Depois de arguido, a acusação. O Benfica está em 'maus lençóis' e terá de, nos próximos dias, montar bem a sua defesa para escapar a uma pena que pode ir entre inibição de participar em provas desportivas nacionais até três anos. O Ministério Público defende que o comportamento da SAD do Benfica ameaçou a verdade desportiva. Clube pode ficar sem benefícios do Estado durante cinco anos.

O que está em causa?

O Ministério Público (MP) acusou dois funcionários judiciais, a SAD do Benfica e o seu assessor Paulo Gonçalves (que foi constituído arguido) de vários crimes, entre eles corrupção passiva (e pena acessória de proibição do exercício de função), corrupção ativa e oferta ou recebimento indevido de vantagem, favorecimento pessoal, violação do segredo de justiça, violação de segredo por funcionário, peculato, acesso indevido, violação do dever de sigilo e falsidade informática.

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A SAD é ainda acusada, no caso “e-toupeira”, de ter tido comportamentos susceptíveis de afetar a verdade, a lealdade e a correção da competição e do seu resultado na atividade desportiva.

Esta decisão já era esperada já que a 27 de agosto, a Procuradoria-Geral da República tinha constituído como arguida a SAD do Benfica no processo “e-toupeira”. No mesmo dia, a SAD 'encarnada' reagiu, considerando que esta decisão de a constituir arguida era “ilegal e inconstitucional”, e que iria avançar para a sua impugnação. Agora que foi formalmente acusada, a SAD do Benfica promete reagir para “desmontar” as “absurdas e injustificadas imputações”.

“Mantemos a firmeza e clareza da nossa posição, anunciada logo que foi dado conhecimento público desta situação, quanto à inexistência de factos que justifiquem qualquer acusação no âmbito deste processo”, refere um comunicado disponibilizado no sítio na Internet do clube e intitulado “Absurda e injustificada acusação”, pode-se ler em comunicado das 'águias'.

De acordo com a Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa (PGDL), “ficou suficientemente indiciado que os arguidos com a qualidade de funcionários de justiça, pelo menos desde março de 2017, acederam a processos-crime pendentes no DIAP [Departamento de Investigação e Ação Penal] de Lisboa e do Porto e em outros tribunais, transmitindo as informações relevantes ao arguido colaborador da SAD, fazendo-o de acordo com a solicitação do mesmo e em benefício da mesma sociedade".

E o que pode acontecer ao Benfica? 'Águias' podem ser proibidos de celebrar contratos

Um dos pontos do comunicado da PGR que poderá preocupar verdadeiramente o Benfica é o facto de a mesma explicar que o Ministério Público irá requerer em julgamento que seja estipulado uma pena acessória ao Benfica já que os comportamentos, dos "arguidos são susceptíveis de afetar a verdade, a lealdade e a correção da competição e do seu resultado em atividade desportiva". Ou seja, as autoridades judiciais poderão averiguar eventuais responsabilidades disciplinares do Benfica.

Se os factos forem provados e o Benfica condenado, o clube 'encarnado' pode ser enquadrado no artigo 4º da lei nº 13/2017 e arrisca a uma suspensão da participação em provas desportivas profissionais por um período entre seis meses e três anos. Além disso, o Benfica poderá ficar proibido de aceder a benefícios e incentivos da parte do Estado durante um período de um a cinco anos.

Já Paulo Gonçalves, assessor jurídico do Benfica, incorre numa pena que inclui a "proibição do exercício da profissão, função ou atividade, pública ou privada, por um período entre um a cinco anos, tratando-se de agente desportivo".

Diz o jornal OJogo, que caso a SAD do Benfica venha a ser responsabilizada criminalmente, tal situação será enquadrada no artigo 90.º do Código Penal, que prevê diversas penas, como multa, admoestação, caução de boa conduta, vigilância judiciária, injunção judiciária, proibição de celebrar contratos, interdição do exercício de atividades ou até a dissolução. Esta hipótese destituição ganha forma, embora seja pouco provável. Os sócios terão sempre a última palavra.

"O regime jurídico das SAD remete para o código das sociedades comerciais, pelo que, em AG, os acionistas podem deliberar no sentido da destituição", explicou Artur Ramalho, especialista em Direito, em declarações ao jornal Record.

Uma outra dúvida que se levanta é se a condição de acusada da SAD 'encarnada' no processo poderia levar à sua extinção. Apesar de estar contemplada na lei, a dissolução de uma sociedade só avança se for provado que esta foi constituída exclusivamente para a prática daquele tipo de crimes. Ora, como se sabe, a SAD do clube da Luz visa a prática desportiva, pelo que é impossível a sua extinção.

