Nova Iorque, a “cidade que nunca dorme”, viu este domingo apagar-se a luz de uma das carreiras mais prestigiantes do futebol mundial. Andrea Pirlo entrou no último minuto do encontro entre New York City e Columbus Crew, referente às meias-finais do playoff da MLS, e a ovação que ecoou das bancadas do Yankee Stadium foi a prova de como um país em que o futebol está longe de ser o desporto-rei sabe reconhecer as suas lendas.

E também Pirlo, com 38 anos, soube reconhecer que, uma vez não estando nas melhores condições físicas, tinha chegado o momento da despedida. "Já não tenho cartilagem. Chegou o momento para parar. Em dezembro, voltarei para Itália. Com problemas físicos todos os dias, não podemos treinar como queremos porque temos sempre alguma coisa. Na minha idade, isso é suficiente. Não é possível jogar até aos 50. Farei outra coisa", revelou, no início de outubro, o ex-internacional italiano.

A confirmação do adeus chegou horas depois da vitória da sua equipa, por 2-0, ainda assim insuficiente para garantir a passagem à final da Conferência Este. “Não é só a minha aventura em Nova Iorque que chegou ao fim, também a minha viagem como jogador de futebol”, escreveu o ex-atleta, numa carta publicada na rede social Twitter.

“Quero aproveitar esta oportunidade para agradecer à minha família e aos meus filhos pelo apoio e amor que sempre me dão, a todas as equipas que tive a honra de representar, a todos os colegas de equipa com quem tive o prazer de jogar, a todas as pessoas que tornaram a minha carreira incrível e ainda a todos os adeptos em todo o mundo que sempre me apoiaram”, acrescentou o italiano.

Para trás ficam 22 anos de uma carreira em que praticamente nada ficou por ganhar. Foi ao serviço da seleção italiana que conquistou um dos maiores títulos da carreira, o Mundial’2006, mas também o Europeu sub-21, em 2000. Foram, ao todo, 116 jogos e 13 golos pela equipa principal dos ‘tiffosi’ - é o quarto jogador mais internacional de sempre pelo seu país, a par de De Rossi – tendo alinhado em três mundiais (2006, 2010 e 2014), três europeus (2004, 2008 e 2012) e ainda dois Jogos Olímpicos, em 2000 e 2004.

Desde a sua estreia como profissional, a 21 de maio de 1995, pelo Brescia, com apenas 16 anos – na altura um recorde -, o centrocampista impressionou pela elegância com que jogava, cada vez mais rara nos tempos que correm, pela precisão dos seus passes e pela execução de bolas paradas, de forma subtil mas letal. Não foi, portanto, à toa que o apelidaram de ‘maestro’. Ou 'arquitecto', no caso específico de Itália.

“É um líder silencioso. Não precisa de falar, fala com os pés”, disse Marcello Lippi. “Mais de 10 anos a dar lições de futebol! Hoje, para os que são apaixonados por este desporto, é um dia triste. Don Pirlo”, enalteceu Casillas nas redes sociais.

A carreira brilhante do Senhor Itália

Com uma carreira quase inteiramente dedicada ao futebol italiano, Pirlo deixou o Brescia em 1998 para rumar ao Inter de Milão. Depois de uma temporada em bom plano - 29 jogos realizados - seguiram-se dois empréstimos ao Reggina e à antiga equipa, que acabariam por precipitar a mudança para o rival AC Milan em 2001, esse, sim, um marco na carreira do jogador.

Nos ‘rossoneri’, equipa que representou até 2011, foi o cérebro e o coração de um dos melhores meios-campos da história da Liga dos Campeões. Juntamente com Gattuso e Seedorf, conquistou duas edições da Liga dos Campeões (2002/03 e 2006/07) e dois ‘scudettos’, entre outros troféus, tendo sido incluído pela FIFA no Onze do Ano de 2006.

A chegada à Juventus, em 2011/12, deu-se sob um forte coro de críticas, com os mais céticos a apontarem que o ‘maestro’, uma vez terminada a sua ligação aos milaneses, estava, também ele, acabado. Numa ‘Velha Senhora’ ainda a recuperar do escândalo de manipulação de resultados, que levou à sua descida de divisão, Pirlo tornou-se uma das principais referências do plantel de Antonio Conte rumo ao ‘scudetto’ desse mesmo ano, que daria início ao ‘hexa’ que a equipa de Turim ainda hoje defende. O centrocampista ficou-se pelo ‘tetra’.

Isto porque o namoro com o New York City falou mais alto e, em 2015, Pirlo deixou mesmo o futebol italiano para rumar aos Estados Unidos, onde se juntou a jogadores como David Villa e Frank Lampard no emblema nova-iorquino. O adeus aos relvados chegaria três épocas depois, sem qualquer título no bolso, mas há muito que já estava anunciado.

Para a posteridade ficam momentos de antologia como o ‘Panenka’ que afastou Inglaterra do Euro’2012, passando pela assistência para o golo de Fabio Grosso em 2006, na dramática meia-final do Campeonato do Mundo, em Dortmund, bem como o remate do meio da rua contra o Real Madrid, na fase de grupos da Champions, em 2009. 'No Pirlo, no party', expressão que correu os quatro cantos do mundo, nunca fez tanto sentido.

“Sinto-me feliz sempre que vejo Pirlo jogar. Parece eterno. O Milan deu um presente fantástico à Juventus", disse Fabio Capello, antigo treinador de Pirlo no AC Milan. “Pirlo é um génio. É, juntamente com Baggio, o maior talento que o futebol italiano produziu nos últimos 25 anos ", afirmou, por sua vez, Gianluigi Buffon.

O segredo dos seus livres? Pensar em português

Em 2013, na sua autobiografia, intitulada ‘Penso, logo jogo’, Pirlo partilhou o segredo por trás dos seus livres exemplarmente executados. A inspiração? Um brasileiro de seu nome Juninho Pernambucano. “Sou italiano, mas também tenho uma costela brasileira. Quando cobro uma falta, penso em português e, na maioria das ocasiões, celebro na minha língua materna”, contou. Nas palavras de Pirlo percebe-se a sua obsessão pela perfeição.

“Estudei-o [Juninho Pernambucano] atentamente, colecionei DVDs, fotografias de jogos em que atuou. Não foi uma descoberta imediata, exigiu paciência e perseverança. Comecei a imitá-lo. Falhei ao princípio. O meu momento 'Eureka' chegou quando estava sentado na sanita. Muito romântico, eu sei, mas foi mesmo assim. A procura do segredo de Juninho tornou-se uma obessão para mim, ao ponto de ocupar todos os meus pensamentos”, explicou.

“Pirlo é a grande referência para todos os marcadores de livres. É aquele que todos os jogadores procuram seguir. É um mestre”, respondeu Juninho.