporada, um grande clube cria a sua equipa feminina. Isso ajuda muito".

Esta constatação é idêntica na Itália, onde a Juventus, o Milan e a Roma recentemente começaram a disputar a primeira divisão feminina, dando um sopro de ar fresco à competição.

"É fundamental, porque no plano mediático começámos a falar do futebol feminino. Já existia antes, mas se ninguém fala de ti, é como se tu não existisses", explicou Bertolini.

E a sua seleção está a colher os frutos. "Temos mais recursos. As jovens italianas estão numa situação de evolução profissional, de desenvolvimento do seu talento", garantiu.

"Grande impulso"

O cenário é diferente na China, onde a equipa feminina, finalista do Mundial em 1999 e que alcançou os quartos de final da competição três vezes, conseguiu sempre resultados superiores à seleção masculina, com apenas uma aparição em Mundiais (2002).

Mesmo assim, as jogadoras chinesas não provocam grande entusiasmo no seu país, como lamentou recentemente a atacante Wang Shuang na rede social Weibo.

O site Tencent Sports, muito popular na China, apoiou a declaração da jogadora do PSG, afirmando que "os adeptos só se lembram do futebol feminino quando a equipa masculina perde".

A Itália passa por momento parecido e tem como objetivo fazer com que o interesse em relação à seleção feminina ultrapasse o quadro anedótico de uma comparação com o fiasco masculino.

"Em todos os desportos, quando a seleção está bem, isso dá um impulso. Se jogarmos bem, se vencermos, se chegarmos aos oitavos de final, acho que daremos um grande impulso e que muitas meninas vão começar a jogar", espera Milena Bertolini.