Do sonho à realidade. Foi assim o percurso do futsal feminino português nos últimos três anos. O que começou com um projeto criado no seio da Federação Portuguesa de Futebol culminou nos últimos quatro meses com uma medalha olímpica e um segundo lugar no primeiro Campeonato da Europa.

Foi em 2015 que se começou a construir o sonho que acabaria por dar a Portugal a primeira medalha de ouro em modalidades coletivas nuns Jogos Olímpicos. Em outubro do ano passado, a seleção sub-19 de futsal feminino alcançou um feito histórico no desporto feminino português e ‘provocou’ um crescimento exponencial no número de praticantes.

Caminhada gloriosa até ao Europeu feminino

Mas a história até começou a ser escrita um pouco antes da participação na prova olímpica. Em setembro de 2018, a seleção portuguesa feminina de futsal carimbou a presença no primeiro europeu da modalidade, ao vencer por 3-1 a Finlândia, assegurando assim o primeiro lugar do grupo.

Histórico! Seleção feminina de futsal assegura presença no primeiro campeonato europeu da categoria
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Na altura, Jenny e Cátia Morgado marcaram os golos lusos na primeira parte, que acabou com as comandadas de Luís Conceição a vencer por 2-1, e a guarda-redes Ana Catarina faturou na segunda metade, na última jogada do encontro, estabelecendo o resultado final em 3-1.

Cerca de um mês depois foi tempo da seleção de futsal feminino sub-19 brilhar na Argentina e trazer para Lisboa a medalha de ouro, depois de vencer na final o Japão por 4-1. Um dos mentores desta conquista é o selecionador nacional Luís Conceição. Em entrevista ao SAPO Desporto, o técnico conta como tudo se começou a desenhar em 2015 e qual o segredo para a conquista da medalha em Buenos Aires:

“O segredo foi uma visão que se teve há três anos atrás quando surgiu a primeira ideia de podermos participar nos Jogos Olímpicos de Buenos Aires em 2018. Em 2015 arrancámos logo com a seleção nacional sub-17, com uma equipa que era composta por jogadoras sub-14, sub-15 e sub-16. Em 2016 e 2017 a UEFA lançou torneio de desenvolvimento. Nós fomos para esse torneio com seleções bastante jovens, algumas delas com idades inferiores

Seleção feminina de futsal sub-19 conquista ouro nos Jogos Olímpicos da Juventude
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para competir nesses torneios, mas o nosso pensamento foi ‘vamos apostar nesta geração, vamos pensar no futuro para que em 2018 possamos chegar à Argentina e competir ao mais alto nível’. Outras seleções pensaram no imediato para ganhar os torneios de desenvolvimento, mas a nossa visão não era essa, era chegar aos Jogos Olímpicos com as mesmas atletas, a trabalhar juntas durante três anos”, começa por contar Luís Conceição.

"Os três anos anteriores. Aí é que esteve o segredo do sucesso" - Luís Conceição
Luís Conceição
Luís Conceição O selecionador de futsal feminino Luís Conceição créditos: FPF

“Depois chegámos aos Jogos Olímpicos e assim que iniciámos a prova percebemos que podíamos chegar à final e vencê-la. Nós estávamos num grupo, e a Espanha noutro. Os jogos foram acontecendo, nós fomos trabalhando, fomos acreditando, fomos ganhando. Passámos a fase de grupos em primeiro lugar, o Japão que era do nosso grupo defrontou a Espanha nas meias-finais e acabou por vencer a seleção espanhola. Na final voltámos a reencontrar o Japão e aí, depois de vermos todas as seleções a jogar, sentimos que íamos ganhar”, prosseguiu.

“A primeira conversa que tivemos depois do jogo com a Bolívia foi: “amanhã vai ser nossa”. E não nos enganámos muito. Fizemos um torneio espectacular. O grande segredo não foram os Jogos Olímpicos, mas os três anos anteriores. Aí é que esteve o segredo do sucesso”, sentenciou.

"Fizemos um torneio espetacular" - Luís Conceição

Fifó, a estrela que deslumbrou na Argentina

Neste grupo de campeãs olímpicas estava Ana Sofia Simões Gonçalves, conhecida dentro da quadra como ‘Fifó’. A jovem de 18 anos brilhou nos Jogos Olímpicos da Juventude, e foi a melhor marcadora da prova, com 21 golos nos seis jogos que conduziram a equipa das Quinas ao Ouro Olímpico.

