Com participações em Jogos Olímpicos (em Tóquio), Mundiais, Europeus e outras grandes competições internacionais, Evelise Veiga é uma atletas portuguesas mais consagradas que irão marcar presença nos Jogos Mundiais Universitários. A atleta de 27 anos, que estuda gestão no Politécnico de Leiria, vai tentar fazer o melhor para alcançar bons resultados, depois de ter obtido duas medalhas, uma de ouro, e outra de prata nos Jogos Universitários em Nápoles em 2019.

Em entrevista ao SAPO Desporto, a saltadora Sporting frisou a importância de se ter um plano alternativo, para quando a vida no desporto acaba. Recorda ainda uma importante decisão que tomou, pouco tempo antes do 'lockdown' devido à pandemia de Covid-19, que certamente contribuiu para o seu bem estar emocional.

Evelise Veiga dedica a sua vida ao desporto enquanto profissional, no entanto, salienta a importância de se conseguir ter uma vida fora desse meio, algo fundamental para o equilíbrio do atleta. Traça ainda novas metas e objetivos para a sua carreira, sem nunca esquecer a ambição de tentar chegar a uma medalha nos Jogos Olímpicos.

SAPO Desporto: Qual é a importância do atleta ter que ter um plano alternativo para o pós-carreira?

Evelise Veiga: A vida de um atleta, principalmente de um atleta de alta competição, é de uma instabilidade total, dentro da instabilidade. Podemos estar muito bem, tanto a nível financeiro, como a nível pessoal, como as coisas passarem a não correr tão bem e temos que redimensionar as nossas prioridades. E o facto de termos outro plano é algo que acaba por nos dar outra segurança. Se isto não me correr bem, posso-me agarrar a algo que me deixe feliz. Daí a necessidade de se ter que incentivar os jovens e fazê-los ver que os estudos é algo muito importante.

Também é bom não estarmos constantemente focados no desporto, quando as coisas estão a correr bem é fácil, o problema é quando as coisas não estão a correr bem e precisamos de nos abstrair com algo que também me deixe felizes e não estarmos 100 por cento focados no desporto. A vida de uma atleta também tem prazo de validade. Metade do dia a dia é dedicada ao atletismo e a outra metade tem que ser dedicada a algo que também nos satisfaça.

SD: A pandemia da COVID-19 que motivou as paragens das competições mexeu com a tua saúde mental?

E.V: Eu antes dos jogos tinha ido aos serviços académicos para congelar a matrícula e como estou sujeita a grande pressão, e às vezes tenho que deixar tudo para a última já não consegui congelar a matrícula. E um mês depois disso, surgiu a pandemia, as competições foram canceladas. Mas nós também não poderíamos perder completamente a forma, porque também não sabíamos quando tempo iria durar [o lockdown]. Eu acordava, ia treinar, mas depois também não podia ir a lado nenhum, estava em casa. E se eu tivesse congelado a matrícula não poderia ter feito aulas online e aproveitado para fazer as cadeiras que fiz. O que é facto é que não estávamos habituadas àquela realidade e a pandemia fez com que as pessoas tivessem que estar atentas a essas pequenas coisas.

Felizmente consegui refugiar-me no estudos e na leitura que eu gosto, mas muitos atletas, não tinham a que se agarrar e foi complicado. Com a pandemia não sabíamos o que iria acontecer e claro que isso acabou por mexer muito comigo e com grande parte dos atletas.

SD: É importante um atleta ter uma vida para além do desporto até para se poder equilibrar a nível mental?

E.V: Se estivesse focada exclusivamente no desporto, não conseguiria ser feliz e gosto de fazer algo que me traz felicidade. É importante estar fora dos atletismo e convivermos com pessoas fora do meio. Eu não gosto muito de sair à noite, mas sair uma vez à noite não é mau. Claro que temos que escolher o momento. Mas gosto de estar com os meus amigos, e manter isso na minha rotina e arranjar tempo para estar com a família, com os amigos, com o namorado.

Vamos muitas vezes abdicar de um aniversário porque estamos em competição, ou de algum evento porque estamos em estágios. É importante percebermos o porquê de estarmos a faltar e não nos deixarmos influenciar. É pensar que: 'Eu não estou lá por um motivo porque também sou profissional e tenho que deixar muitas coisas para trás'. Percebemos que muitas vezes vamos abrir mão de algo que para nós também é importante.

