Por estes dias, Hugo Vau vive momentos de alguma ansiedade. O surfista aguarda que a World Surf League confirme o que muitos esperam: O recorde do mundo para a maior onda alguma vez surfada: Cerca de 35 metros de altura.

Antes de Hugo Vau, Garrett McNamara tinha estabelecido um novo máximo, ao domar um 'gigante' de quase 24 metros. Acabou por ser o feito do havaiano a 'agitar as águas' e a colocar a pequena localidade piscatória nas bocas do mundo.

Com uma população na ordem dos 15 mil habitantes (números de 2011), a Nazaré passou de um local de turismo no verão para uma 'Meca' das ondas grandes.

Com a crise na indústria piscatória e o êxodo da população jovem, acabou por ser uma fotografia a 'incendiar' um lugar e colocá-lo como destino obrigatório dos amantes de ondas gigantes.

McNamara surfa onda gigante na Nazaré
McNamara surfa onda gigante na Nazaré créditos: Joao Pedro Rocha

Depois do recorde do havaiano Garrett Mc Namara, - que surfou a maior onda do mundo registada -, um monstro de 23,77 metros, no dia 1 de novembro de 2011, foram necessários sete anos para se voltar a vislumbrar novamente uma parede de água capaz de ombrear ou até superar a envergadura do cume de água cortado pelo havaiano.  Hugo Vau não tem dúvidas: Foi a maior onda de sempre no maior dia de sempre da Nazaré".

O dia em que Hugo Vau domou a besta

Quarta-feira, dia 17 de janeiro – Foi por volta das 16h00 da tarde, que o destemido Hugo Vau, rebocado pelo mota de água do Alex Botelho, agarrou a crista de 35 metros, atravessando com valentia uma imensa parede de água, confirmando assim um momento especial na vida do surfista de 40 anos.

Surfar um 'monstro' não faz parte do acaso do destino. É sim fruto de um trabalho de “amor à Praia do Norte” e de uma década a olhar para as previsões meteorológicas. Na noite anterior, Vau conta que ele e o companheiro de equipa, Alex Botelho, tiveram uma epifania de que o dia seguinte podia ser histórico.

“O que nós visualizamos foi o que aconteceu. Fizemos uma meditação. Na noite anterior juntámos todos. O Jorge Leal - o fotógrafo - a equipa de filmagem, o Marcelo Luna que também nos ajudou com o backup de segurança. Estava aqui toda a gente. No dia seguinte, puxei o Alex [Botelho] para uma onda e depois pensei que ele não tinha surfado a onda até ao fim. Quando o vi, mandei a minha mota para o lado e nem quis saber, dei-lhe um grande abraço - Estás aqui, estás vivo. - E logo a seguir saltei para a corda e ele puxou-me para aquela onda grande. E nós tínhamos visualizado surfar a onda bem até ao fim. As pessoas quando visualizam, a energia canaliza-se mais e as coisas acontecem”, disse.

Hugo Vau vislumbra o horizonte na Praia do Norte, Nazaré
Hugo Vau vislumbra o horizonte na Praia do Norte, Nazaré

Qual é a explicação científica para a Big Mama?

A explicação para o surgimento da Big Mama, conhecida como a onda de todas as ondas, está na profundidade do mar na zona da Praia do Norte. A apenas 400 metros da costa, entra-se numa zona de 100 metros de profundidade. Sabendo dessas características particulares, os alemães, durante a segunda guerra mundial, afundaram na zona um submarino, de forma que não fosse descoberta a sua tecnologia, mas que ao mesmo tempo possibilitasse salvar a vida da tripulação, dada a proximidade da costa.

Explicação da onda de 30 metros da Nazaré
Explicação da onda de 30 metros da Nazaré

A ONDA DO CERRO OU BIG MAMA - A ONDA IMPOSSÍVEL DE SER SURFADA

A relação entre Hugo Vau e a Nazaré é uma paixão que começou em 2005, quando aí surfou a primeira onda. Dois anos depois foi convidado a fazer segurança num campeonato do bodyboard. Em 2011, Hugo Vau recebeu um telefonema que viria a mudar o curso da sua vida. Do outro lado da linha estava Garreth McNamara, um lobo do mar apaixonado por ondas gigantes.

Só recentemente as ondas da Nazaré começaram a ser trespassados pelas pranchas. Dantes apenas os barcos de pesca logravam enfrentar as enormes massas de água. Alguns não regressavam para contar a história, vencidos por uma natureza implacável. A magnitude das ondas que se elevam a 30 metros levaram os pescadores a apelidá-la de onda do Cerro ou Big Mama.

