"Conquistar a Taça de Portugal com o Sporting Clube de Tomar é como se fosse um título Mundial". As palavras de Nuno Lopes, treinador dos nabantinos, são fortes mas definitivamente não são exageradas face à grandeza do feito inédito para uma cidade que respira hóquei.
Para erguer bem alto o troféu, o Tomar teve que ultrapassar FC Porto (meias-finais) e Sporting (final), na final-four da competição, duas das melhores equipas do Mundo. Apenas alguns dias depois os azuis e brancos conquistaram a liga europeia, o que só confere mais brilho à conquista do conjunto ribatejano.
8 de maio de 2023 – São 140 km que ligam Lisboa a Tomar. É percetível a alegria e a boa disposição que reina nas ruas da cidade, num clube que tem o hóquei como bandeira e alcançou o primeiro título em seniores em 108 anos de história. O dia 30 de abril vai ficar para sempre imortalizado na história do Sporting Clube de Tomar.
Os tomarenses começaram por derrubar o FC Porto por 5-3, para depois derrotarem o Sporting na final da prova rainha (1-3 nos penáltis, após 5-5 no final do prolongamento).
Importância da conquista
"Ganhámos uma Taça a FC Porto e Sporting, algo valorizado agora com a vitória do FC Porto na liga europeia, ainda por cima no jogo das meias-finais fomos inequivocamente melhores. Eliminámos duas das melhores equipas do Mundo, o que é algo notável", destaca o treinador.
Nuno Lopes: "Eu não sabendo o que é um título mundial, que só é conquistado por seleções, isto tem uma dimensão semelhante aqui em Tomar"
"Foi um jogo muito renhido que em certos períodos pensávamos que estava a fugir, mas havia sempre forças que nos conduziam a igualar o resultado. E depois nos penáltis, não é normal termos conseguidos faturar 75% das grandes penalidades, no hóquei em patins. Portanto a determinação dos atletas, a vontade, o querer, e a felicidade deram-nos este título que nós queríamos tanto. Trabalhámos para que isso pudesse acontecer e finalmente conseguimos trazer um título de dimensão nacional, no hóquei sénior para Tomar", nota Ricardo Cardoso, presidente do Sporting Clube de Tomar.
Com uma ligação ao clube de quatro décadas, como atleta, treinador e dirigente, Ricardo Cardoso tem impresso no ADN o Sporting Clube de Tomar. Na sua segunda passagem no clube como presidente, diz-se ligado de “alma e coração” ao emblema e mostra-se "disposto a continuar".
"É um pouco da vivência dos meus avós que tinham uma paixão muito grande pelo Sporting Clube de Tomar e parece que fui buscar essa energia a eles", relembra.
Agora o trabalho mais complicado será dar continuidade, após uma conquista que coloca naturalmente a fasquia mais alta e sobe a exigência dos adeptos
"Queremos que o clube continue a crescer, numa zona em que não é fácil ir buscar apoios. Vamos agarrar-nos à Taça, para consolidarmos projetos de sponsorização e de publicidade para ver se conseguimos crescer mais um pouco. Mas sabemos que ombrear com os clubes lá de cima não é fácil, as diferenças orçamentais são significativas, com a Oliveirense, o Óquei de Barcelos, já deixando de lado Sporting, Benfica e FC Porto. O investimento tem que ser feito no trabalho, nas condições de trabalho, melhorar as condições dos jogadores e vamos continuar a trabalhar nesse sentido. Achamos que estes grupos podem trazer mais alegrias à cidade e ao clube".
Combater os grandes emblemas da modalidade não é fácil. Para se bater de frente face ao orçamento várias vezes superior, o Sp. Tomar pode responder com trabalho e maior capacidade de organização. "As assimetrias para os grandes têm vindo a encurtar, fruto do trabalho que temos desenvolvido. Nesta situação da Taça de Portugal, com o apoio do nosso público e o alinhamento, culminou neste título, que é ímpar na história do clube e nos orgulha muito, e aos tomarenses e aos sócios do clube”, destaca.
Estas vitórias de clubes pequenos, fora dos grandes centros urbanos, também servem de grito de revolta e de motivação para quem vem de meios mais isolados. Mostram que também é possível fazer mais, dar um passo em frente, crescer e ter sucesso. "É importante passar a mensagem de que vale a pena tentar, porque eu também sou da província e é pelo empenho e pelo trabalho que podemos lá chegar e que isto sirva de inspiração para outros. Esta equipa é construída 100% de gente humilde, que vem de baixo, da província e todos que vêm da força do trabalho. É uma mensagem de crença e de luta é isso que queremos fazer", ressalva o treinador dos ribatejanos.
Em Tomar, o hóquei é vivido com toda a intensidade, não fosse a modalidade o desporto número 1 do Sporting Clube de Tomar. O pavilhão é assim motivo de romaria para os adeptos e sócios que normalmente enchem o recinto, uma força extra que empurra a equipa para os bons resultados.
