O Benfica conquistou no passado domingo a 11ª 'dobradinha' da sua história, regressando também à conquista da 'tripleta' com o triunfo na Super Taça Cândido de Oliveira, um feito que não era alcançado desde 1980/1981, e que veio confirmar o ressurgimento do emblema da Luz no domínio do panorama nacional futebolístico o que proporcionou uma reaproximação entre FC Porto e Sporting.

Em entrevista ao SAPO Desporto, Gaspar Ramos recordou a célebre conquista da 'tripleta' na época de 1980/1981, em que ocupava o cargo de diretor geral do futebol do Benfica.

"A vitória de ontem foi muito importante porque desde a época 1980/1981 que o Benfica não alcançava este feito. Lembro-me bem pois tínhamos o Lajos Baróti como treinador e conseguimos construir uma equipa excepcional em que ganhámos tudo em Portugal. Este foi um título excepcional porque realmente não é fácil e porque a equipa teve imensos problemas ao longo da temporada, mas o treinador Rui Vitória, com o seu equilíbrio e a sua capacidade, conseguiu gerir todo este processo, essas dificuldades, e portanto o plantel foi-se equilibrando para conseguir com mérito atingir este objetivo", começou por dizer Gaspar Ramos ao SAPO Desporto.

Mais de trinta anos depois, o Benfica voltou a conquistar a 'tripleta' e muito mudou no panorama atual do futebol, como nos conta Gaspar Ramos.

"Naquele tempo nós conseguíamos aguentar uma equipa e manter os jogadores, porque não havia a procura externa como há hoje, os mercados movimentavam menos dinheiro, e portanto era mais fácil. Hoje, naturalmente que o mercado valorizou-se enormemente e isso leva a que não seja tão fácil aguentar os melhores jogadores. Mas naquele tempo conseguíamos reunir um núcleo de jogadores extraordinário. Tínhamos jogadores de nível internacional, recordo-me perfeitamente do Humberto, do João Alves, o Carlos Manuel, o Chalana, e ainda o Toni, que já estava no fim da sua carreira e praticamente não jogou. Mas era uma grande equipa que ganhou tudo, e com um treinador muito maduro, uma vez que era um homem com quase setenta anos e que sabia muito, pois tinha grande capacidade e conseguiu fazer bem as coisas com uma equipa excepcional que ganhou tudo em Portugal, ficámos nas meias-finais da Taça das Taças onde fomos eliminados pelo Carl Zeiss, em que perdemos na Alemanha 2-0 com dois 'frangos' do Bento, que normalmente não dava 'frangos' pois era um guarda-redes extraordinário, e depois ganhámos só um zero no Estádio da Luz com aquele estádio todo a aplaudir a equipa apesar de ser eliminada. Fizeram um jogo extraordinário e espectacular. A equipa jogava bem e ganhava de forma convincente, que foi das equipas que nos meus anos de futebol mais gozo me deu de ver jogar e que realmente permitiram fazer grandes resultados", acrescentou Gaspar Ramos.

Com a conquista de 11 títulos nos últimos 15 possíveis, o Benfica regressou à hegemonia do futebol português depois de três décadas de domínio do FC Porto. Sobre o ressurgimento do Benfica no panorama nacional, Gaspar Ramos considerou que isso poderá ser um 'bom indicativo' para o clube da Luz, uma vez que os 'rivais' estão em processos complicados de reestruturação.

"É um bom indicativo para o futuro, o Benfica tem vindo a reforçar a sua estrutura. Naturalmente que está mais bem organizado porqe os seus concorrentes, e não é por acaso que quando se diz isto ou aquilo o Benfica vai ganhando. Se continuar nesta senda em que todos os anos a sua estrutura naturalmente se vai adiantando porque já está à frente, e tendo neste presidente um homem equilibrado que sabe aquilo que é necessário fazer hoje no Benfica, porque o Benfica é um clube muito especial, e portanto tem características muito próprias, e hoje Luís Filipe Vieira está perfeitamente identificado com isso tudo e sabe aquilo que é preciso fazer de acordo com as circunstâncias. Portanto o ajustamente vai-se fazendo e dificilmente os clubes concorrentes hão-de ganhar ao Benfica, embora pontualmente isso possa vir a acontecer, mas o Benfica tem uma estrutura que os vai suportar completamente e garantir a dianteira durante bastantes anos", disse Gaspar Ramos.

