O processo 'e-toupeira' não passa ao lado do Conselho de Disciplina (CD) da Federação Portuguesa de Futebol (FPF). Quem o garante é José Manuel Meirim, jurista que preside aquele organismo.

Em entrevista à edição desta quinta-feira do jornal OJogo, Meirim explicou que "é necessário que os instrutores não deixem de acompanhar estes processos em tribunal, para que a todo o momento possam saber aquilo que podem usar, ou não, para incorporar no processo disciplinar". No entanto, admite que o processo de inquérito que Conselho de Disciplina mandou abrir sobre o caso vai depender muito do que for provado em tribunal civil.

"O Ministério Público e a PJ é que podem recorrer a meios de prova que nós não podemos utilizar; o exemplo clássico disso são as escutas. [...] O que temos no relatório, e tivemos uma ação muito forte nesse sentido, é estar em cima do processo", contou.

Questionado sobre o risco de o caso prescrever na justiça desportiva por se arrastar muito tempo nos tribunais civis, o jurista lembrou que, em casos como este, haverá sempre dilatação dos prazos: "Não me parece que possa prescrever. Em princípio, a existirem sanções são muito graves e o prazo é dilatado".

'E-Toupeira': o que é, os arguidos, os crimes e o que está em causa

O Ministério Público (MP) acusou dois funcionários judiciais, a SAD do Benfica e o seu assessor Paulo Gonçalves (que foi constituído arguido) de vários crimes, entre eles corrupção passiva (e pena acessória de proibição do exercício de função), corrupção ativa e oferta ou recebimento indevido de vantagem, favorecimento pessoal, violação do segredo de justiça, violação de segredo por funcionário, peculato, acesso indevido, violação do dever de sigilo e falsidade informática, num processo que ficou conhecido por 'e-toupeira'.

Paulo Gonçalves, assessor jurídico do Benfica, foi acusado de 79 crimes: um de corrupção ativa, um de oferta ou recebimento indevido de vantagem, seis de violação de segredo de justiça e de 21 crimes de violação de segredo por funcionário, em coautoria com os arguidos Júlio Loureiro e José Silva (ambos funcionários judiciais).

O MP acusou ainda o oficial de justiça José Silva – o único dos arguidos em prisão preventiva - de 76 crimes: um de corrupção passiva (em coautoria), um de favorecimento pessoal, seis de violação de segredo de justiça, 21 de violação de segredo por funcionário, nove de acesso indevido, nove de violação do dever de sigilo, 28 de falsidade informática e de um crime de peculato (apropriação indevida de dinheiro público).

O arguido Júlio Loureiro, escrivão e observador de árbitros, foi também acusado de 76 crimes: um de corrupção passiva, um de recebimento indevido de vantagem, um de favorecimento pessoal, seis de violação de segredo de justiça, 21 de violação de segredo por funcionário, nove de acesso indevido, nove de violação do dever de sigilo e de 28 crimes de falsidade informática.

A SAD é ainda acusada, no caso “e-toupeira”, de ter tido comportamentos susceptíveis de afetar a verdade, a lealdade e a correção da competição e do seu resultado na atividade desportiva.

Se os factos forem provados e o Benfica condenado, o clube 'encarnado' pode ser enquadrado no artigo 4º da lei nº 13/2017 e arrisca a uma suspensão da participação em provas desportivas profissionais por um período entre seis meses e três anos. Além disso, o Benfica poderá ficar proibido de aceder a benefícios e incentivos da parte do Estado durante um período de um a cinco anos.

Já Paulo Gonçalves, assessor jurídico do Benfica, incorre numa pena que inclui a "proibição do exercício da profissão, função ou atividade, pública ou privada, por um período entre um a cinco anos, tratando-se de agente desportivo".

Diz o jornal OJogo, que caso a SAD do Benfica venha a ser responsabilizada criminalmente, tal situação será enquadrada no artigo 90.º do Código Penal, que prevê diversas penas, como multa, admoestação, caução de boa conduta, vigilância judiciária, injunção judiciária, proibição de celebrar contratos, interdição do exercício de atividades ou até a dissolução. Esta hipótese destituição ganha forma, embora seja pouco provável. Os sócios terão sempre a última palavra.

Apesar de ter sido acusado no caso 'e-toupeira', o Benfica não deverá sofrer qualquer tipo de sanção desportiva, de acordo com o jornal Record, na sua edição de 28 de agosto. Isto porque, avança o mesmo jornal, os regulamentos da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e da Liga Portugal apenas se debruçam sobre atos de corrupção envolvendo agentes desportivos, o que não configura o caso em questão.

"O dirigente do clube que, por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, der ou promover a clube ou a agente desportivo, ou a terceiro com conhecimento daquele, vantagem patrimonial ou não patrimonial, que não lhe seja devida, com o fim indicado no número anterior é sancionado nos termos aí previstos", pode ler-se no artigo 117º do Regulamento de Disciplina da FPF.

Outra visão tem João Diogo Manteigas. O especialista em direito desportivo, disse, em declarações ao jornal ABola na sua edição desta quarta-feira, 5 de setembro,

"Uma pessoa coletiva será terá sempre uma multa. Não há consequências desportivas. O regulamento disciplinar da Liga não prevê uma sanção em relação a este tipo de ato. Estamos a falar de informação alegadamente obtida ilegalmente. Para o Benfica ser punido desportivamente, tem de estar previsto no regulamento o tipo de ilícito praticado, o que não existe", explicou Diogo Manteigas ao jornal ABola.