"Em circunstâncias normais, é dos pavilhões mais cheios nos jogos de hóquei em patins. A população residente é grande, os resultados também vão trazendo mais gente. Muita gente não pôde assistir ao último jogo, porque o pavilhão [900 lugares sentados] não tinha capacidade para mais, porque se tivesse o dobro encheria na mesma com tomarenses e sócios. Continuará assim enquanto a equipa trabalhar a este nível e tiver os resultados que tem. São sempre ambientes quentes e de muito apoio que são essenciais para o sucesso da equipa”, destaca o presidente dos nabantinos.
A mudança de horários nos treinos que ajudou à mudança do paradigma
Foi há quatro anos, com a descida de divisão já consumada, que Nuno Lopes propôs uma mudança de paradigma que está agora a dar resultados: A alteração dos horários dos treinos para as manhãs.
"Foi um grande passo na evolução dos resultados do clube nas últimas épocas. Quando o Nuno chega a Tomar, nós praticamente tínhamos a descida consumada e caímos na segunda divisão. Depois veio a pandemia, conseguimos ultrapassar o playoff e regressámos à 1.ª divisão, e a partir daí consolidámos a nossa posição", recorda o líder do clube.
"Se olharmos para a história não há muitos clubes como o Sporting Clube de Tomar a ganhar títulos nacionais ou internacionais"
"O segredo deste processo esteve na mudança dos treinos para a manhã. No acordar e vir treinar. Essa mudança de mentalidade permitiu o desbloquear de acreditarmos que também conseguimos ganhar. No hóquei o nível está muito alto, e percebemos que era a nossa oportunidade e as coisas alinharam-se nesse sentido. Não vou esconder que não é preciso uma dose de sorte, que se procura pelo empenhamento e pelo trabalho. Acaba por ser saboroso deixar esta marca em Tomar."
Acabaram por ser um conjunto de pequenas coisas a contribuírem para o crescimento do Sporting Clube de Tomar, o que permitiram cimentar o clube na primeira divisão e criar condições para se almejar o tão desejado título.
O que motivou então esta melhoria? "Melhores condições de trabalho, melhor acompanhamento nos treinos, reforço orçamental na estrutura sénior do hóquei. Melhores condições de treinos, melhor acompanhamento no ginásio, na área da prevenção, temos dois fisioterapeutas de excelência a trabalhar connosco. Um treinador que sai do SC Tomar, vai para o Sporting e regressa com uma experiência diferente, com uma vontade enorme de ganhar coisas no clube e voltou a ser feliz em Tomar. Um conjunto de pequenas coisas que, todas juntas, já têm algum significado. Queremos reforçar as condições, mas sabendo que temos uma realidade que não podemos ultrapassar”, destacou.
Nuno Lopes é também um homem e um treinador diferente e que trouxe consigo o melhor da experiência de ter trabalhado num dos maiores clubes mundiais: "Já não ando à procura de grandes experiências e sou muito mais objetivo na forma da equipa jogar. E os jogadores têm que compreender a ideia, de outra forma não é possível", diz.
A base do Sporting Clube de Tomar assenta essencialmente na formação, num "grupo homogéneo e com jogadores que podem contribuir de forma diferente para o jogo". "Conseguimos fazer a inclusão do António Marante (guarda-rede de 21 anos), que nos dá algumas certezas em relação ao que é o futuro do clube. O Guilherme Silva esteve em Valongo e regressou. É um jogador muito importante. O Tomás [Moreira] que tem tido uma boa época. Apostámos num jogador altamente desequilibrador como é o 'Tato' Ferruccio. Veio de clubes de outra dimensão, preferiu dar um passo atrás para se consolidar mais um bocadinho. Tem-nos ajudado, nós também o temos ajudado a maturar alguns processos. Mas se há craque, ele é craque", destaca o dirigente.
Em relação à captação de jogadores jovens, o ideal será que a prática se desenvolva o mais cedo possível por se tratar de um desporto particularmente técnico.
Ricardo Cardoso: "Em Tomar respira-se hóquei e essa mensagem passa de geração para geração"
"O hóquei acompanha aquilo que é a realidade do desporto no mundo e no nosso país. É um desporto muito técnico, que compreende muitas técnicas, patinagem, manejo do stick. Quanto mais cedo a criança se adaptar à realidade da patinagem mais aprendizagens vai ter para o seu desenvolvimento", sublinha, destacando que é mais fácil em Tomar chamar mais jogadores jovens para o desporto. "O número de praticantes é fundamental para que os jogadores possam chegar à nossa equipa sénior."
Com currículo no Sporting, depois das vitórias na Taça CERS (2014/15) e na Supertaça António Livramento em 2015, Nuno Lopes chegou com outro tipo de ambições ao emblema tomarense na segunda passagem no clube.
Pela frente, o Sporting de Tomar tem novamente pela frente o Sporting nos quartos de final do playoff do campeonato, depois do clube tomarense ter batido os leões de Lisboa na final da Taça de Portugal. Apesar de reconhecer que a equipa não é favorita à conquista do título nacional, os últimos resultados dão esperança em relação ao que pode ser o futuro: "Sabendo que não somos favoritos para a conquista do título nacional, mas os resultados começam a aparecer e dão-nos a esperança de que consigamos fazer outros grandes jogos e também ‘quiça’ bater o pé novamente ao Sporting”, disse-nos de forma confiante.
