O céu ficou hoje ainda mais azul para Victor Campenaerts, que cumpriu o sonho de qualquer ciclista, ao ganhar a 18.ª etapa da Volta a França, após superar momentos difíceis que culminaram no adeus à Lotto Dstny.

A vitória do antigo recordista da hora foi um ‘tratado’ na bicicleta e fora dela: primeiro, o belga foi suficientemente calculista para aguardar pelo momento certo para iniciar o sprint com que ‘derrotou’ o francês Mattéo Vercher (TotalEnergies) e o polaco Michal Kwiatkowski (INEOS), dois dos inúmeros companheiros de fuga, e, depois, ‘ofereceu’ a melhor entrevista e talvez até o momento mais emotivo desta edição da prova.

“Ganhar uma etapa no Tour é o sonho de toda a gente. Não sou um ‘neo-pro’, faço isto há muito tempo. Depois das clássicas, passei momentos muito difíceis. Tinha um acordo verbal com a equipa para prolongar o contrato e fui ignorado por muito tempo. Foi muito difícil, estive a estagiar sozinho em altitude, mas a minha namorada esteve lá e apoiou-me todos os dias. Tive dificuldades em acabar os meus treinos, mas, depois, mudei de ideias. Ainda tenho um futuro brilhante no ciclismo. Fui pai e o céu passou a estar azul”, confessou.

Gustaaf, nascido em 08 de junho, no sopé de Serra Nevada, mudou o estado de espírito de Campenaerts, que hoje, assim que cortou a meta, partilhou a vitória na ‘Grande Boucle’ com o filho recém-nascido e a namorada, numa videochamada que não lhe esgotou as lágrimas, ‘estendidas’ também à ‘flash-interview’.

Um dos grandes combativos do pelotão estreou-se, aos 32 anos, a ganhar na prova francesa, depois de ter vencido uma etapa no Giro2021, e, apesar do ‘desprezo’ que sentiu na pele após uma temporada de clássicas pouco conseguida, desfez-se em elogios à Lotto Dstny.

“Devido ao nascimento do meu filho, não fiz nenhuma preparação em corrida antes deste Tour, mas a equipa confiou que estaria em boa forma. Vou deixar a equipa, mas estou tão feliz por ter acabado com aquele que provavelmente é o ponto mais alto da minha carreira”, declarou o duas vezes campeão europeu de contrarrelógio (2017 e 2018), que, na próxima época, irá representar a Visma-Lease a Bike.

Hoje, a formação neerlandesa viveu uma jornada calma, pelo menos na luta pela geral, reservando para sexta-feira novo ataque de Jonas Vingegaard à liderança de Tadej Pogacar (UAE Emirates), que tem 3.11 minutos de vantagem sobre o dinamarquês. O belga Remco Evenepoel (Soudal Quick-Step) fecha o pódio, a 5.09, com o português João Almeida logo a seguir, a 12.57 do seu companheiro esloveno.

Os 179,5 quilómetros entre Gap e Barcelonnette, com cinco contagens de terceira categoria pelo caminho, representavam a última oportunidade para os fugitivos e, por isso, mais de três dezenas de corredores saltaram para a frente da corrida quando estavam decorridos quase 30 quilómetros, conquistando rapidamente uma margem suficiente para discutirem entre si a vitória na jornada.

Entre eles, além dos três primeiros, estavam o vencedor da véspera, Richard Carapaz (EF Education-EasyPost), Geraint Thomas (INEOS), Jay Hindley (Red Bull-BORA-hansgrohe), Wout van Aert (Visma-Lease a Bike), Michael Matthews (Jayco-AlUla) ou Oier Lazkano (Movistar).

A colaboração dos fugitivos foi tão perfeita que entraram na penúltima das subidas com uma vantagem superior a oito minutos. No entanto, o Côte des Demoiselles Coiffées selecionou o grupo, ‘missão’ também assumida por Kwiatkowski, o primeiro a destacar-se e a levar na roda Campenaerts e Vercher.

O trio isolou-se a mais de 30 quilómetros da chegada e não mais foi alcançado pelos seus numerosos companheiros de jornada, discutindo entre si a etapa, com a inteligência de Campenaerts, que até confessou ter “jogado sujo na fuga”, fingindo estar em dificuldades para não ter de trabalhar tanto, a predominar.

Quando a vantagem dos fugitivos superou os 16 minutos, a Lidl-Trek, do oitavo classificado Giulio Ciccone, a Israel-Premier Tech, do nono Derek Gee, e a Decathlon AG2R La Mondiale, do 11.º Felix Gall, assumiram a perseguição para evitar que Steff Cras (TotalEnergies) e Guillaume Martin (Cofidis) ultrapassassem os seus líderes na geral.

Assim, o pelotão cortou a meta 13.40 minutos depois do trio da frente, com todos os favoritos e também Rui Costa (EF Education-EasyPost) e Nelson Oliveira (Movistar), numa jornada tranquila que antecedeu a difícil 19.ª etapa, uma ligação alpina de 144,6 quilómetros entre Embrun e Isola 2000, que inclui duas contagens de montanha de categoria especial e uma de primeira, que coincide com a meta.