Sabia que há uma vertente do andebol na qual não se pode correr nem há contacto físico? Destinado a 'jovens' com mais de 60 anos, o Walking Handball tem como principal foco a prática regular de exercício físico em idosos que pretendam manter um estilo de vida saudável. Procura, ao mesmo tempo, combater o isolamento social e promover a atividade desportiva entre os mais velhos. O objetivo é, pois, primeiro que tudo, que os sorrisos superem as tristezas e que o convívio ponha fim ao sentimento de solidão, tornando o andebol ainda mais acessível para todos.
Não deixa, claro, de ser curioso que numa modalidade como o andebol, por norma jogada de forma tão veloz, com tanta intensidade e tanto contacto físico, por vezes apelidada até de 'râguebi de pavilhão', tenha nascido esta vertente, jogada sem correrias, a um ritmo bem mais lento, adaptada a idosos, que assim podem manter-se em forma e exercitar-se jogando andebol sem arriscarem lesões.
A verdade é que o Walking Handball está a crescer e a cativar cada vez mais praticantes. E Portugal não é exceção. O SAPO Desporto foi perceber melhor qual a realidade de uma vertente do andebol ainda a dar os primeiros passos no nosso país, fruto de um projeto pioneiro (e para já único) do Xico Andebol, emblema histórico de Guimarães e do andebol nacional, que desde há muito olha para a componente social com especial atenção.
O que é, afinal, o Walking Handball? E como surgiu?
No Walking Handball o sucesso desportivo não é nem nunca será a prioridade. A ideia base é a de que a prática regular de atividade física, incluindo combinações de equilíbrio, força, resistência, marcha e treino, estejam associadas à melhoria da qualidade de vida dos idosos, procurando potenciar um envelhecimento saudável. A modalidade é disputada a um ritmo mais lento. Tal como no andebol 'normal', o jogador pode apenas dar três passos com a bola na mão. Mas não pode correr. Apenas pode driblar, passar ou rematar, sem qualquer tipo de contacto físico.
Nasceu nos Países Baixos, nação onde é dada grande importância ao desporto como veículo da manutenção da boa forma física e onde o andebol, apesar de estar atrás do futebol ou do ciclismo no que toca aos desportos mais praticados, tem vindo a ganhar popularidade. A ideia surgiu de uma cooperação entre a Associação Holandesa de Andebol (NHV) e o Fundo Nacional Holandês para Idosos. Os dois organismos uniram forças e criaram esta vertente da modalidade, com a colaboração de um antigo andebolista internacional neerlandês, Leon van Schie, que ajudou a também a implementar o plano.
O arranque oficial teve lugar em 2019, com a criação da OldStars, uma equipa composta por pessoas com idades entre os 55 e os 85 anos. Aos poucos, o interesse foi crescendo cada vez mais, foram surgindo mais equipas e passaram a ser disputados torneios regulares onde são respeitadas as regras elaboradas por Van Schie.
A popularidade do walking handball, nos Países Baixos, aumentou exponencialmente. Atualmente, existem já mais de 30 clubes onde é possível praticar a modalidade, com grupos de 10 a 20 pessoas em cada equipa, sendo que 70 por cento dos praticantes não tinham, antes, qualquer ligação com ao andebol.
A aposta do Xico Andebol no Walking Handball
Com quase 80 anos de História, o 'velhinho' Desportivo Francisco de Holanda, desde 2009 conhecido por Clube Desportivo Xico Andebol, é um símbolo da cidade de Guimarães e do andebol português. Desde sempre, este emblema vimaranense procurou promover e difundir a prática desportiva, cultural e recreativa junto da comunidade onde se insere, proporcionando a todos os seus atletas uma educação cívica e desportiva de qualidade, baseada em princípios como o bem-estar, a solidariedade, a saúde, a integração e o desenvolvimento sustentável.
"A componente social tem a importância que tem no nosso clube porque sempre tivemos esse papel de proximidade com o nosso público e está-nos no sangue. Tentamos procurar sempre quem necessite do nosso apoio, de forma a manter essa nossa vertente que é histórica, que sempre foi sinónimo deste clube, mesmo nos tempos mais difíceis", sublinha Mauro Fernandes, presidente do clube.
Ao assumir esse seu papel de responsabilidade social, e contribuindo para o desenvolvimento da comunidade e da sociedade em geral, o Xico Andebol desenvolve diferentes ações e iniciativas com vista a incentivar a prática desportiva entre jovens, adultos e, agora, idosos. Foi com esse propósito que surgiu a ideia de introduzir no clube a variante do walking handball, projeto pioneiro e ainda único em Portugal, como nos explicou Mauro Fernandes.
"O walking handball surgiu-me quando, a meio da pandemia, numa formação junto da Federação Portuguesa de Futebol, em 2020, foi apresentada uma tese sobre o walking football. De imediato pensei em transpor isso para o andebol", recorda.
