A portuguesa Auriol Dongmo revalidou hoje o título europeu do lançamento do peso em pista coberta, em Istambul, onde Jessica Inchude foi quarta classificada.

A campeã do mundo ‘indoor’ defendeu a medalha de ouro conquistada em Torun2021, conseguindo 19,76 metros - e a melhor marca mundial do ano, na sua terceira tentativa, enquanto a sua companheira no Sporting lançou o engenho a 18,33, no seu quarto ensaio, arrebatando o quarto lugar.

A alemã Sara Gambeta, com 18,83, e a sueca Fanny Roos, com 18,42, arrebataram as medalhas de prata e bronze, respetivamente, destronando Inchude, que conseguiu 18,33.

Dongmo, de 32 anos, começou o concurso com 19,63, seguindo com 18,68 até lançar alcançar os 19,76 que lhe valeram o segundo título europeu consecutivo. Depois de um nulo no quarto lançamento, concluiu a competição com 19,38 e 19,62.

Jessica Inchude, de 26 anos, estreou-se em Campeonatos da Europa com o quarto lugar, ao conseguir 18,33 metros, na sua quarta tentativa.

Com o ouro de Dongmo, Portugal a somar 28 medalhas em Europeus 'indoor', 17 de ouro.

Uma devota de Fátima recuperada da “coisa mais horrível da vida” em Tóquio2020

Auriol Dongmo subiu hoje ao lugar mais alto do pódio dos Europeus de pista coberta, recuperada da "coisa mais horrível da vida" em Tóquio2020.

Em agosto de 2021, na capital nipónica, o quarto lugar, a cinco centímetros de uma medalha olímpica, tinham levado a portuguesa a declarar aquela a pior coisa por que tinha passado, mas a tendência para dominar as adversárias na sua especialidade não abrandou.

A lançadora, natural de Ngaoundéré, nos Camarões, naturalizada portuguesa em 2019, tinha explicado, após esse desgosto, que “não há promessas”. “Não é cumprir se me der 'x', é a santificação do dia a dia", admitindo a tristeza com o desfecho da competição.

"Tudo o que acontece na nossa vida é porque Deus quer. Não posso ficar chateada com Deus, estou um bocadinho triste, com certeza, mas vai ser Ele que me vai dar forças para avançar", assegurou então.

E avançou, com a mesma fé em Deus, e devoção a Nossa Senhora de Fátima, que a acompanharam num arranque de 2022 em que bateu sucessivamente o recorde nacional e estabeleceu as melhores marcas mundiais do ano – em Belgrado, reforçou esse estatuto, com 20,43 metros, recorde pessoal e nacional.

A barreira dos 20 metros, essa, já há muito estava estabelecida como objetivo para trazer redenção a “muitos sacrifícios” que teve de fazer, Auriol e família, mais o treinador, para vingar na Europa, e hoje parecia ‘uma ninharia’, com quase meio metro de avanço no melhor ensaio.

A fé foi um dos motivos para tentar a sorte de rumar a Portugal, altura em que abdicou de representar os Camarões em 2017, depois de ter sido 12.ª no Rio2016, em oposição contra a falta de cultura desportiva no país africano.

Nessa altura, já era bicampeã africana e recordista nacional, com 18,37 metros, uma marca alcançada em 03 de junho de 2017, à qual juntou o recorde português em 25 de janeiro de 2020, que tem reforçado a passos seguros.

Oriunda de uma família católica, cedo ouviu falar nas aparições de Fátima, e na perspetiva de prosseguir a carreira em Portugal contactou o Sporting através das redes sociais. Acabou por assinar pelos ‘leões’ e rumar em março de 2017 a Leiria, onde ficou mais perto de Fátima e foi mãe, em junho de 2018.

“Agora tenho uma motivação extra para lutar não só por mim, mas também pelo meu filho. Fez de mim mais resiliente e mais focada no meu desejo de alcançar melhores resultados”, afirmou, em entrevista à World Athletics.

Em Portugal, passou a ser treinada por Paulo Reis, que a tornou praticamente imbatível: ganhou 16 das 17 provas que disputou em 2020 e seguiu a bom ritmo até Tóquio2020, em que não venceu, como em Torun, na Polónia, nos Europeus de pista coberta.

Aí, há pouco mais de um ano, em 04 de março, lançou 18,55 para assegurar para Portugal o primeiro título feminino em lançamentos em Europeus.

“Olhei para ela [a sueca Fanny Roos, medalha de prata após bater o recorde nacional com um lançamento de 19,29 metros], e para a marca, e disse para mim: ‘Auriol, o primeiro é o teu lugar, não é de mais ninguém', e lancei com isso na minha mente”, contou, na altura, a atleta, citada pela Federação Portuguesa de Atletismo (FPA).

Após o triunfo, lembrou o filho e o treinador, Paulo Reis, que fez “muitos sacrifícios” para a colocar no topo, tendo anteriormente assumido o objetivo de chegar aos 20 metros, hoje cumprido em Belgrado, aos 31 anos, por um país que abraçou, e que a abraçou.

“Eu amo o país e as pessoas. Desde que cheguei em 2017 toda a gente tem sido muito boa para mim”, vincou Dongmo, na entrevista à World Athletics.