Delmino Pereira admite que o processo de credibilização do ciclismo demorará oito anos, exortando a uma mudança de mentalidade da comunidade, após o escândalo W52-FC Porto e os casos de passaporte biológico terem abalado a imagem da modalidade.

“Às vezes, até dá jeito a certos países apontar o dedo ao ciclismo português. Na verdade, nós também já temos vedetas e campeões, temos sucesso desportivo. Muitos países até nem gostam muito de um país pequenino como nós ter sucesso desportivo, e têm esta tendência de apontar o dedo ao ciclismo português. Tomámos as medidas que temos de tomar. A comunidade tem de mudar, mas demora o seu tempo. Vai demorar oito anos”, antecipou o presidente da Federação Portuguesa de Ciclismo (FPC).

Em entrevista à agência Lusa, o antigo ciclista assumiu que o projeto de credibilização do ciclismo nacional é “a oito anos, e os corredores portugueses têm de mudar o seu método de correr, de treino e de trabalho”.

“Temos de adotar as técnicas e as formas de preparação que foram adotadas em todo o mundo. Hoje, trabalha-se muito mais, e temos um ciclismo muito mais aberto, muito mais espetacular, e eu gostaria que isto ainda acontecesse a Portugal”, reforçou.

Os recorrentes problemas de doping no pelotão nacional são um tema inevitável no balanço dos três mandatos de Delmino Pereira à frente da FPC, com o dirigente a reconhecer que o escândalo W52-FC Porto “abalou” a imagem da modalidade.

“Estamos aqui a falar de um processo com contornos únicos. Mas também é uma oportunidade de ‘arrumarmos’ o ciclismo e termos aqui um conjunto de medidas, que já colocámos em prática. Esta é uma oportunidade de a modalidade dar a volta por cima. É preciso perceber que o ciclismo mundial, há 10 anos, estava também nesta crise sem precedentes e agora está a viver momentos de grande euforia, de grande beleza, de grande paixão, de novo. Isto também tem de acontecer em Portugal”, defendeu.

Para o presidente da FPC, a credibilização do ciclismo “depende da comunidade” velocipédica.

“Nem sequer estou a apontar o dedo a ninguém, estou a dizer que […] não é justo que se hipoteque o futuro de tantas e tantas crianças que sonham ser corredores. […] E isto é a responsabilidade dos ciclistas e das gerações atuais”, prosseguiu.

Questionado pela Lusa sobre a necessidade de haver uma ‘limpeza’ no pelotão português, nomeadamente nas estruturas das equipas, Pereira concedeu que, “no caso do ciclismo, muitas vezes não mudam os treinadores e os dirigentes, que ficam muitos anos”.

“Temos de ter uma filosofia de tolerância zero ao doping. O facto de nós termos implantado, com muita coragem, uma medida sem precedentes na história do ciclismo, [a] de implantarmos o passaporte biológico a todos os corredores profissionais, é um caminho que tem que ser continuado. Quem tiver disponibilidade para aderir e seguir este caminho, tem lugar no futuro do ciclismo. Quem não tiver esta disponibilidade de forma séria e honesta, não tem lugar”, argumentou.

Na sexta-feira passada, a FPC renovou o protocolo estabelecido com a Autoridade Antidopagem de Portugal (ADoP), que estendeu à totalidade dos corredores das equipas continentais portuguesas o passaporte biológico. Vários nomes importantes do ciclismo nacional ‘caíram’ devido a este protocolo, mas Delmino Pereira garante não estar arrependido da implementação desta medida.

“Tínhamos noção de que isso poderia acontecer. A intensidade com que se começaram a fazer controlos nos últimos dois anos poderia levantar esse risco e, por isso, eu digo que esta medida foi um ato de coragem. Somos o primeiro país no mundo que faz isto. Nenhum país no mundo tem passaporte biológico, digamos, no ciclismo de terceira divisão. E, portanto, isto é um ato de coragem, até porque nós tínhamos uma noção de que o trabalho, mesmo na ADoP, também não tinha sido feito como devia ter sido feito. E, então, houve aqui abusos”, analisou.

Contudo, o presidente da FPC reconhece que “é um pouco injusto” que os ciclistas estejam agora a ser castigados por “anomalias” que “são todas anteriores” à entrada em vigor do protocolo, em 2023.

“[Os resultados] dão a entender que os corredores mudaram os seus comportamentos, aderiram à alteração de comportamentos em massa, mas, efetivamente, a lei permite que se possa ir até 10 anos, e temos estes problemas que têm surgido anteriormente, mas isto faz parte do processo. Custa-me, porque sei que os corredores também não tiveram a culpa toda. Houve erros de muitas partes e custa-me ver os corredores a serem assim castigados”, afirmou.

Para Pereira, é preciso “continuar a credibilizar” a modalidade, até porque “as marcas estão mais confortáveis com este novo método de trabalho”.

“Fomos a primeira modalidade a ter problemas de dopagem, mas somos a modalidade que mais enfrenta o problema e que está em condições de ser a primeira a sair deste tipo de problemas”, concluiu.