A atiradora Marta Caride, de 17 anos, sagrou-se esta época campeã portuguesa de florete em juniores e seniores, um título em dose dupla que faz a jovem, surda de nascença, sonhar com os Jogos Olímpicos de Tóquio2020.

"Sou campeã nacional de juniores e absoluta [seniores]. (...) Foi uma vitória muito gratificante e a cereja no topo do bolo no fim da época, com muito trabalho e dedicação", diz à agência Lusa a atleta do Sport Club do Porto, por quem se sagrou campeã portuguesa em junho.

Com a "dedicação e gosto" pela modalidade como principais fatores do sucesso, Marta aponta aos Jogos Olímpicos de Tóquio2020, bem como a Paris2024, mas o caminho é ainda longo até ao topo da modalidade, para quem está no primeiro ano do escalão júnior.

Para já, outras prioridades surgem no caminho, como a vontade de "ingressar em medicina", após concluir os estudos no Liceu Almeida Garrett, em Vila Nova de Gaia, e continuar a conjugar vida académica e desporto.

"Tenho de ter uma agenda muito organizada, planear bem tudo em função de testes e competições. Tento estudar quando estou nas provas internacionais e uma componente muito importante é a atenção nas aulas, captar o máximo que consigo", conta a mais velha de três irmãs.

Nasceu surda e a condição foi diagnosticada quando tinha dois anos, quando colocou próteses auditivas, mas fala sem dificuldade e consegue ler nos lábios. "Nunca me afetou, pelo contrário, até me trouxe certos benefícios", explica.

O talento foi descoberto pelo treinador, Filipe Melo, professor de educação física que revelou a modalidade numa das aulas, levando Marta Caride para o desporto escolar, no sétimo ano de escola, e depois para o Sport, tendo melhorado "certas capacidades visuais e de atenção que compensam a falta de audição".

"A Marta percebe as instruções que quero dar, no treino não há problemas, mesmo em lição individual. (...) Por vezes, esquecemo-nos das limitações que tem, não há problemas", afirma o treinador.

Filipe Melo vê uma atleta "determinada, aguerrida e muito ofensiva", que quer "trabalhar mais e mais até atingir patamares altos", e vê potencial olímpico na jovem de 17 anos, mesmo que para isso sejam precisas "muitas provas internacionais", dado o "contexto nacional limitado, sem um nível elevado".

Desde o escalão de cadetes que a jovem integra o 'top 100' internacional da modalidade, marcas atestadas pelo 27.º posto no Mundial de juniores, em abril, na Polónia, ou o 33.º no campeonato europeu do mesmo escalão, em Foggia, Itália.

Para a frente estão já agendadas provas em mais de 10 países diferentes, do Circuito Europa e não só, e o objetivo é mesmo "somar pontos para a qualificação olímpica", algo que será complicado "sem apoios financeiros".

Sempre a falar entre a vontade de "tentar conjugar tudo", entre a vida fora do desporto e de florete na mão, assume o "objetivo" dos Jogos, mas precisa "da componente monetária para fazer o sonho acontecer", mesmo que o apoio da Federação Portuguesa de Esgrima e o estatuto de atleta de alta competição sejam já importantes.

"Em seniores, tenho de ir a Itália, China, Japão, para somar pontos e tentar qualificar-me. (...) Todas as provas que me ajudem a somar pontos, ganhar experiência e lutar contra as melhores do mundo, ter estágios de preparação, são sempre mais-valias", explica.

A inclinação natural para a esgrima poderá ter vindo de ter praticado vários desportos desde cedo, além de um passado no 'ballet' que a ajudou, bem como o interesse num "desporto muito particular".

"Da minha parte, há 100% de dedicação para ir o mais longe possível, conjugar estudos ou emprego com a esgrima", resume a amante de música, pelas "batidas e as letras" que conseguem "transformar onde estamos".