A defesa de Rui Pinto, criador do Football Leaks, anunciou hoje que vai apresentar uma queixa contra Portugal na União Europeia, alegando que as regras europeias de extradição do seu constituinte não foram respeitadas.

"Houve várias irregularidades na extradição de Rui Pinto ao abrigo do direito europeu", em particular no que diz respeito ao "princípio da (regra da) especialidade", afirmou a agência France Press Luísa Teixeira da Mota, uma das advogadas de Rui Pinto.

A defesa considera o hacker português "um denunciante europeu muito importante” e acusa a justiça portuguesa de perseguir o seu cliente por crimes que não constavam originalmente no mandado de detenção europeu (MDE) inicial.

A regra da especialidade proíbe a pessoa extraditada de ser julgada por um crime diferente daquele que deu origem ao pedido de extradição.

Como o criador do Football Leaks nunca renunciou ao princípio de especialidade - para que a justiça portuguesa o pudesse vir a acusar e julgar por outros factos e crimes que não estes -, o MP teve de pedir a extensão do MDE às autoridades húngaras, que autorizaram, em 29 de agosto, com base em novos factos e indícios entretanto apurados no decorrer da investigação.

A juíza de instrução criminal, que decidiu levar Rui Pinto a julgamento por 90 crimes, considerou que o mandado de detenção europeu foi legal.

Depois de ter sido preso na Hungria e extraditado para Portugal, ao abrigo de um mandato internacional, Rui Pinto está preso desde março de 2019, tendo revelado recentemente que entregou um disco rígido à Plataforma de Proteção de Denunciantes na África, que permitiu a recente revelação dos Luanda Leaks, um caso de corrupção relacionado com a empresária angolana Isabel dos Santos.

Aos 30 anos, Rui Pinto vai ser julgado por 68 crimes de acesso indevido, por 14 crimes de violação de correspondência, por seis crimes de acesso ilegítimo e ainda por sabotagem informática à SAD do Sporting e por extorsão, na forma tentada, este último um crime pelo qual o advogado Aníbal Pinto também foi pronunciado.

Em setembro de 2019, o Ministério Público (MP) tinha acusado o ‘hacker’ de 147 crimes, 75 dos quais de acesso ilegítimo, 70 de violação de correspondência, um de sabotagem informática e um de tentativa de extorsão, por aceder aos sistemas informáticos do Sporting, da Doyen, da sociedade de advogados PLMJ, da Federação Portuguesa de Futebol, da Procuradoria-Geral da República (PGR) e da Plataforma Score e posterior divulgação de dezenas de documentos confidenciais destas entidades.

Entenda o caso Football Leaks e o papel do português Rui Pinto

Rui Pinto, hoje com 31 anos, foi entregue pelas autoridades húngaras à justiça portuguesa em março do ano passado e encontra-se em prisão preventiva no âmbito de um inquérito titulado pelo Departamento Central de Investigação e Ação Penal, no qual o arguido está acusado de 147 crimes de acesso ilegítimo, violação de correspondência, sabotagem informática e tentativa de extorsão.

Considerado por uns um 'whistleblower' (denunciante) e por outros um criminoso e um pirata informático ('hacker'), Rui Pinto trouxe para a opinião pública e para a política nacional e internacional o debate sobre os limites entre o interesse público das denúncias e a forma, eventualmente ilícita, como essas informações foram obtidas.

Quem é Rui Pinto

Rui Pinto assumiu publicamente em 2019 ser colaborador do ‘site’ Football Leaks e, sob o pseudónimo ‘John’, divulgou informações a partir de Budapeste, na Hungria, país no qual foi detido em 16 de janeiro deste ano, no âmbito de um mandado de detenção europeu. O português vivia na capital húngara desde fevereiro de 2015, após uma primeira passagem pela cidade, entre 2012 e 2013, enquanto estudante de História da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, ao abrigo do Programa Erasmus.

Natural de Mafamude, Vila Nova de Gaia, cidade onde nasceu em 20 de outubro de 1988, Rui Pinto, confesso adepto do FC Porto e “fanático por futebol desde criança”, cresceu na zona da Praia de Lavadores, na freguesia de Canidelo, tornando-se num autodidata ao nível dos conhecimentos de informática.

Em 2013, foi o único suspeito de desviar cerca de 264 mil euros do Caledonian Bank após aceder ao sistema informático da instituição bancária sediada nas Ilhas Caimão. O inquérito-crime foi arquivado pelo Departamento de Investigação e Ação Penal do Porto, em outubro de 2014, na sequência de um acordo extrajudicial entre o jovem e o banco.

As origens do Football Leaks e o papel de Rui Pinto

O Football Leaks foi criado em 29 de setembro de 2015 no domínio http://football-leaks.livejournal.com por Rui Pinto, único responsável que assumiu publicamente, até hoje, a revelação de documentos polémicos que agitaram o futebol português e mundial.