Jogos Olímpicos da Juventude
Jogos Olímpicos da Juventude Fifó e a medalha de ouro conquistada na Argentina créditos: Kevin C. Cox - FIFA/FIFA via Getty Images

“Provavelmente foi a minha conquista mais importante até agora. Sabíamos que ia ser difícil. Primeiro não estávamos no nosso país, tínhamos de nos habituar aos horários, à comida, a tudo. Sabíamos que ia ser uma competição diferente, com uma dimensão diferente de todas as outras, mas que seria muito importante. Nós tínhamos bem traçado o nosso caminho, sabíamos o que todas queríamos e o que ambicionávamos que era o ouro, e felizmente conseguimos sair da Argentina com a medalha de ouro ao peito”, vincou a futsalista, que apontou os quatro golos na final:

“Obviamente que vai ser um momento inesquecível. Fiquei contente pela conquista, e ainda mais por ter contribuído para a minha equipa. Não escondo que fiquei contente por conseguir marcar os quatro golos, mas o mais importante disto tudo é que nós, como equipa, conseguimos trazer a medalha de ouro”, recorda a atleta portuguesa, que este ano ficou em terceiro lugar na lista de melhor jogadora do mundo.

Além de ter conquistado o primeiro lugar do torneio de futsal feminino, a Seleção Nacional Sub-19 foi distinguida em várias categorias: melhor ataque (57 golos marcados, dos quais 21 tiveram a assinatura de Fifó), melhor defesa (apenas cinco tentos sofridos pelas guarda-redes Marta Costa e Jéssica Martins) e ainda ganhou na categoria de Fair Play, pela folha disciplinar limpa.

A equipa portuguesa terminou o torneio invicta, somando vitórias nos cinco encontros disputados. Na fase preliminar, derrotou o Chile (15-2), a República Dominicana (14-0), os Camarões (6-0) e o Japão (2-0), para, já nas meias-finais, bater a Bolívia por 16-2, e, na final, o Japão por 4-1.

O regresso a Lisboa depois da vitória na Argentina contou com um banho de multidão no Aeroporto Humberto Delgado. Enquanto esperavam pela saída da comitiva na zona das chegadas do aeroporto, sobretudo familiares e amigos dos atletas, cantaram o hino nacional e exibiram cartazes de apoio com fotografias.

“[Conquista do ouro] Tem um significado muito grande, já sonhávamos com isto desde há três anos, desde que soubemos que vínhamos aos Jogos Olímpicos da Juventude. É um sonho tornado realidade. Estamos muito felizes e é um orgulho enorme para cada uma de nós”, disse na altura aos jornalistas Telma Pereira, capitã da equipa de futsal.

"[Conquista do ouro] Tem um significado muito grande, já sonhávamos com isto desde há três anos" -Telma Pereira
Chegada das campeãs olímpicas a Lisboa
Chegada das campeãs olímpicas a Lisboa Aeroporto de Lisboa encheu-se para receber as campeãs olímpicas em outubro do ano passado créditos: FPF

“Sem dúvida que os quatro [golos] da final são aqueles que nunca mais vou esquecer, porque é uma final. Mas todos eles foram importantes para o caminho até à final da nossa seleção e conseguirmos o ouro. Fico muito contente por contribuir com golos, mas o mais importante é que conseguimos o objetivo que tanto desejávamos. Fazemos isto pelo amor que temos à camisola, não pelo dinheiro que ganhamos ou não. Não há mais nada que nos dê tanto gozo como jogar futsal. Jogamos sempre para ganhar”, frisou, por outro lado, Fifó.

"Fazemos isto pelo amor que temos à camisola, não pelo dinheiro que ganhamos ou não" - Fifó

À chegada a Lisboa, o selecionador Luís Conceição revelou que o foco e o compromisso foram as chaves para o sucesso na final: “Muito compromisso e muito focadas desde o primeiro dia. Praticamente desde há três anos. Ao longo de todo este trajeto mantivemos o foco naquilo que queríamos e, quando entrámos na fase decisiva da competição, ainda mais. Não é fácil, num ambiente que é dos Jogos Olímpicos da Juventude, conseguirmos manter estas 10 atletas focadas naquilo que era o nosso dever, que era competir, que era ganhar.”

O selecionador destacou ainda a forma como as atletas encararam a competição, sempre com ambição de quererem ganhar: “O segredo está no foco, no compromisso, na ambição de querermos ganhar. À partida estaríamos entre as candidatas, e à medida que o torneio se foi desenvolvendo, fomos conhecendo os adversários, sentimos que a amarelinha tinha de ser nossa.”

"Sentimos que a amarelinha tinha de ser nossa" - Luís Conceição

Os preciosos conselhos dos campeões europeus

Fechado o capítulo dos Jogos Olímpicos da Juventude, houve que mudar o foco para o Campeonato Europeu de futsal feminino. Foi entre os dias 15 e 17 de fevereiro que Portugal recebeu a primeira edição desta competição.