Possível condenação poderá ter impacto na marca Benfica e afastar patrocinadores

Um dos impactos desta situação irá recair sobre a marca Benfica, algo que preocupa os responsáveis 'encarnados'. Caso a SAD do clube venha a ser condenada, o clube pode vir a ter dificuldades juntos dos patrocinadores. Esta é a convicção de Pedro Dionísio, diretor da Pós-Graduação em Gestão e Marketing do Desporto do INDEG-ISCTE, em declarações ao jornal Record.

"Estas situações não são boas para nenhuma instituição ou marca. Mas ser arguido não significa que existe uma condenação e dado o elevado número de processos, nesta área, com arguidos em Portugal entrou-se em alguma ‘banalização’, o que, aliado à demora da Justiça, faz com que investidores e patrocinadores possam ficar numa posição expectante sobre o desenrolar dos acontecimentos", explicou o especialista.

Pedro Dionísio adianta ainda que "se houver condenação é natural que exista afastamento de empresas". O especialista aconselha os dirigentes 'encarnados' a colaborarem com a justiça.

"Neste momento, a posição que deve ser tomada é de colaboração com a Justiça e procurar que os processos sejam mais céleres, porque o ambiente de suspeição não é favorável, sobretudo para atrair novas empresas, o que é lamentável, dado o sucesso do futebol português a nível internacional com expoente máximo na vitória no Euro’2016 e o grande interesse e paixão que desperta junto dos consumidores", disse ao Record.

Benfica sem sanções desportivas

Apesar de ter sido acusado no caso 'e-toupeira', o Benfica não deverá sofrer qualquer tipo de sanção desportiva, de acordo com o jornal Record, na sua edição de 28 de agosto. Isto porque, avança o mesmo jornal, os regulamentos da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e da Liga Portugal apenas se debruçam sobre atos de corrupção envolvendo agentes desportivos, o que não configura o caso em questão.

"O dirigente do clube que, por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, der ou promover a clube ou a agente desportivo, ou a terceiro com conhecimento daquele, vantagem patrimonial ou não patrimonial, que não lhe seja devida, com o fim indicado no número anterior é sancionado nos termos aí previstos", pode ler-se no artigo 117º do Regulamento de Disciplina da FPF.

Outra visão tem João Diogo Manteigas. O especialista em direito desportivo, disse, em declarações ao jornal ABola na sua edição desta quarta-feira, 5 de setembro,

"Uma pessoa coletiva será terá sempre uma multa. Não há consequências desportivas. O regulamento disciplinar da Liga não prevê uma sanção em relação a este tipo de ato. Estamos a falar de informação alegadamente obtida ilegalmente. Para o Benfica ser punido desportivamente, tem de estar previsto no regulamento o tipo de ilícito praticado, o que não existe", explicou Diogo Manteigas ao jornal ABola.

Clube da Luz diz que não há factos que justifiquem qualquer acusação

A Sociedade Anónima Desportiva do Benfica considera que não existirem factos que justifiquem qualquer acusação no âmbito deste processo e informa que irá reagir, logo que tenha conhecimento dos termos concretos da acusação”. A SAD ‘encarnada’ refere que a decisão do Ministério Público (MP) foi divulgada através de um comunicado disponibilizado no sítio na Internet da Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa (PGDL), “sem notificação e o conhecimento do conteúdo pelas partes envolvidas”.

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O MP “requereu o julgamento em tribunal coletivo por factos apurados no âmbito do inquérito referente aos acessos ao sistema CITIUS”, conhecido por “e-toupeira”.

“A acusação foi deduzida contra quatro arguidos: dois funcionários judiciais (um deles observador de arbitragem), um colaborador de sociedade anónima desportiva e uma pessoa coletiva (sociedade anónima desportiva)”, adianta a PGDL.

Este processo envolve o assessor jurídico do Benfica, Paulo Gonçalves, que foi constituído arguido.

Em causa estão os crimes de corrupção passiva (e pena acessória de proibição do exercício de função), corrupção ativa e oferta ou recebimento indevido de vantagem (e na pena acessória relativa ao regime de responsabilidade penal por comportamentos susceptíveis de afetar a verdade, a lealdade e a correção da competição e do seu resultado na atividade desportiva)”.

Favorecimento pessoal, violação do segredo de justiça, violação de segredo por funcionário, peculato, acesso indevido, violação do dever de sigilo e falsidade informática são os outros crimes imputados aos acusados.