Mas como se forma a onda da Nazaré?

Conhecida pelas suas ondas grandes, a Praia do Norte encontra-se sob a influência do fenómeno “Canhão da Nazaré”. O “Canhão da Nazaré” canaliza a ondulação do oceano Atlântico para a Praia do Norte, praticamente sem obstáculos, proporcionando a criação de ondas com um tamanho fora do normal, em oposição ao resto da costa portuguesa.

Completamente desconhecida para a comunidade surfista internacional, só em 2011, a Nazaré abandonou a clandestinidade e logrou entrar no mapa das ondas gigantes. Dino Casimiro, um dos atuais gestores do projeto Praia do Norte, teve a ideia de enviar uma foto a McNamara. Depois disso, é a história que se conhece.

A chegada à Nazaré, do homem que era conhecido como o explorador dos oceanos, foi a chave para dinamização de fenómeno das ondas grandes na Nazaré: Sem ter a certeza se as gigantes da Nazaré eram surfáveis, Pedro Pisco, uma das pessoas responsáveis para dinamizar o turismo na região, e atual diretor-geral do Nazaré Qualifica, percebeu que McNamara podia o ser o elemento chave para que as ondas da Nazaré rebentassem para o mundo.

“Nós tínhamos o contacto do McNamara, então dissemos ao Dino: Fala com o homem e pergunta-lhe sobre o que é que ele precisa para vir cá surfar. Não sabíamos se a onda era surfável. O Garrett ia lançar um filme que era o projeto dos glaciares, que era esperar que o glaciar caísse para fazer ondas para ele surfar. Só por ele já se criava notícia. O boom foi quando o Garrett surfou a primeira vez e na altura disse : ‘vocês não fazem ideia do que têm aqui’". Foi o início um fenómeno que hoje tem alcance mundial.

Com um centro de alto rendimento para o surf, construído em 2009, a aposta da Câmara Municipal da Nazaré nas ondas estava bem definida: O desafio passava por internacionalizar-se e convencer as marcas de que havia algo de especial no local quase desconhecido.

Pedro Pisco, diretor-geral do Nazaré Qualifica no ginásio do CAR de Surf na Nazaré
Pedro Pisco, diretor-geral do Nazaré Qualifica no ginásio do CAR de Surf na Nazaré créditos: @Evandro Delgado

“Ninguém vinha à Nazaré. Convidámos as marcas, e quando vieram cá o mar era ‘chão’. Quando viram pela primeira vez pensavam que era Puerto Escondido - Praia do México".

Com o recorde de McNamara na Praia do Norte, a estratégia passou por colocar o recorde na bocas do mundo. Como? De fora para dentro. Contactou-se a ESPN, "apenas" a maior cadeia de desporto a nível mundial. A partir daí, a notícia espalhou-se como uma onda gigante e correu mundo.

“Anunciar lá fora fez a notícia espalhar-se de forma mais rápida do que se anunciássemos cá. Se fosse em Portugal, demorava o seu tempo. O marketing territorial resultou a 100%. Desde aí, cada vez que há um alerta de ondas grandes é uma romaria à Nazaré”.

O impulso do McNamara não foi apenas importante para a comunidade surfista. A vinda do havaiano catapultou o turismo de uma região, dinamizou uma população que dependia muito do turismo nos meses de verão.

"Desde o recorde de McNamara, cada vez que há um alerta de ondas grandes é uma romaria à Nazaré"

“Numa recente entrevista, o surfista Andrew Cotton confessou que a maior diferença em relação a 2012 até agora foi a transformação da Vila no inverno. Agora está tudo aberto”, observou Pedro Pisco. Sobre o impacto no turismo, é difícil de quantificar: “Ter 20 minutos no 60 minutos da CBS e ter 30 segundos na CNN, é imensurável”.

Com a publicidade resultante do fenómeno McNamara, foram inúmeros os surfistas que se deslocaram à Nazaré para tentarem domar as galopantes ondas da Praia do Norte. Com poucos conhecimentos sobre as especificidades da Praia do Norte, alguns aventureiros pagaram a imprudência de desafiar os gigantes da Nazaré. Um dos acidentes mais mediáticos foi o da surfista brasileira Maya Gabeira, que chegou a correr risco de vida em 2011.

“A Praia do Norte não é um lugar para se facilitar, quanto mais se conhece mais se respeita. As pessoas pensam que é um sítio que tem parecença com algumas ondas que já surfaram. É um dos sítios mais exigentes para se surfar no mundo”, considera Hugo Vau.

