Lance Armstrong passou de herói a vilão maior do ciclismo, após um processo da Agência Antidopagem dos Estados Unidos ter revelado a sua participação no «programa de dopagem mais sofisticado da história do desporto», hoje admitido pelo próprio.

As suspeições eram antigas. Nasceram praticamente ao mesmo tempo do que a lenda, começada a construir com a primeira das sete vitórias consecutivas do norte-americano no “Tour” (seria rei entre 1999 e 2005, ano em que se retirou pela primeira vez), mas nunca nenhum controlo confirmou o envolvimento com doping.

Foi preciso esperar pela segunda reforma do homem que venceu o cancro para que as acusações tivessem fundamento num relatório de 164 páginas, fora anexos, que sustentam a decisão da Agência Antidopagem dos Estados Unidos (USADA) de irradiar Lance Armstrong e retirar-lhe todos os resultados desportivos a partir de 1998.

Nele estão compilados testemunhos de 26 pessoas, 11 dos quais antigos colegas, que comprovam a existência do «programa de dopagem mais sofisticado do desporto», uma intrincada rede, liderada pelo texano em parceria com o diretor desportivo belga Johan Bruyneel e com o médico italiano Michele Ferrari, que «obrigava» outros ciclistas a dopar-se.

O relatório ordena cronologicamente os acontecimentos, apresentando, ano após ano, casos concretos de recurso a métodos e substâncias proibidos, baseados em relatos das testemunhas.

Entre os episódios mais destacados estão a suposta admissão do recurso ao doping por parte de Armstrong, num hospital no Indiana, onde estava a ser tratado na sequência de um cancro nos testículos (1996), um alegado positivo por EPO na Volta a Suíça de 2001, que foi ocultado pela União Ciclista Internacional (UCI), transfusões sanguíneas durante o Tour e alterações nos dados do passaporte biológico nas épocas posteriores ao seu regresso à competição, em 2009.

As provas levaram a UCI a confirmar as sanções aplicadas em agosto pela USADA, que irradiou aquele que era o recordista de triunfos no Tour e anulou os resultados da maior parte da sua carreira (entre 1998 e 2005 e entre 2009 e 2011, o período do regresso), deixando em branco os palmarés das provas correspondentes para assinalar «um período obscuro» no ciclismo.

O mito caiu e com ele caíram mais do que os aspetos desportivos. O homem com a aura de sobrevivente e de incrível desportista viu os patrocinadores abandonarem-no um a um, foi obrigado a abdicar da presidência e do envolvimento com a Livestrong, a fundação que criou, e sentiu o dedo acusador dos seus pares – Bradley Wiggins foi particularmente incisivo ao compará-lo com o Pai Natal.

O efeito dominó levou-a perder chaves de cidades, graduações concedidas por universidades. Foi apagado do sítio do Tour, considerado o maior antidesportivo do ano pela Sports Illustrated, obrigado a pagar indemnizações a quem uma e outra vez lhe concedeu prémios monetários pelos seus feitos desportivos.

A tudo respondeu com duas armas: o silêncio – o seu advogado chegou a “ameaçar” que a sua verdade seria testada num detetor de mentiras - e o twitter, rede social em que publicou uma fotografia em que aparece com as suas sete camisolas amarelas da Volta à França, com a legenda «De novo em Austin e apenas sentado».

Até hoje, dia em que, pela primeira vez, confessou para todo o mundo ter recorrido ao doping.