"Como profissionais que somos percebemos que muitas vezes vamos abrir mão de algo que para nós também é importante"

SD: Ganhaste medalhas nos Jogos Mundiais Universitários, já participaste em Mundiais, Europeus e Jogos Olímpicos, é difícil um atleta não se iludir quando está na crista da onda? 

Existe um bocadinho de ilusão, mas há que colocar os pés bens assentes na terra, porque um ano pode ser muito bom e o outro pode não ser nada de especial. Não podemos descansar à sombra da bananeira e a pressão que existe na competição acaba por nos manter equilibrados. Mas lá está, todos temos personalidades diferentes, e autoestimas diferentes, varia de atleta para atleta. É fácil quando ganhamos, temos todas as pessoas à nossa volta, e acabas por não tirar muita aprendizagem, o problema é quando tu perdes, ou quando a expetativa era alta e as coisas não correspondem às tuas expetativas. É nesses momentos que se veem os grandes atletas, os que se conseguem levantar perante as dificuldades, manter a cabeça alta e seguirem em frente. Quando as coisas nos correm mal, só contamos com a nossa equipa e assim vê-se a mentalidade de cada atleta.

SD: Às vezes podes simplesmente não estar no teu dia. Certo?

"Simplesmente pode não ser o teu dia ou porque acordaste mal, ou simplesmente não é o teu dia. E a frustração é grande, são quatro anos deitados fora. Porque naquele dia tinha que estar bem e não estive. É muito complicado, vivemos a nossa dor, mas depois começamos a pensar nas próximas competições.

"Simplesmente pode não ser o teu dia e a frustração é grande, são quatro anos deitados fora"

SD: Fizeste grandes resultados com o ouro (triplo salto) e a prata (salto em comprimento) em Nápoles em 2019, que é que recordas dessa competição?

E.V: Não senti grandes diferenças, até porque grande maior parte dos atletas que participa nos Jogos Mundiais Universitários participa nos Mundiais e Europeus. Eu equiparo  a competição a um Campeonato da Europa. Gostei muito da experiência, pelo facto de também termos contacto com outras modalidades e outras realidades, à semelhança do que acontece nos Jogos Olímpicos, e é importante porque conseguimos retirar aprendizagens.

SD: Quais são as tuas expetativas para estes Jogos Mundiais Universitários?

E.V: Queremos sempre tentar fazer o melhor e trazer uma medalha, mas temos que nos preocupar com as coisas que conseguimos controlar. O que me compete a mim é chegar lá saudável, treinar o melhor possível e dar o meu melhor nesse dia. Não posso dizer que vou trazer uma medalha porque não é algo que depende só de mim. Se eu chegar lá e fizer uma boa marca, tenho que ficar feliz, com ou sem medalha. Há mais objetivos, mas gosto de ganhar e trazer medalhas.

"Se eu chegar aos Jogos Mundiais Universitários e fizer uma boa marca, tenho que ficar feliz, com ou sem medalha"

SD: Há colegas teus que foram lá para fora para poderem conciliar de uma melhor forma a vida desportiva com a Académica. Em Portugal é mais complicado?

E.V: Nem sempre é fácil, quando estamos em competição temos que justificar as faltas e nem sempre a convocatória para as competições chega, temos que apresentar mais justificações. Mesmo sendo profissional, não acho que tenha uma vida facilitada e por vezes não é fácil, mas tudo se consegue, com vontade. Se calhar se tivéssemos um sistema semelhante aos Estados Unidos teríamos certamente muito mais estudantes-atletas, porque chega uma altura em que muitos acabam por desistir. Eu treino e estudo em Leiria e vivo a cinco minutos do estádio onde treino e demoro 10 minutos a chegar à Universidade. Se estivesse em Lisboa não seria a mesma coisa.

SD: Estás com 27 anos, ainda tens vários anos de carreira pela frente. Que objetivos queres ainda alcançar? Passar os sete metros no salto em comprimento, conquistar uma medalha olímpica?

E.V: A marca dos sete metros era algo que gostaria muito de alcançar e todos sonhamos com medalhas, e vou acreditar sempre até ao fim que será possível.