“Aos surfistas que se querem aventurar na Praia do Norte, dizemos-lhes para estudarem a praia, ver as correntes, onde o mar rebenta ou onde não rebenta, porque as coisas quando correm mal, correm mesmo muito mal”, alerta Pedro Pisco.

Apesar de haver todo um dispositivo de segurança, em matéria de equipamentos de flutuação, e também nos resgates, com uma ou duas motas na água, o surfista tem que estar preparado “para que ninguém o vá buscar. Não nos podemos basear em meios mecânicos, mas sim na nossa preparação”, considera Hugo Vau.

Mesmo para quem está habituado a surfar ondas grandes, a Nazaré é uma outra realidade. Com a força e o impacto do mar, o atleta é obrigado a estar submerso durante bastante tempo, pelo que tem que lidar o stress de estar de debaixo de água. A meditação e a apneia são "cadeiras" obrigatórias para os surfistas, já que todos os segundos contam num desporto de alto risco.

João de Macedo, terceiro classificado do Nazaré Challenge em 2016, e um dos portugueses com lugar garantido no Big Wave Tour da WSL, descreve a sensação de ser esmagado por um peso de uma onda.

"Uma pessoa que esteja interessada nas ondas grandes, tem que aguentar pelo menos três minutos debaixo de água. No fundo é como se um gigante te agarrasse e estivesse às cambalhotas contigo"

Com ‘formação’ nas ondas grandes em Maverick, na Califórnia, o surfista natural da Praia da Grande, em Sintra, foi o primeiro português a entrar na elite mundial do surf de ondas grandes (Big Wave Tour - WSL - surf em remada e sem auxílio do jet ski). Fica o orgulho por fazer parte de um geração de grande calibre.

"No fundo é como se um gigante te agarrasse e estivesse às cambalhotas contigo"

“O fenómeno da Nazaré era algo underground e o surf de ondas grandes praticamente não existia e nem havia esta infraestrutura que há agora. Fiz parte uma geração lá [em Maverick], tive boas performances e foi esse reconhecimento que me projetou e permitiu entrar no Mundial".

"Quando começou o circuito - em 2009 -  queria representar Portugal e mostrar o surf que temos cá. O Alex Botelho fez um grande resultado (final) em Puerto Escondido e as suas performances têm sido inacreditáveis. O Nick Vou Rupp é dos melhores tube riders do mundo. Temos surfistas de grande calibre, e tenho orgulho em fazer parte desse grupo”, afirmou um dos representantes portugueses no Nazaré Challenge.

João de Macedo, surfista português que participa no mundial de ondas grandes, no seu hangar na Nazaré
João de Macedo, surfista português que participa no mundial de ondas grandes, no seu hangar na Nazaré créditos: @Evandro Delgado

Depois do 'Boom'

Findo o 'boom' de McNamara, a Nazaré hoje é reconhecidamente um dos locais com a maior e melhor ondulação do mundo. Em 2010, foi criado o "North Canyon", projeto que contou com Garret McNamara para a promoção da Nazaré enquanto destino de referência para os desportos náuticos. Em 2014, a estratégia passou por alavancar a marca ‘Praia do Norte’, com enfoque na aposta nos eventos internacionais. O mais importante deles é o Nazaré Challenge que faz parte do circuito mundial da WSL.

Prova da Nazaré do circuito mundial de ondas gigantes disputada no sábado
Prova da Nazaré do circuito mundial de ondas gigantes disputada no sábado
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“Conseguimos colocar lá fora [o nome da Nazaré] e agora não temos que investir para trazer os atletas para a Praia. Agora a ideia passa por consolidar a imagem da Praia do Norte a nível internacional”, sublinhou Pedro Pisco.

Consolidada a prática de surf na Praia do Norte, hoje existe uma estrutura de segurança que está alerta, sempre que existam ondulações acima dos três metros e meio: Nadadores salvadores, comunicação via rádio e bombeiros asseguram a segurança dos que tentam imitar os feitos de McNamara.

“A partir de 3 metros, 3 metros de ondas, colocamos em campo toda a equipa de segurança. De manhã vai alguém à primeira hora ao Farol e assim que a primeira mota sai do Porto de Abrigo ligamos ao nadadores salvadores, aos bombeiros e aos tratores. No forte, sou eu e mais outra pessoa com um rádio. Há riscos associados. Agora nós tentamos minimizar as consequências”, disse.

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