Até então só havia o Mundial, com a designação de Torneio Mundial. Portugal até tem tido boas prestações nesta competição, embora nunca tenha ganho. As portuguesas foram finalistas vencidas em 2010, 2012 e 2014, e levaram para casa o bronze em 2011. Registaram-se, ainda, dois quartos lugares em 2013 e 2015.

Mesmo antes do início da competição, a seleção portuguesa contou com os sábios conselhos de quem já passou por estas andanças. A seleção masculina, que foi campeã da Europa em 2018, esteve no estágio das jogadoras lusas em Rio Maior, numa iniciativa promovida pela FPF.

“O objetivo da Federação, e é de louvar a iniciativa deles, era proporcionarmo-nos momentos com eles que tinham sido campeões da Europa, e também trocarmos experiências, fazermos questões sobre como é que se sentiram deste modo, como é que viveram e como foi a experiência no Campeonato da Europa. Nesse sentido foi muito boa a iniciativa da Federação. Quanto aos jogadores, eles mostraram-se sempre muito disponíveis, mandavam-nos mensagens de incentivo”, sublinhou a guarda-redes Ana Catarina.

Participação no Europeu de futsal

A seleção portuguesa tinha assegurado a presença entre as quatro melhores seleções da Europa ao vencer o Grupo 4 da fase principal de qualificação, com três vitórias em igual número de jogos, frente à República Checa (12-0), Finlândia (3-1) e Sérvia (11-0). Já na final-four, a equipa lusa assegurou a presença no jogo decisivo da prova graças à goleada por 5-1 imposta à Ucrânia, no mesmo dia em que a seleção espanhola bateu a Rússia, também de forma categórica, por 5-0.

No jogo decisivo, a sorte não sorriu às portuguesas e a Espanha conquistou o primeiro Europeu feminino de futsal, ao derrotar Portugal na final por 4-0, em partida disputada no Pavilhão Multiusos de Gondomar, concluindo a fase final sem sofrer qualquer golo.

Luís Conceição sublinhou que o primeiro objetivo era chegar à final-four, mas salientou também que, por vezes, há factores durante um jogo que um treinador não pode controlar.

"Desde o primeiro momento que chegar à final-four era o nosso objetivo, e esse foi atingido. Mas, há variáveis do jogo que um treinador não consegue controlar. Quando as nossas jogadoras mais experientes têm ações iniciais que não são felizes, falham passes e receções, ficamos logo com indicação que as coisas podem não ser favoráveis para nós", disse o técnico.

"Desde o primeiro momento que chegar à final-four era o nosso objetivo, e esse foi atingido" - Luís Conceição

Quanto ao que correu mal, Luís Conceição explica que o mediatismo foi prejudicial às suas atletas. "Nas últimas três semanas, mas principalmente na última semana, houve muita visibilidade para o futsal feminino e o pavilhão estava cheio, elas não estão habituadas a isso", justifica Luís Conceição, acrescentando que jogar em casa "por vezes dá-nos muita força e ajuda-nos a ultrapassar alguns momentos do jogo, mas por outro também cria momentos de ansiedade e tira lucidez naquilo que tem de ser feito."

Apesar do resultado desnivelado, o selecionador nacional garante que a sua equipa não é inferior à vizinha Espanha. "O resultado não espelha a diferença que existiu no próprio jogo, nem entre as duas equipas. Só nesta época já fizemos quatro jogos com Espanha, elas venceram dois encontros e nós outros dois, todos eles pela diferença de um golo. Esta foi a derrota que sofremos por maior diferença de golos. Eu penso que a Espanha foi feliz em certos momentos do jogo, o que espelha o resultado desnivelado, mas não espelha a diferença que existe entre as duas seleções”, salientando que “o estado psicológico [das jogadoras] foi determinante para não termos vencido este jogo”.

"O resultado não espelha a diferença que existiu no próprio jogo, nem entre as duas equipas" - Luís Conceição

Do lado das jogadoras, tanto Ana Catarina como Fifó salientam que a derrota teve um sabor amargo, perante um pavilhão recheado de adeptos portugueses.

“Sabor amargo sente-se sempre se quando perde. Quando se perde em casa com um pavilhão cheio de gente, com o primeiro-ministro a assistir nas bancadas, com uma grande audiência televisiva claro que fica um sabor amargo maior ainda”, disse a guarda-redes portuguesa, opinião corroborada por Fifó, colega de equipa da guarda-redes no Benfica.

“Saímos um pouco desiludidas com nós próprias. Sentimos que a equipa deu tudo o que tinha, mas cometemos erros de início que não se podem cometer e que foram prejudiciais no nosso percurso. Depois foi difícil conseguir recuperar o resultado. Fomos sempre atrás da desvantagem, mas, infelizmente, já não conseguimos”, sustentou a jogadora de 18 anos.