"Escolhemos um público-alvo 80 por cento feminino, pessoas que estivessem a braços com alguns problemas do ponto de vista depressivo"
"Fizemos uma investigação sobre o tema, mas quisemos ter uma componente diferenciadora, ligada à questão da psicologia. Escolhemos um público-alvo 80 por cento feminino, pessoas que estivessem a braços com alguns problemas do ponto de vista depressivo, por estar isoladas ou com outros tipos de dificuldades. Queríamos ajudá-las, por via desta modalidade específica, e estamos a conseguir. É esta a missão principal do walking handball no Xico. Passaram dois anos e já sentimos melhorias, comprovadas com relatórios e documentos elaborados por pessoas que estão a trabalhar connosco nesta matéria", prossegue.
O projeto enquadra-se na aposta feita pelo Xico Andebol em subscrever a Agenda 2030 das Nações Unidas, constituída por 17 objetivos, aprovada pelos líderes mundiais numa cimeira em Nova Iorque. "Um desses objetivos é, por exemplo, combater as desigualdades e nós, por esta via, quisemos encaixar dois projetos muito fortes na área social: o andebol adaptado e o walking handball, respondendo assim ao nosso plano estratégico", refere Mauro Fernandes.
Dois anos volvidos, Mauro Fernandes fala do que já foi alcançado. "Sendo um projeto inovador, tínhamos de ganhar experiência e ver se aquilo que desenhámos se concretizava. E vejo uma evolução enorme. Chegámos a ter duas equipas, a treinar em dois dias diferentes por semana, na altura em parceria com a Universidade Sénior em Guimarães, mas reajustámos o projeto, porque as pessoas vindas da Universidade Sénior são pessoas com estímulos, com um tipo de vida diferente, que não encaixavam propriamente na teoria que nós queremos desenvolver. Então reduzimos as duas equipas a uma só, mas que respondesse às nossas expectativas, ajudando pessoas com algumas fragilidades", recorda.
"Nessa perspetiva, tivemos uma grande evolução. Conseguimos fazer ligações e parcerias com instituições como o Hospital da Luz e o Instituto de Estudos Europeus, que é quem nos dá o suporte de uma componente científica, com alunos da licenciatura em desporto que vêm cá fazer testes e avaliar o próprio projeto, dando-lhe uma componente científica e académica", continua.
A estrutura está montada e está em linha com a das restantes equipas do clube. Neste momento são 14 os atletas, com as idades a variarem entre os 60 e os 77 anos, tendo já havido um atleta com 82 anos. Contam com um treinador especializado, licenciado em desporto e que é também o coordenador dos escalões de formação do Xico Andebol, tendo um profundo conhecimento na matéria. Os treinos são às quartas-feiras e a acompanhar cada treino está um psicólogo, que aborda essa componente psicológica junto dos atletas, trabalhando as suas capacidades cognitivas e tentando contrariar problemas que estes possam ter esse nível.
De forma a contribuir ainda mais para que os atletas do walking handball se sintam integrados no clube, Mauro Fernandes conta-nos que tiveram a ideia de fazer coincidir a hora do fim do treino com a do início dos treinos das equipas jovens, levando assim a uma conciliação entre as faixas etárias, o que torna a experiência ainda mais enriquecedora para todos. "Estamos até a pensar em aumentar esta ligação com as outras equipas de alta competição, nomeadamente às equipas seniores", avança o dirigente, que não esconde a alegria que sente ao ver a felicidade dos atletas.
"Esse feedback de felicidade que as pessoas têm tido e que esta atividade tem promovido é talvez aquilo que nos faz insistir ainda mais"
"É fantástico vê-los a rirem-se como crianças. Durante o treino estão sempre a rir, sempre a meter-se uns com os outros e temos aqui pessoas que sofriam de depressão. Esse feedback de felicidade que as pessoas têm tido e que esta atividade tem promovido é talvez aquilo que nos faz insistir ainda mais: a satisfação com que estas pessoas vêm semanalmente aqui, é isso que nos motiva a continuar com um projeto que financeiramente não é rentável, mas que acaba por não ser um prejuízo porque o investimento nas pessoas tem sempre um retorno, mesmo que não financeiro. E esse retorno é a evolução, a felicidade, o bem que se está a praticar nestas pessoas. Tudo isso faz-nos insistir", sublinha.
Então, quais são os próximos passos? "Depois desta evolução e deste amadurecimento, tendo nós o projeto completamente estabelecido, estamos numa segunda fase de começar a olhar para fora e procurar outros clubes que queiram abraçar algo idêntico, de forma a trazer alguma competição aos nossos atletas. Estamos a iniciar alguns convites, disponibilizando-nos para partilhar a nossa experiência", conta-nos Mauro Fernandes.
Em Portugal, contudo, para já ainda não há mais equipas. "De Setúbal já nos pediram algumas informações e há uma Junta de Freguesia a tentar implementar uma iniciativa idêntica. Mas não existe ainda mais nenhum projeto. O Xico foi o primeiro e até agora ainda não há mais, porque não é fácil. Os apoios são escassos e não chegam para manter toda a estrutura necessária", lamenta o presidente do clube vimaranense. "Percebo essa dificuldade, porque nós próprios a temos. Investimos porque acreditamos mesmo no que estamos a desenvolver", frisa.
