Há uma semana, a Bélgica acordou em choque com os atentados terroristas em Bruxelas. A morte de 35 pessoas trouxe de volta o fantasma do terrorismo e do medo ao coração da Europa. O país – e a Europa – ficou virado do avesso e nem o futebol escapou. A Bélgica preparava o Euro2016 com mais um jogo e desta feita o adversário era Portugal. De Bruxelas à incerteza da realização do jogo foi um curto passo, mas Leiria acabou por ser o desvio encontrado pelo futebol contra o clima de medo.

David dos Santos Batista, de 33 anos, foi um dos muitos luso-belgas apanhados no meio do turbilhão de emoções. Nasceu perto do bairro de Molenbeek e viveu sempre perto de Bruxelas até regressar há um ano a Portugal, graças ao sucesso dos seus negócios. Porém, o resto da sua família continua na capital belga e viveu de perto tudo o que aconteceu. “Tive familiares que por sorte não apanharam esse metro. Foi por muito pouco que não tivemos um drama maior”, contou este adepto aos jornalistas, sublinhando: “Estando longe e conhecendo aquela zona toda é ainda mais complicado viver as coisas. Nesse dia fiquei sem chão.”

Quando o jogo tinha Bruxelas como palco, David já tinha o bilhete para o desafio. Porém, nem a mudança de local alterou a sua vontade de assistir à partida ao lado dos dois filhos pequenos, Diego e Lisandro, de sete e três anos, respetivamente. Às portas do Estádio de Leiria, o equipamento de pai e filhos denunciava o apoio à Bélgica; no entanto, a voz pendia para Portugal. “Estava convidado para simbolizar a ligação entre Portugal e Bélgica e fiquei muito triste. Quando anunciaram que o jogo ia ser aqui, lá decidi trazer os miúdos para cá, porque eles queriam absolutamente não falhar este jogo. Era a primeira vez que iam ver o Cristiano com os belgas. Viemos a Leiria sem medo nenhum e para mostrar que estamos cá para o futebol e que o futebol é uma festa”, revelou. As emoções, essas, David já sabe que serão muito fortes.

“Sei que as equipas vão juntar-se, com uma mensagem especial contra os atentados. Até estou arrepiado”.

Naturalmente, uma identidade portuguesa criada em solo belga divide-se agora entre as cores das duas seleções. “Estou de coração dividido, sim. Ainda mais depois de tudo o que aconteceu... Sinceramente, queria que Portugal ganhasse, mas hoje o empate seria bom para todos e para a homenagem. O empate deixaria toda a gente contente e seria uma festa; sobretudo, mostrava que não há medo”, explica.


Diabólica, a invenção “metade portuguesa e metade belga”

O negócio de maior sucesso de David dos Santos Batista está precisamente ligado ao futebol. A buzina ‘Diabólica’ destaca-se por não precisar de gás e ser amiga do ambiente, tendo já vendido mais de um milhão de exemplares. É, como o próprio considera, uma invenção “metade portuguesa e metade belga”, e que lhe valeu uma distinção do próprio governo do país que o viu nascer.

“Fui sempre português antes de tudo, mas ganhei o prémio de cidadão do ano de 2013 na Bélgica e eles não sabiam que eu era português. Foi a maior chapada de luva branca que dei, graças à invenção da buzina Diabólica. Quando era pequenino, na zona que eu vivia criticavam muito os portugueses. Os meus pais são domésticos e quando na escola tínhamos de escrever o que eles eram, os meus colegas diziam que eu era filho de escravos e diziam que os portugueses só serviam para as obras e para limpar as casas de banho. Isso revoltou-me e sempre quis mostrar que o português era melhor do que isso. Felizmente a Diabólica tem sido um sucesso mundial”, concluiu.