Começou com a 'Pronúncia do Norte', acabou com 'Porto Sentido'. No Estádio do Dragão, GNR abriu a noite, Rui Veloso fechou-a, mas pelo meio foi a banda 'Blues-and-Whites,' com o clássico tema 'Déjà vu', a recuperar um dos maiores êxitos da carreira, lançado em 2011. Na altura, há 13 anos, faziam parte da banda portuense nomes como Hulk, Falcão e Varela (não o Alan, o Silvestre), regidos pelo maestro André Villas-Boas, que também lá esteve, mas desta vez no público, sem a batuta, agora nas mãos de Sérgio Conceição... e nos pés de Nico González. Diga-se, o único Nico a sorrir em campo. E para a magia resultar, saíram da cartola Galeno, Pepê, Evanilson e Francisco Conceição, que fizeram desaparecer, em vez de uma pomba, uma águia. Agora, resta saber se e quando voltará.
O que tem de ser tem muita força
Neste clássico, para o FC Porto era ganhar, ou ganhar. E os dragões ganharam. Verdade seja dita, fizeram-no com toda a justiça, de resto, prontamente reconhecida pelos responsáveis encarnados logo após o jogo, com Rui Costa a pedir desculpa aos adeptos benfiquistas pelo pesado resultado. E tudo porque o FC Porto não venceu apenas, também convenceu - o que raramente tem acontecido esta época -, ao aplicar uma goleada categórica diante do maior rival das últimas décadas. Desde cedo se percebeu que só uma equipa estava interessada em pegar o jogo pelas orelhas. Primeiro, porque queria vencer, efetivamente, mas também porque necessitava de o fazer, sob pena de agravar a já pesadíssima desvantagem de nove pontos.
Para lá chegar, Sérgio Conceição deu sequência ao que tinham sido os onzes anteriores, Schmidt mudou duas peças face à última partida em Alvalade. Morato e Casper Tengstedt foram as novidades. Saíram do onze David Neres e Alexander Bah, este último por lesão, soube-se mais tarde. Desde cedo se percebeu que sim, o provérbio tem mesmo razão, a necessidade aguça o engenho. Os dragões estavam obrigados a vencer perante a fatal ameaça de arrumar de vez com o campeonato. E isso notou-se a léguas com o desenrolar da partida, mas logo nos instantes iniciais.
É verdade que os azuis e brancos jogavam em casa, mas não menos verdade que o faziam diante dos atuais campeões nacionais e, à entrada para a 24.ª jornada, líderes isolados do campeonato, ainda que à condição. Quero com isto dizer que havia, apesar da vantagem, a responsabilidade do Benfica marcar uma posição por via do seu estatuto recente. Não o fez. Aliás, não o conseguiu fazer em qualquer momento do jogo, inteiramente dominado pelos da casa, exceção feita a alguns, poucos, minutos da primeira parte, mas também em alguns no início da segunda, mas só até ter ficado a jogar com menos um.
É verdade que o Benfica até soube responder bem ao golo de Galeno, aos 20 minutos. As águias não acusaram a desvantagem e, apesar de não conseguirem praticamente criar perigo - Rafa e Di María ainda tentaram, mas Diogo Costa não tremeu -, lá iam afastando os dragões da baliza de Trubin depois de inaugurado o marcador. E quando o intervalo se aproximava e o 1-0 parecia fechar o 1.º tempo, Galeno, outra vez ele, voltava a afundar a águia, que andava por ali, à tona, a tentar respirar melhor, mas em vão. Dois golos para o extremo portista que mostrava ser, para além do Sr. Champions, também o Sr. Liga. Em ambos os lances, destaque para o envolvimento de Francisco Conceição, naquele que foi um dos melhores jogos do sub-21 português com a camisola dos dragões desde que regressou do Ajax.
Na segunda parte, Schmidt, apercebendo-se do buraco enorme que ajudou a cavar no primeiro tempo, tentou tapar a enorme cratera com terra fresca. Saíram Kokçu, visivelmente desconfortável a jogar numa posição mais avançada, descaído sobre a esquerda, e Morato, que voltou a demonstrar não ter escrito lateral na testa. Entraram Florentino (que estaria envolvido no terceiro do FC Porto) e Álvaro Carreras.
De facto, os primeiros minutos do segundo tempo pareciam revelar um Benfica mais seguro, com mais posse, menos susceptível aos ataques devoradores dos dragões, de que as águias foram alvo constante nos primeiros 45 minutos. Mas, porque há sempre um mas, Otamendi - o tal Nico infeliz - baralhou os planos de Schmidt ao ser expulso aos 61 minutos por falta sobre Pepê. Temendo o pior, o técnico alemão ainda lançou o jovem central Tomás Araújo para o lugar de Rafa, mas sem sucesso.
