Marco Aurélio tem hoje 48 anos, e há muito que deixou Portugal para regressar ao Brasil, mas é como se ainda por cá andasse. Quando fala connosco vai aportuguesando o seu “brasileiro” à medida que as palavras saem, e desfia memórias como se tudo tivesse sido ontem, mas um ontem com mais de vinte anos.

Para a maioria dos adeptos, o “imperador” é lembrado pela sua passagem pelo Sporting onde chegou na época 1994/95 pela mão de Carlos Queiroz, ganhou a titularidade no centro da defesa obrigando Valckx a jogar no meio-campo, e ganhou a admiração de todos ao ponto de envergar a braçadeira de capitão.

Mas antes desta história, antes de Sousa Cintra pagar “uma pequena fortuna por ele”, havia uma outra.

De campeão brasileiro pelo Vasco a jogador do União da Madeira

Marco Aurélio sagrou-se campeão brasileiro pelo Vasco da Gama em 1990 e foi vendido ao pequeno União da Madeira. O que hoje parece impossível, na altura era bem possível no Brasil de uma jovem democracia em que José Sarney dava lugar a Fernado Collor de Mello na presidência, e a inflação derrapava para lá dos 1000%.

“Apesar de ter sido campeão brasileiro pelo Vasco, eu fui vendido ao União da Madeira. Coisas do Brasil (risos). Só acontecem mesmo neste bendito país. Na época vivíamos uma situação económica tremenda e uma inflação galopante. Eu, na altura, jovem, querendo casar, aceitei uma proposta do União da Madeira e fui”, conta ao SAPO Desporto.

“O que é que eu vim fazer aqui?”

Ao entrar no avião, o brasileiro sonhava com jogar na Europa e poder ter uma vida melhor, mas da realidade não sabia praticamente nada.

“Foi uma viagem longa, 12 horas de avião. Uma viagem mais longa ainda pela incerteza do que iria encontrar. Não havia internet para nós procurarmos, sabermos que clube era e/ou como era”, contou.

E o susto maior foi quando chegou à sede do clube e viu que tinha ardido: “O clube ficava na rua da Carreira. Eu cheguei e o prédio tinha pegado fogo, estava tudo queimado! E eu pensei: 'O que é que eu vim fazer aqui?'. Aí encontrei-me com o Jaime Ramos que era o presidente. Tivemos uma longa conversa. Eu entendi metade da conversa porque não dava para entender tudo naquela altura, e ele convenceu-me que o União era o melhor para mim”.

O segundo susto veio quando percebeu que a sua nova equipa jogava uma Liguilha, coisa de outros tempos, para se manter entre os maiores do futebol português, e o terceiro quando viu o União jogar.

“Eu chego numa terça-feira e quinta-feira tínhamos um jogo com o Marítimo para a Taça da Madeira. Eu não estava a entender nada. Era uma correria e uma velocidade louca no jogo, mas isso foi bom porque tocou a campaínha para mim. Eu pensei: 'Oh negão, ou você pedala ou você vai ficar para trás'. Aprendi isso naquele dia e levei para a minha vida toda. Eu vi muitos jogadores brasileiros chegarem a Portugal e não darem certo porque achavam que iam jogar lá como jogavam aqui. Vi acontecer isso com dezenas deles no meu clube e noutros", recorda.

"Para onde vai a minha carreira..."(1992/93)

Tão depressa corre bem a sua adaptação, como na época seguinte se afunda com o União no último lugar da tabela e a consequente descida de divisão. De campeão no Brasil a jogador da segunda divisão foi um instante. Tudo parecia desabar, mas o telefone tocou.

“Fiquei muito triste. O que passa pela tua cabeça é: Errei, errei na opção, no clube, olha para onde eu vim parar, para onde vai a minha carreira...”, lamentou-se.

Até que chegou a chamada do Benfica através do diretor desportivo Gaspar Ramos, e o defesa sentiu que o seu “trabalho teve visibilidade”, mas ainda não era altura de dar o salto. O presidente Jaime Ramos era intransigente na negociação, e quando Marco Aurélio pediu cinco minutos para conversar com ele, a resposta do 'sanguíneo' dirigente foi clara:

“- Jaime, posso falar cinco minutos com você?

- Ah? Eu nem cinco minutos dou à minha mulher e vou dar-te a ti?”, e com isto seguiu-se mais um ano de União da Madeira para Marco Aurélio.

"Foi uma subida maravilhosa" (1993/94)

Rui Mâncio tinha sido despedido no ano anterior, e Ernesto Paulo foi o treinador que se seguiu. O plantel do União 'abrasileirou-se', mas nem por isso perdeu a garra que o caracterizava. Seguiu-se uma época brilhante em que “o grande concorrente foi o Estrela da Amadora de João Alves”. “Foi uma luta constante” que terminou em festa em 1994. A última subida do União à Primeira Liga, até ontem.

“Foi uma subida maravilhosa, tivemos uma época muito boa. Foi uma festa muito grande como terá sido agora. Havia um sentimento de dever cumprido para os jogadores, para o treinador e para a direção. Era uma felicidade individual e coletiva, até mesmo para os madeirenses todos que se orgulhavam de ter três clubes na Primeira Divisão”, lembrou.

E em 2015 o União volta à Primeira Divisão

A história de Marco Aurélio em Portugal e a história do União da Madeira confundem-se, e por isso é sem surpresa e com felicidade que o antigo jogador vê o clube de volta “ao lugar que merece”.

“A Madeira trouxe-me essa história bonita, foi um namoro contínuo. Recebi ontem uma mensagem sobre a subida do União e não podia estar mais feliz. É uma felicidade, é um clube que tenho no coração. Agora, o União retorna ao lugar que merece”, concluiu o brasileiro.

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