Chamou-lhe a atenção? Era precisamente esse o objetivo de Raven Saunders, que se autointitula de 'Hulk' no seu papel de competidora, sobretudo por se identificar com o difícil equilíbrio entre a força e o poder com que lida o super-herói.

A atleta americana de lançamento do peso surpreendeu (ou talvez não, mas já lá vamos) ao surgir em prova nos Jogos de Paris com a cara completamente tapada e com o seu curto cabelo simetricamente pintado de verde e roxo.

De óculos espelhados, a atleta que tinha surpreendido nos Jogos de Tóquio em 2021, ao utilizar uma máscara personalizada por causa da Covid-19, já se tinha pronunciado sobre o que pretende ao apresentar-se de rosto tapado nas competições mais sonantes.

"Assim como o Hulk, também eu tive dificuldade em diferenciar os dois modos de estar; tive dificuldade em controlar quando o 'meu' Hulk aparecia ou não”, disse à Yahoo Sports em 2021. “Mas ao longo da minha jornada, especialmente ao lidar com a minha saúde mental, aprendi a decidir melhor, da mesma forma que Bruce Banner aprendeu a controlar o Hulk dentro de si, a deixá-lo sair nos momentos certos, acabando por descobrir um caminho para a paz mental".

O facto de não ser possível decifrar qualquer expressão sua durante a prova - o rosto está mesmo 100% escondido - permite à atleta "concentrar-se e evitar falar com outros competidores, que podem distraí-la durante as competições". Como se criasse uma bolha imaginária, na qual só entra alguém com a sua valiosa permissão, chamando ao mesmo tempo todos os olhares para si: 'Eu estou aqui, não me falem, mas ouçam o que tenho para dizer', algo assim.

Saunders, que já por diversas vezes içou a bandeira da luta LGBTQIA+ e da conscientização sobre relevância da saúde mental, nos atletas e não só, formou um 'X' com os seus pulsos quando recebeu a medalha de prata em Tóquio. O gesto, esclareceu a atleta negro e assumidamente gay,  representou "a união de todas as pessoas oprimidas", acrescentando que esperava que esperava que o gesto ajudasse "as pessoas de todo o mundo que estão a lutar e não têm uma plataforma como esta para falar por si mesmas".

Uma prata bem lançada
Uma prata bem lançada Raven Saunders com a medalha de prata depois de competir no evento de lançamento do peso feminino durante os Jogos Olímpicos de Tóquio 2020. (Photo by Ina FASSBENDER / AFP) créditos: AFP or licensors

Na altura, o Comité Olímpico iniciou uma investigação sobre o gesto, já que a organização dos Jogos de Tóquio não permitia quaisquer manifestações de cariz político-social aquando da subida ao pódio. Mas Saunders acabou por não ser punida.

Recorde-se que a atleta recebeu uma suspensão de 18 meses por faltar a três testes de doping, o que levou à perda do Mundial de Atletismo em 2023. A suspensão terminou em fevereiro de 2024, a tempo dos Jogos de Paris, depois de um período muito conturbado da sua vida.

"Honestamente disse que se eu entrasse nesse equipa seria pelas pessoas. Foram elas que lembraram quem eu era quando eu estive mal, durante a suspensão", admitiu.

A terceira tentativa de Saunders, de 18,62m, qualificou-a para a final desta sexta-feira, dia em que promete uma nova surpresa na forma como se apresentará vestida: "Eu tenho algo ainda melhor", garantiu a atleta de 28 anos.