A ele virá a vontade e o desejo de fazer o que nenhum outro poderia fazer por ele, dizia Don Quixote sobre o seu fiel escudeiro Sancho Pança. É assim que se pode descrever a carreira de Leonel Pontes, que já afirmou querer criar o “estilo Leonel Pontes” e evitar comparações com qualquer outro treinador. Registou passagens pelas camadas jovens e equipa principal do sporting e na selecção portuguesa.

Nunca havia demonstrado interesse em ser treinador principal mas, quando surgiu a proposta do Marítimo, não conseguiu recusar. Sentiu que era o momento certo para fazer algo que mais ninguém conseguiria, dar um passo à frente na sua carreira. Ser sombra de alguém não o preocupava, mas chegar à linha da frente foi algo que também não rejeitou, regressando à sua terra Natal após 22 anos fora da Madeira.

Depois de doze anos como adjunto e fiel companheiro de uma só única pessoa: Paulo Bento, Leonel Pontes aceitou regressar às origens. E logo para um projeto exigente, num clube que luta pelos lugares que dão acesso às competições europeias. O antigo braço direito do atual selecionador nacional, numa ligação que floresceu nos juniores do Sporting, chega à primeira liga com humildade. Já demonstrou vontade de aprender e confessou que sentia uma pressão maior do que nos tempos em que era número dois no banco de suplentes.

Aos 42 anos, o técnico tem a possibilidade de demonstrar o seu valor na primeira liga sem nunca ter passado por divisões inferiores nem ter sido um futebolista de eleição. No entanto, a paixão pelo futebol levou-o a assumir o papel de treinador. Num plantel marcado pela contenção, Leonel Pontes chega a casa para continuar um trabalho desenvolvido por Pedro Martins nos últimos quatro anos, que visa uma ligação forte entre a formação B e a equipa principal.

Com um perfil discreto e um mestre na preparação do treino, o técnico natural de Porto da Cruz, no Funchal, chega a casa carregado de ambição e confiante em fazer valer as suas qualidades entre a elite do futebol. E, como dizia Don Quixote, mais belo parece o soldado morto na batalha do que são durante a vida.

Paulo Jorge Rocha (PJR): É um madeirense. Este é o clube ideal para começar a sua aventura como treinador?

Leonel Pontes (LP): Nós nunca sabemos qual é o clube ideal. Neste momento, este é o clube ideal porque foi aquele que me convidou e demonstrou confiança ao deixar-me iniciar este trajeto. Assim sendo, podemos dizer que é o clube que reúne condições para eu iniciar este processo de liderança de uma equipa e o facto de eu ser madeirense aproxima mais a minha relação com a ilha e com o clube.

PJR: Há maior pressão por ser um filho da terra?

LP: Nestas circunstâncias há sempre uma pressão elevada em função das expetativas que o clube tem, não só do ponto de vista dos resultados como do ponto de vista da qualidade do rendimento. Essa pressão existe e vai existir sempre. Se eu fosse um português do continente ou de outro lado qualquer, ou um brasileiro, sentiria essa pressão porque eu estou num clube habituado a bons resultados, resultados condizentes com a dimensão do clube e, portanto, vai existir sempre essa pressão.

PJR: Porquê só agora é que sentiu necessidade de se tornar treinador principal?

LP: Não foi uma questão de necessidade, eu não tinha definido metas na minha carreira. E sentia-me bem com aquilo que estava a fazer. No entanto, o convite foi formulado e aí pensei seriamente na possibilidade de dar um passo e seguir uma carreira como técnico principal. Mas não tinha projectado isso, nem tão pouco tinha planeado se seria mais cedo ou não. As coisas aconteceram, na minha vida as coisas têm acontecido com alguma naturalidade e eu nunca acelerei processos. Enquanto me sentir útil nas minhas funções, e continuava a sentir-me útil como adjunto, iria ficar. Mas apareceu o convite e aceitei.

PJR: Que objectivos pessoais traçou para esta aventura no Marítimo?

LP: No fundo pretendo cimentar a minha posição como treinador principal. Redefinir o meu posicionamento em relação a uma nova função. Aprender, porque este é um desafio que promove aprendizagens a toda a hora. É, no fundo, consolidar uma posição e conseguir colocar uma equipa a jogar bom futebol e atingir um alto rendimento em termos de qualidade de jogo e resultados positivos.