"Sabor amargo sente-se sempre quando se perde" - Ana Catarina

Ainda assim, quer Luís Conceição, quer Ana Catarina e Fifó fazem um balanço positivo da participação da equipa portuguesa no Europeu, tanto na fase de qualificação como na fase final.

"Fizemos uma primeira fase do apuramento fantástica, sofremos um golo em três jogos, nas meias-finais encontrámos a Ucrânia e vencemos de forma esclarecedora. Temos feito uma grande aposta no futsal feminino, temos criado todas as condições possíveis para que elas possam desenvolver o seu trabalho da melhor forma possível, isso veio dar-lhes outras capacidade", disse o selecionador

“A participação acaba por ser positiva no sentido em que somos vice-campeãs e que conseguimos uma boa média de golos. Mas acho que toda a gente ambicionava ganhar”, sublinha a guarda-redes.

Ana Catarina
Ana Catarina A guarda-redes Ana Catarina créditos: FPF

No entanto, Luís Conceição acredita que há ainda um caminho a percorrer: "Os momentos em que as jogadoras estão connosco não chegam, porque são uma mínima parte. Elas estão muito tempo com os clubes, elas são atletas dos clubes e a grande parte delas só estão connosco em estágios temporários."

Para contornar este obstáculo, o técnico considera que é preciso "aumentar semanalmente o nosso volume de treino porque as nossas atletas treinam poucas horas semanais. O nosso campeonato já é bastante equilibrado, mas acho que está na altura de dar o próximo passo que é aumentar o volume de treino. Isso vai ajudá-las a crescer. Se formos comparam o volume de treino as nossas atletas treinam metade em comparação com as espanholas."

"Acho que está na altura de dar o próximo passo que é aumentar o volume de treino" - Luís Conceição

Futuro para pelo Mundial Universitário e a nova seleção sub-21

Estas conquistas, segundo o selecionador, representam a aposta que a Federação Portuguesa de Futebol tem feito ao longo dos últimos anos, antevendo um futuro risonho para a modalidade.

“Toda esta aposta que a Federação fez, a formação de campeonatos, a criação de torneios inter-associações para as atletas mais jovens ajudou ao crescimento desta modalidade”, sublinhou Luís Conceição.

“O futsal é a modalidade que mais tem crescido nos últimos anos, em especial o feminino. É a modalidade coletiva com mais praticantes. Têm crescido imenso, e nós temos sentido isso logo a seguir aos Jogos Olímpicos, porque foi uma conquista histórica para o desporto feminino português. Nunca ninguém tinha conquistado uma medalha de ouro em modalidades coletivas, elas foram as primeiras de sempre”, acrescentou.

"O futsal é a modalidade que mais tem crescido nos últimos anos, em especial o feminino" - Luís Conceição

“O nosso caminho é continuarmos no topo. A FPF fez uma aposta enorme. Criámos condições para elas poderem participar em mais competições. Vamos marcar presença em mais finais, Jogos Olímpicos, Campeonatos da Europa e em Campeonatos do Mundo porque penso que o próximo passo tem de ser dado pela FIFA porque tem de avançar com um Campeonato do Mundo. O futsal feminino tem crescido imenso não só no nosso país, mas também a nível europeu. Esta primeira edição do Campeonato da Europa foi surpreendente para todos porque na primeira edição surgiram 23 seleções. Temos conhecimento de que já estão a surgir novas seleções em outros países que ainda não tinham apostado no futsal feminino. Isso vai ser importante para o crescimento do futsal”, vaticinou Luís Conceição, projectando ainda a criação da nova seleção nacional sub-21.

“Tivemos as jogadoras sub-19 que foram campeãs olímpicas que foi aposta da geração quando elas eram ainda sub-16 e sub-17. Tiveram três anos connosco a preparar os Jogos Olímpicos da Juventude. Na próxima época vamos avançar com a seleção nacional sub-21 feminina, e ficámos aqui com três seleções femininas que vão gerar mais momentos para que as atletas estejam connosco e para que compitam em competições internacionais que as vão ajudar a crescer. Este é um caminho correto para um dia chegarmos às finais e as coisas caírem para o nosso lado.”

"Queremos marcar presença na fase final e lutar pela conquista desse Mundial universitário" - Luís Conceição

Luís Conceição já pensa no futuro e aponta baterias à participação no Campeonato Mundial Universitário de Futsal do próximo ano : “A nossa visão para a seleção sub-21, que vai surgir no próximo ano, é o Mundial universitário que vai acontecer no verão de 2020. Queremos muito que esta seleção universitária tenha as jogadoras que participaram nos Jogos Olímpicos e mais algumas que tenham qualidade e que possam surgir. Queremos marcar presença na fase final e lutar pela conquista desse Mundial universitário.”