
O dérbi portuense serviu, sobretudo, para sublinhar dois retratos contrastantes: o de um FC Porto com sentido competitivo, mesmo numa temporada irregular, e o de um Boavista fragilizado, agarrado a pouco mais do que esperança matemática.
No Bessa, a vitória dos dragões por 2-1 não surpreende – a forma como ela foi construída, também não. E é precisamente aí que se acentua o fosso entre os dois conjuntos.
Martín Anselmi pode não ter tido a temporada que desejava, mas esta reta final de campeonato tem deixado claro que a identidade da sua equipa permanece intacta.
O jogo: dragão esclarecido anula Boavista sem fôlego
O FC Porto apareceu com a seriedade exigida pelas circunstâncias – a luta pelo terceiro lugar e pela dignidade da camisola – e controlou praticamente todos os momentos do jogo. Foi uma equipa mais compacta, mais intensa, mais criativa e mais adulta.
Com Alan Varela de regresso ao meio-campo, os portistas ganharam logo aí uma vantagem estrutural. O argentino ditou ritmos, distribuiu jogo com critério e impediu que o Boavista respirasse entre sectores.
À sua frente, Fábio Vieira foi o cérebro solto que ligou zonas, abriu espaços e voltou a mostrar que, quando tem liberdade, é dos jogadores mais elegantes do campeonato. Samu, Rodrigo Mora e, mais tarde, Pepê foram o braço armado de um sistema que esteve sempre por cima, mesmo quando a vantagem no marcador parecia ameaçada por acidentes de percurso.
Do lado contrário, o Boavista foi, na maior parte do tempo, uma equipa subjugada. Stuart Baxter optou por uma abordagem conservadora, com linhas baixas, esperando que a pressão da tabela e a ansiedade portista jogassem a seu favor. Não jogaram. Os axadrezados nunca conseguiram fazer três passes consecutivos em zona de criação, não ganharam duelos no meio e, sobretudo, revelaram uma gritante incapacidade de ligar jogo de forma consistente.
A exceção acabou por ser Miguel Reisinho, que tentou dar algum critério com bola e até marcou o único golo boavisteiro – oferecido, é verdade, por um lance insólito de grande penalidade. Mas uma equipa que joga em casa, a lutar pela permanência, não pode viver apenas de episódios. Faltou agressividade, faltou ambição e, acima de tudo, faltou organização. A equipa de Baxter foi presa fácil para um FC Porto que nem precisou de se transcender.
O jogo acabou por ser o espelho das campanhas de ambos. Os dragões, mesmo em modo contenção, mantêm uma estrutura competitiva e um conjunto de princípios que os tornam quase sempre superiores aos contextos. Já o Boavista vê-se cada vez mais encurralado, num ciclo vicioso de derrotas, desorientação tática e fragilidade emocional.
Com esta vitória, o FC Porto chega aos 68 pontos e está cada vez mais perto de assegurar o terceiro lugar, beneficiando do desaire do Sp. Braga na véspera e do melhor saldo de golos.
Já o Boavista continua no último lugar da I Liga, com 24 pontos, a três de Farense e AVS. A vantagem no confronto direto mantém a esperança viva – mas é uma esperança encharcada em dúvidas. Em Arouca, na última jornada, terá de fazer aquilo que raramente fez esta época: ser equipa.
Momento: Mora e a arte de fazer silêncio no Bessa
Num jogo em que o FC Porto se impôs pela organização, pela maturidade e pela superioridade tática, houve um instante que transcendeu a lógica do futebol pragmático. Aos 20 minutos, Rodrigo Mora parou o tempo no Bessa. A bola chegou-lhe vinda da esquerda, com a naturalidade de quem apenas procura manter a posse. Mas Mora tinha outro plano: um plano feito de instinto e imaginação.
Num espaço onde a maioria vê o caos de um meio-campo congestionado, o jovem, de 18 anos, viu arte. Recebeu, ajeitou e, com um drible curto, rompeu uma linha. Depois outra. A seguir, levantou a cabeça e, com o pé direito, desenhou uma parábola perfeita, colocada no canto superior da baliza de Vaclik. Um remate que não foi de força, mas de intenção. Um gesto técnico que calou os poucos boavisteiros que ainda sonhavam com equilíbrio.
O melhor: o talento que "mora" no Dragão
Rodrigo Mora voltou a mostrar por que é uma das maiores promessas do futebol português. Com classe, visão e confiança, marcou um golaço de fora da área que desbloqueou o jogo e impôs a superioridade do FC Porto no Bessa. Aos 18 anos (acabados de fazer), joga com a maturidade de quem já entende o jogo por dentro — e começa a tornar-se indispensável para Martín Anselmi.
O que disseram os treinadores:
Martín Anselmi, treinador do FC Porto
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