PJR: Como é que se define enquanto treinador?

LP: Eu não me consigo definir como treinador, vou deixar isso para os outros. Não me parece que tenha de me comparar com os outros. O que eu posso dizer é que dou muita importância ao jogador de futebol, às suas características, ao seu historial e à sua personalidade. Sinto que os jogadores são as figuras mais importantes do jogo e do futebol e transmito-lhes essa minha opinião. Sou exigente com eles, sou disciplinador e tento que eles sejam altamente profissionais. Quero que eles assumam esse papel, um papel de profissionalismo que os leva ao alto rendimento.

PJR: Não passou por mais nenhum clube como treinador principal e agora começa na primeira liga. Sente que esta é mesmo uma prova de fogo?

LP: Naturalmente que é um contexto que me está a pôr à prova, que me vai pôr à prova e que irá validar aquilo que são as minhas competências como treinador. É um desafio com um grau de complexidade enorme, porque estamos num contexto de uma equipa profissional, de uma equipa B, profissional também, e ainda temos uma equipa C, que está ligada ao Marítimo. Portanto há aqui muito trabalho para fazer, muitas estratégias para desenvolver e naturalmente que é um desafio enorme.

PJR: Disse que “ainda se estava a habituar à pressão” que ser técnico principal acarreta. Em que alturas é que sente mais a existência dessa pressão?

LP: Naturalmente que a pressão está diretamente ligada aos jogos, aos resultados e a toda a dinâmica de uma equipa de futebol. Portanto, o líder tem sempre a pressão de tomar decisões, de estar a par de todos os processos e de, no fundo, enfrentar tudo aquilo que é o processo de liderança de uma equipa. E estamos a falar de uma equipa de futebol, de uma equipa técnica e de um conjunto de estruturas à volta da equipa e isso requer atenção, preparação, capacidade de liderança. E naturalmente que todos estes pressupostos fazem com que a pressão da função seja enorme.

PJR: Que projecto é que lhe foi proposto pelo Marítimo?

LP: O projecto Marítimo é consolidar a equipa nos primeiros lugares da tabela classificativa, nomeadamente na luta pela Europa, dar atenção à equipa B porque faz parte de um contexto de evolução das equipas do Marítimo que tão bons resultados tem tido e, naturalmente, estar atento à formação do clube, que tem uma dimensão do ponto de vista humano elevado e também do ponto de vista da qualidade. Este é um projeto global em que vou estar focado na equipa principal, mas com atenção à equipa B e ao restante departamento.

PJR: Quais são os objectivos a que o Marítimo se propõe? O sexto lugar – melhor classificação do Marítimo – é uma meta a ultrapassar?

LP: O Marítimo quer potenciar jogadores, elevar a qualidade individual dos jogadores, quer descobrir novos talentos e quer criar uma equipa competitiva, que dê resposta àquilo que são os desejos do clube e da massa associativa. Essa é a nossa procura constante: potenciar, desenvolver, descobrir novos talentos para serem inseridos no futebol ao mais alto nível e criar uma equipa competitiva.

PJR: Que estilo de jogo pretende implementar no Marítimo? O que é o “estilo Leonel Pontes”?

LP: O que nós queremos depende das características daquilo que é a imagem do treinador, depende das suas características como pessoa, da personalidade, do seu carácter. Eu pretendo uma equipa que tenha uma identidade própria, que tenha uma forma de jogar bem definida e que, ao mesmo tempo, tenha uma boa atitude competitiva. Quero que os jogadores sejam altamente profissionais naquilo que fazem. E essa é uma procura constante de um treinador e, no meu caso, é o que espero dos jogadores. Naturalmente, isto demora tempo. No fundo, também estou à procura do meu próprio estilo, porque isto é um processo recente. E isto demora tempo a ganhar forma, mas quero atingir um nível em que reconheço que aquela é a minha forma de jogar.

PJR: Que vantagens é que o trabalho na Seleção portuguesa lhe pode trazer em relação aos restantes treinadores que agora estão na primeira liga?