Um dos jogadores em destaque na segunda final da Taça de Portugal disputada pelo clube (a outra tinha sido em 2017) foi Lucas Honório. O Sporting era claramente favorito, apesar dos renhidos encontros entre as duas equipas este ano. Depois do 8-6 no João Rocha e do empate em Tomar para o campeonato (4-4).
Nolito Romero inaugurou o marcador, mas Lucas Honório fez o empate na marcação de uma grande penalidade. Os nabantinos chegaram a estar em vantagem por 3-1, os leões ainda deram a volta ao marcador, mas o jogador que está cedido pelo Benfica viria a marcar o 5-5 que levou a partida para prolongamento, também de grande penalidade. Na marcação dos castigos máximos, os ribatejanos acabaram por triunfar depois de três grandes penalidades convertidas em quatro tentadas.
Lucas Honório assumiu estar a viver único depois de ter feito um 'bis' e contribuído para a vitória na Taça de Portugal do Sporting Clube de Tomar.
"Foi uma experiência muito boa. Pela primeira vez disputei uma 'final four' da Taça de Portugal ainda por cima com duas equipas muito boas, o FC Porto e o Sporting. Contra o FC Porto cumprimos tudo o que estava estipulado e na final, num jogo mais de coração, conseguimos cumprir, com uma ou outra nuance, mas acabou por cair para o nosso lado, e acabámos por ganhar. Estou muito feliz e acabou por ser muito positivo”, destacou o jogador de 20 anos, que não esperava vencer um título assim tão rapidamente no clube. "Não esperava ganhar aqui algo, também é importante para o meu crescimento, faz-me trabalhar mais, dá-me mais responsabilidade e deu-nos mais fome."
Lucas Honório sente-se em casa num clube que representa já há três temporadas: "Tem sido um percurso de muita aprendizagem, de muita luta, de persistência. O mister Nuno Lopes tem-me ajudado muito, está a ser muito positivo. Adoro as pessoas de Tomar, o clube e estou a gostar muito de jogar aqui."
"Saí do Benfica júnior, para ir jogar uma I Divisão, foi muito difícil, mas acabou por ser bom para mim, tive que crescer mais rápido"
Sem o regresso previsto para o Benfica, pelo menos para já, o avançado que é internacional pelas camadas jovens não se mostra preocupado em relação ao futuro: "Tenho trabalhado para corrigir algumas coisas e estamos aqui para continuar o trabalho. Feliz por ter tomado a decisão de vir para aqui e vamos ver o que a vida me reserva daqui para a frente”, destaca.
Esta temporada, o jovem internacional contabiliza 13 golos pela formação do Ribatejo.
Com presença nos quartos de final do playoff, triunfo na Taça de Portugal e presença garantida na Supertaça, este conjunto de resultados poderá ser o mote para a ambição que o clube tem para os próximos anos. A ideia irá passar por manter a estrutura, apesar das dificuldades para um emblema que não tem uma realidade 100% profissional.
"A ideia é manter a estrutura, todos os anos sai um ou dois, mas também vão entrar jogadores. Temos uma base de jogadores mais alargada. Era mais difícil trazer jogadores para Tomar há dois, três anos atrás. Hoje em dia é mais fácil devido ao sucesso que estamos a ter. Mas também é complicado para o clube, o custo de vida aumentou 30 por cento para toda a gente, está tudo muito mais caro e os clubes veem-se com dificuldades, porque não conseguimos captar investimento como os clubes grandes conseguem. Havendo mais investimento, temos pessoas que conseguem fazer algo de forma equilibrada e que dão esta estabilidade ao clube", atirou o técnico.
Orgulhoso pelo feito ao leme do Sporting Clube de Tomar, Nuno Lopes mostra-se feliz pelo legado e confessa que prefere mil vezes estar no banco do que outrora quando pegou no stick.
"Vou deixando a minha marca, para os meus, para que possam dizer: 'passou por ali alguém da minha família que fez algo extraordinário'. Vivo um pouco para isso, sem me meter em bicos de pés, e humildemente como treinador tenho conseguido. Fui jogador, mas pessoalmente gosto mais de ser treinador, sempre foi assim. Faltam-me dois títulos, o campeonato nacional e a liga europeia. Que mais títulos venham, que vou à procura deles", diz em jeito de presságio.
Quanto à possibilidade do clube poder chegar ao título nacional, como diz o poeta, o sonho comanda a vida.
"Dizer que somos favoritos, não o vou assumir. Mas a seguir vamos ter a Supertaça. Essa já está garantida, esse será o próximo título. Quando se ganha uma vez fica-se mais perto de se ganhar duas ou três. Queremos mais, mas sabemos que não é fácil, porque se fosse em 108 anos não teria acontecido só desta vez", finaliza.
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