Pepê, um dos melhores em campo, faria mesmo o terceiro da noite, após um passe apetitoso de Nico, o feliz, González. O Dragão entrava em fervente ebulição, apercebendo-se de que o triunfo já não escapava. Aliás, não só não escapou como as contas não ficaram por ali. Nas bancadas, em uníssono, qual arena de coliseu, os adeptos queriam mais e pediam "só mais um, só mais um". Um pedido que os gladiadores azuis e brancos não ignoraram.
Completamente desiquilibrado, por entre 'olés' provocadores, o Benfica nunca mais se encontrou, acabando mesmo por sofrer mais dois golos. Primeiro por intermédio de Wendell, recentemente convocado à seleção brasileira e, já nos descontos, por Namaso, que tinha saltado do banco há minutos.
O espetáculo não ficaria encerrado sem que das colunas se começasse a ouvir a mítica cantiga de Herman José ('A Canção do Beijinho, de 1980)- "Ora dá cá um e a seguir dá outro, depois dá mais um que só dois é pouco" -, numa alusão à catadupa de golos marcados pelos dragões. Geração 'Z', 'google it', vão sempre a tempo de se cultivarem, só faz bem.
Feitas as contas, com este triunfo, o FC Porto encurta distâncias para o Benfica, agora no segundo lugar, com mais seis pontos. Quanto às águias, perdem, assim, a liderança isolada do campeonato para o Sporting, que soma mais um ponto do que os encarnados e mais sete do que os azuis e brancos, sendo que tem um jogo a menos.
O melhor
Sérgio Conceição: Depois de três clássicos ao lado, com derrotas em todos eles (duas diante do Benfica, outra em Alvalade), Sérgio Conceição voltou a mostrar o porquê de ser, definitivamente, um treinador talhado para os grandes momentos. O jogo com o Arsenal será, para além deste, o exemplo mais recente. Conhecendo as dificuldades por que passa o clube, obstáculos financeiros que têm limitado a ação do clube nos sucessivos mercados, não deixa der ser um caso de estudo o facto da equipa do FC Porto conseguir proezas como esta (5-0 ao atual campeão nacional, que só tinha perdido para a Liga há 23 jogos, na primeira jornada do campeonato, no Bessa).
Se, por vezes, os comportamentos que adota são inevitavelmente condenáveis, às vezes pelo próprio, há que dar mérito quando lhe é merecido. E este domingo, assuma-se, foi mais uma prova da sua qualidade enquanto treinador, mas sobretudo da importância (ou dependência?) do seu contributo para o FC Porto.
O pior
Roger Schmidt: Em sentido inverso, nota extremamente negativa para o seu papel neste clássico. Foi o primeiro a assumir a responsabilidade pela pesada derrota, e isso é de louvar, mas são jogos a mais em que o Benfica não só perde (noutras competições), como acaba o jogo sem conseguir impor o seu futebol. É verdade que o técnico dos encarnados ficou sem Bah em cima do encontro, o que terá baralhado as suas intenções. Mas as constantes apostas em jogadores que atuam fora das suas posições de raiz, prova cada vez mais que a teimosia de Schmidt é mais forte do que a sua capacidade estratégica e, até ver, emocional. Equipa sem garra, sem vontade, perdida em diversos momentos do jogo, e que quase nunca se encontrou em campo. Os pezinhos de veludo desta águia não serviram para combater um dragão com botas de aço. E Schmidt é um dos mais responsáveis, senão o mais, pelo descalabro de uma noite de pesadelo.
O momento
A expulsão de Otamendi: Desengane-se quem pensa que foi apenas pela inferioridade numérica que o Benfica perdeu. Não foi. Mas isso não significa que o momento da expulsão não tenha sido crucial para o resultado "desastroso" do Benfica, como adjetivaram Schmidt e Rui Costa. É o momento do encontro, porque acontece numa fase precoce da segunda parte, quando o Benfica parecia ter corrigido algumas posições e melhorado ligeiramente com as duas substituições. Contudo, a expulsão do capitão dos encarnados a meia-hora do fim apresentou-se como uma espécie de machadada para as já reduzidas aspirações encarnadas, com dois golos de desvantagem. Para um jogador de tamanha experiência pedia-se uma abordagem diferente no lance com Pepê, que esteve na origem do segundo amarelo do argentino. É também o momento do jogo, pelo coro descomunal de assobios com que Nico, o infeliz, se despediu do relvado do Dragão, casa que já foi sua no passado.
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