LP: Não posso falar em vantagens ou desvantagens. A grande vantagem é que na seleção a equipa é, como o próprio nome indica, um seleção. Uma seleção de um conjunto jogadores com determinadas características de alto rendimento. Muitas vezes num clube não nos permitem ter uma equipa com esse nível de qualidade. Depois é o tipo de competição que esse espaço exige. Enquanto num clube temos uma competição semanal, muitas vezes duas vezes por semana, na seleção ela é a espaços. O tipo de intervenção de um selecionador é diferente de um treinador de um clube, devido à natureza da competição. É uma diferença muito grande.

PJR: Que conselhos é que o Paulo Bento lhe deu antes de assumir este compromisso?

LP: Desejou-me boa sorte, disse que eu estava preparado e que ia tudo correr bem. Mas não houve espaço para muita conversa porque saímos de um processo do Mundial e eu vim logo para o Marítimo, isto foi um processo muito rápido. Mas mantemos o contato diário.

PJR: Conseguiu preparar a pré-época bem enquanto esteve com a Seleção portuguesa no Mundial?

LP: Não, enquanto estive na Seleção estive de corpo e alma. Na fase inicial, alguns dossiers de pré-temporada e de jogadores o Marítimo tratou deles e eu comecei a trabalhar a sério depois de sair da Seleção. E as coisas estão a funcionar, podia ter sido melhor ou pior, mas as coisas estão a funcionar e isso é que é o mais importante.

PJR: Que balanço faz da pré-época?

LP: Faço um balanço positivo em determinados aspectos, porque conseguimos criar uma pequena identidade de equipa e conseguimos elevar o nível de qualidade dos jogadores. Tivemos, numa primeira fase, um conjunto de jogos que, apesar do nível competitivo ser mais baixo, em que conseguimos resultados interessantes, onde marcamos 19 golos e só sofremos dois. Depois deste processo fizemos um jogo em Las Palmas que perdemos 4-0, mas isto faz parte do crescimento da equipa. É preciso perceber que há momentos em que temos de jogar de forma diferente, há momentos em que o adversário tem outro tipo de características às quais não nos conseguimos adaptar. Isto faz parte do processo e acho que a pré-temporada correu bem.

PJR: As taças estão no seu horizonte?

LP: As taças fazem parte. O Marítimo já participou numa final da Taça de Portugal e outros clubes de dimensão média também têm participado em finais de taça e nós temos de ter essa ambição de poder chegar longe numa competição dessa natureza. Portanto, isso faz parte de um dos objetivos do clube e os jogadores também sentem que, se o processo for bem desenvolvido, se nós acreditarmos e tivermos esperança e crença, podemos lá chegar.

PJR: Este verão viu partir Derley, Héldon, Sami. Ainda está à procura de reforços depois de ter visto sair estas peças nucleares da equipa?

LP: O mercado só fecha a 31 de agosto e até lá muita coisa pode acontecer. Ainda podem entrar e sair alguns jogadores, porque os plantéis nunca estão fechados. Estamos sempre abertos a algumas afinações. Nós temos a possibilidade de ter uma equipa B, o que faz com que muitas vezes não seja necessário exceder um número elevado de jogadores, mas estamos atentos ao mercado.

PJR: Começa o campeonato com o FC Porto. Isso é positivo ou é negativo?

LP: É um jogo que poderia ser mais tarde ou mais cedo. Nós temos de respeitar o calendário e vamos ao Porto jogar. Naturalmente é com plena satisfação que vamos iniciar a época frente a um clube daquela natureza. Será um jogo em que a motivação está em alta, sabemos que é um adversário muito difícil, que tem as suas qualidades e que está habituado a lutar pelo primeiro lugar. Portanto é um grande desafio para esta jovem equipa e vamos preparar nesse sentido

PJR: Quem é o principal candidato ao título?

LP: Não me vou pronunciar sobre isso. Nós sabemos que há sempre três, quatro clubes candidatos ao título e provavelmente serão esses que vão lutar pelo título. Não consigo dizer quem está em primeiro ou quem está em segundo, porque ainda estamos a começar e ainda faltam muitas jornadas para indicar um clube que possa ter vantagem sobre o outro.

PJR: Esta época a Liga foi alargada e vão competir 18 clubes. Acha esta situação positiva ou negativa?

LP: Eu acho que é positivo. Vai aumentar o número de jogos e vai permitir que mais duas equipas possam estar presentes no futebol nacional, portanto acho que é positivo.

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