Em diversas entrevistas, primeiro sob o pseudónimo ‘John’ e mais tarde já como Rui Pinto, a justificação para a criação desta plataforma eletrónica surgiu em maio de 2015, com a divulgação do escândalo de corrupção na FIFA, que levou à detenção de vários dirigentes e à posterior saída do suíço Joseph Blatter da presidência do organismo que tutela o futebol mundial.

“Este projeto visa divulgar a parte oculta do futebol. Infelizmente, o desporto que tanto amamos está podre e é altura de dizer basta. Fundos, comissões, negociatas, tudo serve para enriquecer certos parasitas que se aproveitam do futebol, sugando totalmente clubes e jogadores”, referia a publicação de abertura do 'site'. A primeira grande polémica veio com a divulgação do contrato do então treinador Jorge Jesus com o Sporting.

Os crimes pelos quais Rui Pinto está acusado

Em Portugal, Rui Pinto está acusado de 147 crimes. O advogado Aníbal Pinto também foi acusado, no mesmo processo, por coautoria de um crime de extorsão na forma tentada.

"No âmbito do designado inquérito CYBERDUNA, o Ministério Público do Departamento Central de Investigação e Ação Penal deduziu acusação contra dois arguidos pela prática de 1 crime de extorsão na forma tentada. O principal arguido deste processo foi ainda acusado de 75 crimes de acesso ilegítimo, 1 crime de sabotagem informática, 70 crimes de violação de correspondência, sendo 7 destes agravados", pode ler-se na referida nota.

Em outubro, a revista 'Sábado' avançou ainda que o 'hacker' iria ainda enfrentar um "processo explosivo" com uma dimensão bastante superior ao primeiro.

Em causa está o facto de, alegadamente, Rui Pinto ter acedido aos servidores de alguns dos maiores clubes europeus como Real Madrid, o Barcelona, a Juventus, o Manchester City, o Benfica e o FC Porto, assim como à Rede Nacional de Segurança Interna, escritórios de advogados, IURD e às empresas de Isabel dos Santos.

Cooperação com autoridades internacionais

Rui Pinto colabora com as autoridades judiciais de França, Bélgica e Holanda na condição de denunciante, facultando informações e documentos que tem na sua posse e que não chegaram a ser revelados através do Football Leaks.

O advogado francês William Bourdon, que assumiu a defesa internacional de Rui Pinto, depois de já ter representado outros denunciantes, nomeadamente Antoine Deltour ou Edward Snowden, confirmou que a justiça francesa fez cópia de documentos e revelou um encontro com o procurador do Parquet National Financier (unidade do Ministério Público gaulês de combate ao crime económico), no final de 2018, em Paris.

Os advogados de Rui Pinto já admitiram uma possível colaboração com as autoridades suíças e que o Eurojust (Unidade Europeia de Cooperação Judicial) também vai receber informações. Estados Unidos e Espanha abriram igualmente processos decorrentes de documentos provenientes do Football Leaks, nomeadamente a alegada violação de Cristiano Ronaldo a Kathryn Mayorga, e a fuga ao fisco do internacional português, do treinador José Mourinho e de outros jogadores, todos com ligação ao empresário Jorge Mendes.

As outras suspeitas apontadas a Rui Pinto

Em prisão preventiva no estabelecimento prisional anexo à Polícia Judiciária, em Lisboa, Rui Pinto é também apontado como o principal suspeito do furto dos emails do Benfica, que foram revelados a partir de 06 de junho de 2017 pelo diretor de comunicação do FC Porto, Francisco J. Marques, no Porto Canal, e em diversos blogues.

O ataque informático à sociedade de advogados PLMJ, em dezembro de 2018, mas que só foi conhecido em 07 de janeiro de 2019, é outra das suspeitas que recai sobre o colaborador do Football Leaks. Entre os documentos divulgados no blogue Mercado de Benfica constavam emails de João Medeiros, um dos três advogados do Benfica no processo E-Toupeira.

O acesso aos servidores deste escritório de advogados, um dos maiores do país, levou também à divulgação de documentos relacionados com a Operação Marquês, com o processo BES, assim como de outras ações judiciais ligadas a Henrique Granadeiro, a Manuel Pinho, a António Mexia, ao antigo espião Jorge Silva Carvalho e à 'holding' estatal Parvalorem.

Rui Pinto negou sempre qualquer envolvimento nestas situações e disse mesmo que a justiça portuguesa “sabotou tudo” nas colaborações com as autoridades de outros países desde que houve “uma fuga de informação da maior sociedade de advogados” nacional (PLMJ). “O que era apenas uma simples ordem de investigação a nível europeu transformou-se num mandado de detenção europeu contra mim. Foi chocante. Portugal quer apenas silenciar-me”, afirmou.