Quando os Estados Unidos, o México e o Canadá lançaram a sua candidatura conjunta para o Mundial de 2026, à sombra da Estátua da Liberdade, o clima era inegavelmente otimista.

Paz, amor e harmonia: três países a unirem forças numa "Candidatura Unida" para estender o tapete vermelho ao evento desportivo mais popular do planeta, um farol de esperança num mundo polarizado.

"Não acreditamos que o desporto possa resolver todos os problemas do mundo. Mas... acreditamos que isto é um sinal e símbolo extremamente positivo do que podemos fazer juntos para unir pessoas, especialmente nos nossos três países", disse Sunil Gulati, presidente da Federação de Futebol dos EUA, a uma audiência num arranha-céus de Manhattan.

Avançando oito anos no tempo, o otimismo em alta que marcou o lançamento da candidatura em 2017 encontrou agora fortes ventos contrários geopolíticos, com a reeleição do presidente Donald Trump a lançar uma sombra de incerteza sobre os preparativos do evento, de formas que poucos poderiam prever.

Embora Trump tenha sido um firme apoiante do Mundial desde o início, o líder norte-americano tem adotado uma postura combativa em relação aos coanfitriões México e Canadá desde que regressou à Casa Branca, promovendo guerras comerciais e repressões nas fronteiras, ao mesmo tempo que apelava para que o Canadá se tornasse o "querido 51.º estado" dos EUA.

Isso levou o primeiro-ministro canadiano, Mark Carney, a prometer um afastamento dos EUA,

"A antiga relação que tínhamos com os Estados Unidos, baseada numa crescente integração económica e numa cooperação estreita em segurança e defesa, acabou", disse, em março.

"Tensão é algo bom"

Trump, que mantém uma relação próxima com Gianni Infantino, presidente da FIFA, desvalorizou as sugestões de que as tensões comerciais possam afetar o torneio.

"A tensão é algo bom, acho que torna tudo muito mais emocionante", disse Trump em março, quando questionado sobre como as tarifas impostas à Canadá e México poderiam influenciar o Mundial.

Contudo, as políticas de Trump já parecem estar a prejudicar o turismo nos EUA: o site de reservas hoteleiras Trivago reportou no mês passado quedas de dois dígitos nas pesquisas de alojamento nos EUA por parte de visitantes do Japão, Canadá e México.

Dados do Departamento Nacional de Viagens e Turismo dos EUA, divulgados em abril, mostraram uma queda de 11,6% nas visitas internacionais ao país em março, em comparação com o mesmo mês do ano anterior.

Andrew Zimbalist, professor de economia no Smith College, em Northampton (Massachusetts), e autor do livro 'Circus Maximus: The Economic Gamble Behind Hosting the Olympics and the World Cup', acredita que as políticas económicas de Trump poderão reduzir o número de adeptos estrangeiros a viajar para o Mundial.

Mas Zimbalist acrescenta: "Em termos do jogo em si, as tarifas não afetam os atletas."

"Portanto, a menos que a situação política internacional se deteriore ainda mais e as pessoas decidam boicotar os jogos em grande número, não prevejo um impacto muito significativo", disse à AFP.

Uma “experiência tranquila” para os adeptos?

Outros analistas questionam se os adeptos do Mundial não serão desencorajados pelas políticas rigorosas de fronteira da administração Trump, que levaram à rejeição ou detenção de visitantes de países como França, Alemanha, Austrália e Canadá.

"Será que os adeptos de futebol vão realmente querer cruzar as nossas fronteiras neste momento, e serem olhados de lado pela Polícia só por falarem uma língua românica ou arriscarem ser deixados no chão frio de uma cela de detenção?", questionou recentemente a colunista do 'Washington Post', Sally Jenkins.

A 'task-force' do Mundial 2026 da administração Trump afirmou no mês passado que todos os adeptos seriam bem-vindos, garantindo que os fãs poderiam esperar uma "experiência tranquila" ao visitar os EUA.

No entanto, o vice-presidente JD Vance alertou que os visitantes estrangeiros terão de deixar o país no final do torneio.

"Teremos visitantes de provavelmente cerca de 100 países. Queremos que venham. Queremos que celebrem. Mas, quando o tempo acabar, terão de regressar a casa", disse Vance, vice-presidente da 'task-force' do Mundial.

John Zerafa, estratega britânico de comunicação desportiva, acredita que a administração Trump poderá ter de “acelerar” os tempos de espera atuais na emissão de vistos para facilitar a entrada de um grande número de adeptos estrangeiros no Mundial.

“Acho que os EUA e a administração Trump farão tudo o que estiver ao seu alcance para tornar esse processo o mais fluido possível”, disse Zerafa à AFP.

“Mas há também o outro lado da moeda, que é como isso se encaixa na agenda MAGA e no fecho das fronteiras. Existe uma verdadeira dicotomia para Trump e a sua base eleitoral MAGA — estão a abrir as portas ao mundo, mas ao mesmo tempo estão a tentar fechá-las.”

“Essas duas ideias são muito difíceis de coexistir, e qual delas vai prevalecer? Consigo imaginar situações em que adeptos pedem bilhetes, mas não obtêm vistos. E basta que surjam algumas dessas histórias na preparação para o Mundial para começar a criar um cenário problemático para a FIFA e para os EUA.”