Quando em 2018 tomou posse como presidente do Sporting, o discurso pouco racional e algo desengonçado de Frederico Varandas não fazia prever o que aí vinha.
Na altura, numa eleição disputada já sem Bruno Carvalho, destituído do clube por decisão dos tribunais, o médico do Sporting - como era conhecido por todos à data - foi o escolhido para domar um leão de juba farta, algo enraivecido e com muita fome de títulos. Uma tarefa e tanto, capaz de assustar qualquer um, bastando para isso olhar para o rolo compressor de presidentes do Sporting desde a sua fundação até então.
A análise, os protagonistas e as fotos no especial Sporting Campeão 2023-24
Pois bem, passaram-se seis anos. E depois de quase duas décadas sem se sagrar campeão nacional, Frederico Varandas pode congratular-se de ser o dirigente leonino responsável pela conquista de dois campeonatos em apenas cinco anos. Longe de se enquadrar no presidente-tipo a que nos habituámos em Portugal, Varandas soube, de forma inteligente, descobrir uma forma de liderança discreta, de discurso positivo (salvo raras exceções evidentemente condenáveis), deixando para outros - especialmente Rúben Amorim, os louros das conquistas cravadas a pulso. A preferência pela sombra em detrimento dos holofotes, tem sido uma forma inteligente de gerir egos, conflitos e as típicas rivalidades.
Protegido por um escudo chamado Rúben Amorim, uma escolha pessoal arriscadíssima, Frederico Varandas merece que seja atribuído todo o mérito na fundação deste novo Sporting, de cara lavada e mãos limpas, devidamente respeitado dentro e fora de portas, como a história do clube assim o exige.
Frederico Varandas é, por estes e outros factos, uma das principais figuras de mais um campeonato conquistado pelo Sporting, o segundo desde que assumiu a liderança do rejuvenescido clube de Alvalade.
Rúben Amorim: Nunca 10 milhões custaram tão pouco
A pergunta lançada no dia em que assinou pelo Sporting - E se corre bem? - servia de resposta às perguntas dirigidas a Rúben Amorim: E se corre mal? Provavelmente, ambas terão passado pela cabeça de Frederico Varandas quando viu no à data técnico do SC Braga o pronúncio de sucesso entre a legítima hipótese de fracasso. Mas arriscou. E sim, é verdade, se quem não arrisca, não petisca, quem arrisca... exatamente, isso mesmo. E Varandas não petiscou apenas. Descobriu à sua frente um banquete monárquico com direito a todas as iguarias e guloseimas, que adocicaram, e que maneira, o voraz apetite do leão.
Foi a decisão mais relevante e a mais acertada desde que assumiu o reino do leão. Antes, poucos se recordarão, houve as apostas em Marcel Keizer e Silas. No caso do técnico neerlandês, os 42 jogos no comando técnico dos leões ainda valeram uma Taça de Portugal e uma Taça da Liga. Mas o título de campeão, esse, continuava a ser uma miragem. Aliás, um feito que tinha parado no tempo, em 2002. Pelo meio, passaram Soares Franco, José Eduardo Bettencourt, Godinho Lopes e Bruno de Carvalho, todos eles sem qualquer campeonato no palmarés.
De forma surpreendente, já na reta final da época 2018/2019, Rúben Amorim é anunciado como novo treinador do SC Braga. Os leões deixavam na Pedreira 10 milhões de euros, para garantir um treinador com poucas provas dadas, que acabara de assumir a equipa principal dos minhotos após a saída de Abel Ferreira. Antes, SC Braga B e Casa Pia tinham sido as experiências do antigo jogador do Benfica, o que levantava muitas dúvidas sobre a fiabilidade da contratação relâmpago.