Em relação ao atual momento do FC Porto, que não vence qualquer título há quatro anos e tem tido dificuldades em encontrar o treinador certo para regressar às conquistas, Gaspar Ramos adverte que já no passado tinha alertado para este desenrolar de acontecimentos.

"Isto prova que o problema não é só dos treinadores. Há qualquer coisa atrás que é necessária ter força, a tal estrutura competente que possa sustentar os treinadores, e parece-me que é isso no fundo que não existe. Há ali uma série de problemas que têm sido acumulados pela gestão e que agora estão numa fase de grande complicação como problemas financeiros. O FC Porto está também com problemas de plantel, provavelmente vai ter o plantel desfalcado e depois vai ter dificuldades em reforçar-se, e isto pode acontecer pontualmente como uma questão de sorte quando se aposta num jogador e ele vai para além daquilo que são as expectativas, e depois se valoriza, mas em termos normais não é fácil que isso aconteça e nós sabemos de quem anda no futebol que isto naturalmente tem um termo. Eu já no meu tempo dizia que 'um dia verão o resultado daquilo que tem acontecido', ainda que tenha sido possível ganhar. Ganharam naquela altura, muitas vezes não olharam a meios para alcançar os seus objetivos, mas agora estão a pagar o resultado de toda essa gestão, que foi má na minha opinião", atirou Gaspar Ramos.

Questionado sobre como via a aproximação do FC Porto ao Sporting no final da época, no sentido do reatamento das relações instituicionais entre os dois rivais, Gaspar Ramos recorda que esse é o 'modus operandi' do FC Porto de Pinto da Costa, ou seja 'dividir para reinar'.

"Isso é o grande objetivo do FC Porto. O objetivo do FC Porto de Pinto da Costa sempre foi esse, que foi procurar dividir os clubes de Lisboa. Porque o FC Porto tinha grande dificuldade em lutar contra os dois. Assim, se tiver um dos clubes do lado dele, o FC Porto vai conseguir vencer. Mesmo no próprio Benfica, no passado, eu recordo-me, que Pinto da Costa tentou fazer uma alianças e fez com o Jorge de Brito, que era um homem muito bom e equilibrado, mas que de algum modo se deixou enredar naquelas boas maneiras de Pinto da Costa. E o que é certo é que nesse período o Benfica ainda ganhou uns campeonatos, mas perdeu em relação à estrutura do futebol nacional que Pinto da Costa conseguiu nesse período controlar a nível das instituições, e que lhe valeu durante épocas ganhar títulos, e eu próprio quando nessa altura (1978/1979) apareci tive imensas dificuldades porque tive de lutar contra uma máquina muito difícil, mas ele acabava sempre por ganhar quando se associava a alguém, quando estava de boas relações com um dos clubes de Lisboa. O Sporting também sofreu as consequências, recordo-me dos jogadores que foram parar ao FC Porto, como Futre, e depois acabaram pontualmente a fazer uma guerra ao contrário porque depois as pessoas ficavam alertadas. Aconteceu ainda recentemente com o Manuel Damásio, e atenção que eu tenho uma excelente relação com ele, mas creio que se deixou ir nas cantigas de Pinto da Costa apesar de eu o ter alertado para ter cuidado porque não era próprio e que Pinto da Costa ia atacar. E atacou como se viu, com Manuel Damásio a determinada altura sentir isso portanto. E isso vai acontecer com o Sporting, e com Bruno de Carvalho. No dia em que o Porto precisar, vai haver um virar de costas e atacar de acordo com os interesses, esse é o grande problema, porque acho que há ali uma falta de lealdade, e quem se associa normalmente é vítima", sentenciou Gaspar Ramos ao SAPO Desporto.