Selecionadores a fazer de árbitro? Bolas diferentes usadas no mesmo jogo? Países a participar por convite? Tudo isto é absolutamente impossível de ver no próximo Mundial, no Brasil. Porém, tudo isto aconteceu na primeira edição da competição, no distante ano de 1930.

Encontrar pontos em comum nas duas provas é como “procurar uma agulha num palheiro”. Nestes 84 anos que as separam o Mundo mudou radicalmente. Da II Guerra Mundial ao aparecimento da televisão, passando pela globalização da economia e pelo surgimento da Internet, o mundo não é o mesmo. E o Mundial de futebol é disso um exemplo perfeito.

Em 1930, o campeão olímpico Uruguai foi o escolhido para acolher a primeira edição da prova idealizada pelo então presidente da FIFA, Jules Rimet. Apesar das candidaturas de Itália, Suécia, Holanda e Espanha, o pequeno país sul-americano recolheu a preferência do organismo máximo do futebol, que endereçou convites a todos os seus membros.

Se a escolha do Uruguai para anfitrião foi muito bem acolhida no continente americano, o mesmo não se pode dizer na Europa. Argentina, Brasil, Bolívia, Chile, Paraguai, Peru, México e Estados Unidos aceitaram de imediato o convite da FIFA, mas a dois meses do arranque não havia ainda uma única seleção europeia. Os elevados custos de uma viagem transatlântica e a longa ausência que era pedida aos jogadores deixou os europeus reticentes. Foi precisa a intervenção de Rimet e a promessa uruguaia de arcar com os custos para convencer França, Bélgica, Jugoslávia e Roménia. E assim estiveram 13 seleções no Mundial inaugural.

Um Campeonato, tantas curiosidades

O Uruguai era o país organizador, mas na verdade este foi o Mundial de Montevideu. A capital uruguaia recebeu todos os jogos em apenas três recintos: o Estádio Centenário (palco da final), o Estádio Pocitos e o Estádio Parque Central. As 13 seleções foram distribuídas pela FIFA – e não por sorteio – por quatro grupos: o grupo 1 contava com quatro equipas, enquanto os restantes tinham apenas três, sendo que apenas o primeiro classificado seguia em frente.

Como foi o primeiro Mundial, este foi também o Mundial de muitas estreias: o primeiro golo, a primeira expulsão, o primeiro penálti, o primeiro hat-trick, etc. No entanto, foi também um campeonato repleto de pormenores insólitos para os atuais padrões do futebol profissional.

O árbitro brasileiro Gilberto de Almeida Rego apitou o final do jogo entre França e Argentina seis minutos antes da hora; Brasil e Bolívia jogaram 45 minutos com um equipamento semelhante até que os bolivianos aceitaram trocar; e Argentina e México viram o seu jogo ser arbitrado pelo selecionador da Bolívia, Ulises Saucedo.

Na derradeira final, entre argentinos e uruguaios, tiveram de ser utilizadas duas bolas diferentes, face ao desacordo entre os dois países. A bola argentina foi usada na primeira parte e a alviceleste foi para o intervalo a ganhar 2-1, mas no segundo tempo veio a bola uruguaia e com ela a reviravolta ‘charrua’, vencendo por 4-2 o primeiro título mundial, perante 93 mil pessoas. O jogo ficou ainda marcado pelos receios em torno da segurança, que levaram mesmo o árbitro belga John Langenus a apenas aceitar dirigir o jogo horas antes do seu início. E porque mais vale prevenir do que remediar, terá exigido a presença de um barco no porto caso precisasse de escapar rapidamente.

As primeiras figuras históricas

O argentino Guillermo Stabile foi coroado o melhor marcador do torneio, com oito golos em cinco jogos. Curiosamente, só saltou para a ribalta ao segundo jogo, entrando frente ao México para ocupar a vaga de Manuel Ferreyra, que teve de se ausentar para fazer um exame na faculdade de Direito.

Outro jogador em destaque foi o uruguaio Hector Castro. Um dos heróis do título mundial ‘charrua’, ao apontar o último golo na final com a Argentina, era conhecido como “El Manco”, por não ter a mão direita.

Um acidente com uma serra elétrica em criança obrigou à amputação da mão, mas mesmo assim construiu um percurso notável na sua seleção.

2014, o salto brasileiro

Em 2014, o Brasil irá receber em 12 estádios as 32 seleções que se qualificaram em busca de um sonho: a presença no Campeonato do Mundo. A 20ª edição poderá bater muitos recordes no país que é igualmente o recordista de títulos, o pentacampeão Brasil. Sem convites e depois de uma fase de apuramento que se prolongou por mais de dois anos.

Paralelamente, no meio das diferenças abissais entre 2014 e o ano inaugural de 1930 destaca-se ainda a introdução de meios tecnológicos de auxílio aos árbitros, como é o caso da tecnologia da linha de golo. Tudo em nome de um maior profissionalismo e rigor, noções que o mundo do futebol ainda desconhecia no revolucionário ano de 1930.