"Esta vertente da modalidade devia ser agarrada por uma Federação Portuguesa de Andebol, ou por uma instituição com capacidade de alargar os projetos, levando a que os clubes a abracem, tornando-a numa realidade a nível nacional. Haverá também uma espécie de área cinzenta no que toca ao andebol para estas idades, porque há também um projeto europeu - sem estas preocupações a nível social, mas sim com uma componente mais competitiva - de criar provas de andebol para veteranos. Talvez isso, na perspetiva da Federação, não seja 100 por cento compatível com aquela que é a nossa ideia para o walking handball", pondera Mauro Fernandes.
Assim, e se o walking handball não crescer de outra forma, o Xico Andebol promete continuar a colocar mãos à obra por si só .
"Se não tivermos feedback positivo para o alargamento e envolvimento de outros, a nossa ideia é termos, mesmo nós, duas equipas, como já tivemos, e garantir, entre estas duas equipas, o primeiro campeonato, ou mini-campeonato, sendo que já temos as condições para o fazer, uma vez que são cinco jogadores de cada lado, portanto, dá até para fazer quase três equipas. Mas, como este é um grupo que tem estado a trabalhar junto, não o queremos dividir...A nossa ideia é criar espaço para um segundo grupo e permitir fazer, oficialmente, a primeira competição, que serviria também como mais uma chamariz para esta variante do andebol, até para corresponder à necessidade de dar o gosto competitivo aos atletas", termina.
O walking handball na primeira pessoa
Mas como é, então, para alguém que, aos olhos da sociedade, já não é visto como um 'atleta', jogar walking handball? O SAPO Desporto conversou com duas das jogadoras do Xico Andebol, que nos falaram da alegria que sentem nos treinos e dos benefícios que a prática da modalidade lhes tem trazido.
Maria José tem 67 anos e, em jovem, enquanto estudava, jogou andebol. "Passados estes anos todos convidaram-me. Pensei que não ia gostar, porque era a andar, mas gosto imenso. Estou a adorar. O bichinho veio ao de cima, mesmo já estando velhota!", conta-nos.
Foi há cerca de meio ano que descobriu o walking handball, através de uma amiga. "Pensei, 'Olha, porque não? vou tentar'. Experimentei e gostei. Apaixonei-me logo na primeira vez. Claro que, como tinha jogado andebol, de início fazia muitas faltas, porque me esquecia e corria. Agora continuo porque, para além de me fazer muito bem, foi-se construindo uma grande amizade entre todos. É mesmo muito bom. Os treinos são muito divertidos e para pessoas que estavam mais sós e não praticavam desporto, este convívio faz muito bem. E fazemos sempre dez minutos de testes com um psicólogo, para ver como está a nossa cabeça. É importante e muito giro. O treinador também é espetacular", diz.
Para Maria José, o único lamento é a modalidade estar ainda pouco divulgada. "É uma pena as pessoas não saberem ainda bem como funciona, porque acho que muita gente, senhoras ou homens, iriam gostar", garante. Até porque, tendo ela jogado andebol quando era mais jovem, gostava de ter alguma competição. "É pena não haver outras equipas para defrontar. Ia gostar imenso. Treinar é muito engraçado, claro, mas falta aquele lado competitivo, que até vamos tendo entre nós, mas não é a mesma coisa", explica.
"Faz-nos falta pormos à prova a nossa capacidade. Muita gente acha que a partir dos 60 anos as mulheres e os homens já estão arrumados. Não é assim", remata. "Ainda temos muito para dar!".
Com 68 anos, Emília Pinto é um ano mais velha do que a colega, mas mostra o mesmo entusiasmo. "Fizeram-me o convite para experimentar este jogo que não conhecia mesmo. E eu fui. Estou reformada e gosto de estar ativa, não queria estar em casa. Fui com o intuito só de ver, nunca pensando que ia gostar tanto como gostei. Agora já vou na segunda época!", conta-nos.
"Estou sempre à espera da quarta-feira para ir treinar! Gosto muito! É uma hora que passa rápido. Estou mesmo a adorar. É um desporto que faz bem à mente e às vezes até tenho vontade de correr, mas não posso. Há que cumprir as regras. Sinto-me uma felizarda. Quando treinamos parecemos crianças, parece que estou na adolescência. Quando meto golos até salto de alegria!"
Amante de futebol e do seu V.Guimarães, Maria Emília confessa que pouco ou nada sabia de andebol. Agora é diferente e até já vê os jogos quando dão na televisão. "Não ligava nada ao andebol. Agora vejo os jogos. Ainda agora vi a seleção. E percebo as regras, as táticas.
"Fez-me muito bem, até, a nível psicológico. Sinto-me melhor, até porque nos treinos, para além do exercício físico, também trabalhamos a cabeça. E o convívio faz-nos muito bem. Ali ninguém é melhor que ninguém! Estou grata ao Xico Andebol e a esta modalidade, que é muito fixe! ", diz, antes de se despedir. Palavras que dizem tudo sobre uma modalidade que, pelo que representa e pelo que tem na sua génese, merece crescer e chegar a ainda mais pessoas como a Maria José e a Emília Pinto.
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