Dois campeonatos em seis anos após quase duas décadas de jejum
Depois de um fim de campeonato para esquecer na época de chegada de Rúben Amorim - Sporting acabou em 4.º lugar atrás do SC Braga (de onde tinha vindo Amorim), a primeira época completa de Rúben Amorim veio glorificar Frederico Varandas, que passava a ser visto com outros olhos, sobretudo pelos adeptos mais céticos, muitos outrora apoiantes de Bruno Carvalho. Contra factos não há argumentos e o campeonato conquistado era, de facto, um feito apoteótico de Varandas, que devolvia o maior título nacional ao Sporting quase duas décadas depois.
Seguiram-se duas Taças da Liga e uma Supertaça Cândido de Oliveira, títulos reforçados pela conquista de mais um campeonato nacional, agora celebrado, o segundo em quase sete anos de presidência.
Amigos, amigos, claques à partes
O ponto final da ligação do Sporting à claque Juventude Leonina é uma das bandeiras da presidência de Varandas, impossível de dissociar do sucesso que tem tido. Foi uma das vítimas do ataque a Alcochete, no maio quente de 2018, o que terá tido influência na forma como Varandas travou a fundo nos apoios e na relação que o clube mantinha com a maior claque verde e branca, cujos elementos tiveram participação na invasão à academia.
Em outubro de 2019, o presidente do Sporting mandou expulsar as claques Juventude Leonina e Diretivo Ultras XXI das instalações que ocupavam no Estádio José Alvalade.
A decisão foi vista como uma retaliação de Frederico Varandas, insatisfeito com o comportamento das claques, nomeadamente no próprio estádio, onde chegaram a agir contra o próprio clube através de tarjas, tochas, cânticos e lançamento de petardos em direção ao relvado. A decisão é, por exemplo, agora partilhada por Villas-Boas, candidato à presidência do FC Porto, insatisfeito com o tratamento especial atribuído a estes grupos, nomeadamente no que respeito à bilhética dos jogos em detrimento dos restantes adeptos e sócios do clube.
Os rivais e o poder do silêncio
Desde cedo se percebeu que seria o calcanhar de aquiles de Varandas: a comunicação. Desde o primeiro discurso, e nos anos que se seguiram, o presidente do Sporting foi-se apercebendo do peso das palavras e foi, de forma inteligente, ausentando-se dessa difícil e exigente missão de saber quando, como e onde falar. Escolheu um modelo de atuação e em boa hora o fez. Salvo raras exceções em que, por exemplo, de forma precipitada e atabalhoada, opinou a quente sobre arbitragens (algumas com razão, mas de forma desajustada e impreparada), Varandas tem sabido aparecer, sobretudo nos momentos de defesa e não tanto ao ataque. Além do mais, e talvez seja o maior ponto a favor, tem entregado à equipa e a Amorim os frutos que vão sendo colhidos, preferindo ocupar um lugar à sombra e em silencio, ao lado de Hugo Viana, também ele pouco dado ao barulho das luzes, mas com um trabalho assinalável e acerca do qual merece todo o reconhecimento.
Um colete à prova de bala chamado Rúben Amorim. E depois?
É a figura maior deste Sporting, talvez até acima de Varandas, e que lhe tem servido de escudo. A margem de erro e de paciência da época passada talvez não tivesse existido sem um treinador como Rúben Amorim, capaz de reunir consenso em torno da massa associativa do Sporting, embora também deva ser dado mérito à insistência do dirigente leonino depois de uma época completamente abaixo das expetativas, com um quarto lugar doloroso, uma vez mais atrás do SC Braga.
Perante mais esta conquista, e tendo em conta a cobiça a Rúben Amorim, a escolha do próximo treinador será um momento absolutamente crucial para o Sporting e para Varandas. Muito se tem gabado a estrutura leonina, inclusive Amorim, de que o projeto do Sporting vai para lá do treinador. Será interessante perceber, em caso de saída - um cenário que, apesar de tudo, parece cada vez menos provável -, qual o perfil do treinador escolhido, sendo certo que quem chegar carregará aos ombros um peso demasiado pesado. Pois bem, é caso para perguntar, nessa altura: 'E se corre mal?' Veremos se o eleito de Varandas terá a mesma irreverência para perguntar: 'E se corre bem?' Com Amorim correu. E muito bem, diga-se.
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