Nelo Vingada, primeiro treinador português bem-sucedido na Arábia Saudita, subscreve “na generalidade” a quebra qualitativa das Ligas europeias frisada por Cristiano Ronaldo, um dos futebolistas de elite que rumou ao Médio Oriente.

“Nos últimos dois ou três anos, perderam um pouco aquela chama vibrante de a gente se sentar, estar a ver e, às vezes, mudar de um jogo em Espanha para um na Alemanha ao fazer ‘zapping’. A I Liga portuguesa é boa entre as seis melhores. Vê-se pelos resultados que as equipas têm nas provas europeias”, vincou à agência Lusa o técnico, de 71 anos.

Durante o estágio do vice-campeão saudita Al Nassr no Algarve, o avançado e capitão da seleção nacional Cristiano Ronaldo disse ter a “porta completamente fechada” sobre um hipotético regresso ao futebol europeu, que “perdeu muita qualidade” e tem como “única Liga de topo” a inglesa, na qual atuou pelo Manchester United (2003-2009 e 2021-2022).

“As Ligas francesa, italiana e alemã perderam claramente. Em Espanha, os outros clubes foram tão fracos [em 2022/23] que o FC Barcelona acabou por ser campeão sem grande competitividade, com 10 pontos de vantagem e muito cedo. A própria seleção portuguesa tem hoje nomes de maior referência a nível mundial do que algumas destas nações, que, de facto, são grandes e impactantes. Neste momento, perguntamo-nos quem é o jogador alemão de referência e não nos lembramos nem sabemos muito bem. Em Espanha, há o Pedri e mais dois ou três miúdos, mas veremos aquilo que darão”, traçou Nelo Vingada.

Vinculado ao Al Nassr desde janeiro, ‘CR7’ disse também que a Arábia Saudita “é melhor do que os Estados Unidos”, após a recente mudança de Lionel Messi, campeão mundial pela Argentina e ‘rival’ do português no topo do futebol no século XXI, para o Inter Miami.

“A Liga norte-americana (MLS) é bem melhor e mais sustentada do que era há uns anos. Veja-se a quantidade de jogadores locais que saem para a Europa. Se puséssemos as equipas da Arábia Saudita na MLS, acho que não teriam sucesso e vice-versa”, avaliou.

O apelo monetário da Arábia Saudita tem aliciado craques em pré-reforma ou em idades jovens a deixarem a elite europeia, mas o treinador duvida desta “investida mediática”, projetada desde que Cristiano Ronaldo “foi à procura de um espaço onde se sinta feliz”.

“Ele esteve sempre em qualquer sítio como a referência número um. Penso que a última experiência em Manchester foi marcante e, provavelmente, sentiu que passaria para um plano secundário com o andar inevitável da idade se continuasse ao mais alto nível ou ia então para um futebol em que as exigências são menores, de forma a manter-se como o mais mediático, interventivo e idolatrado e ser muito prestável no seu rendimento. A isso, juntou um valor astronómico e tornou essa sua felicidade ainda mais dourada”, sinalizou.

Primeiro português a sagrar-se campeão continental de seleções a nível sénior, ao comandar a Arábia Saudita na sua terceira e última conquista da Taça das Nações Asiáticas, em 1996, Nelo Vingada acredita que a presença de ‘CR7’ “não é suficiente, por si só, para colocar a Liga com um nível brutal”, apesar de o país já ter diluído “o impacto da sua cultura ancestral”.

“Os primeiros jogos a seguir à chegada dele tinham lotação completamente cheia, mas, à medida que o campeonato foi avançando e o Al Nassr perdeu o primeiro lugar para o Al-Ittihad, era visível e facilmente detetável pela televisão que havia muito menos gente nos estádios. Isso é um pouco a cultura árabe, do oito ao 800. Quando estão bem, querem e sentem entusiasmo, aderem. Agora, também fraquejam e dizem adeus à mínima coisa”, atestou o técnico, que comemorou em solo saudita o primeiro de dois títulos de campeão mundial de sub-20 vencidos por Portugal enquanto adjunto de Carlos Queiroz, em 1989.