Tamila Holub é aos 24 anos uma atleta com créditos firmados, depois de duas participações em Jogos Olímpicos e de inúmeras finais em grandes competições internacionais. No ano de estreia em Jogos, no Brasil, foi campeã europeia júnior nos 1500 metros livres. A nadadora do SC Braga será das mais experientes a marcar presença nos próximos Jogos Mundiais Universitários, que se vão realizam entre os dias 28 de julho e 8 de agosto.

De Lisboa para o Japão, mais precisamente Fukuoka falámos com a nadadora na antecâmara da sua participação nos 800 metros livres nos Mundiais de Natação, uma das suas especialidades. Acabou por ser inevitável abordar o resultado histórico de Diogo Ribeiro, com a conquista da prata, e claro o desenvolvimento da modalidade em Portugal.

"Não posso dizer que houve grandes mudanças na metodologia de trabalho em relação há alguns anos atrás. Só que a modalidade começou a ser praticada relativamente tarde em Portugal e há ainda um comboio para apanhar, comparativamente com outras potências como a Austrália, Estados Unidos, Inglaterra e por aí fora", começa por nos dizer, apontando a falta de piscinas como um enorme 'calcanhar de Aquiles'. Tamila Holub estuda e vive em Braga, mas tem que percorrer cerca de 40 km para poder treinar na piscina olímpica mais próxima que se situa na Póvoa de Varzim.

"As condições de treino continuam a ser diferentes. No Jamor, no centro de alto rendimento, as condições vão ser muito melhores do que para mim que estou em Braga. Infelizmente a natação está muito centralizada entre Lisboa e Coimbra e fora dessas zonas é complicado porque quase não há piscinas olímpicas em Portugal. Eu costumo treinar na Póvoa de Varzim, e temos que fazer viagens de ida a volta entre Braga e a Póvoa de Varzim, três vezes por semana, mas tem que ser. E quando precisamos de treinar em piscina olímpica todos os dias, estamos limitados a três vezes por semana", relata.

"Ainda é muito complicado conciliar os estudos com o desporto"

Estudante de criminologia e justiça criminal na Universidade do Minho, e tendo vivenciado uma realidade diferente nos Estados Unidos, país onde chegou a estudar, Tamila relata as dificuldades que sente para conciliar os estudos com o desporto, apesar de reconhecer que os professores até são sensíveis à vida intensa que implicam os treinos e  as competições.

"Tenho muita sorte porque em Portugal os professores têm sido muito sensíveis nesse aspeto. Conheço colegas meus que não têm essa sorte, depende muita de faculdade para faculdade. Tive a experiência de estar nos Estados Unidos e é uma diferença muito grande, começando com os horários porque os atletas podem ajustá-los consoante os seus treinos. Eu já sei que no próximo ano não poderei ir às aulas à segunda-feira porque terei que ir à Póvoa de Varzim à piscina. São estas coisas que parecem pequenas mas claro que dificultam o percurso de um atleta. No meu caso tem corrido bem, mas diria que regra geral é ainda é muito complicado conciliar os estudos com o desporto."

"No próximo ano não poderei ir às aulas à segunda-feira porque terei que ir à Póvoa de Varzim à piscina. São estas coisas que parecem pequenas mas claro que dificultam o percurso de um atleta"

Infelizmente são muitos os casos de atletas que têm que deixar o desporto para trás devido aos estudos.  "É uma realidade que temos muito em Portugal, e no secundário e no acesso à faculdade há jovens muito promissores que desaparecem, porque infelizmente viver do desporto em Portugal ainda é um bocado irreal. E eu do meu lado, até como capitã de equipa do SC Braga, não tenho o direito de estar a exigir a esses atletas que sacrifiquem os seus estudos para ir treinar porque não faz sentido. No meu caso eu arrisquei, coloquei os estudos um pouco de lado no 11.º ano para conseguir qualificar-me para os Jogos. Temos o caso de atletas que desistem aos 18/19 anos, numa fase muito importante para o seu desenvolvimento", revela.

"Eu como capitã de equipa do SC Braga não tenho o direito de estar a exigir a esses atletas que sacrifiquem os seus estudos para ir treinar porque não faz sentido"

Numa carreira curta, em que os atletas para terem bolsa dependem dos resultados, e ainda têm que conjugar os estudos com a carreira desportiva, naturalmente a saúde mental pode ressentir-se, até porque "nada te garante que as coisas vão correr bem".

Tamila Holub olha para a saúde mental como fundamental, da mesma forma também o são o treino e a nutrição, recordando um dos momentos que lhe causou maior instabilidade emocional enquanto atleta.

"Ainda temos essa de ideia de não prevenir mas sim de remediar e foi precisamente o que aconteceu no meu caso após os Jogos Olímpicos. Foi um ciclo atípico, que não foi de quatro, mas sim de cinco anos [até aos Jogos Olímpicos de Tóquio]. Todos os atletas que tiveram que passar por isso, foi uma fase muito complicada. Acabou por ser uma descarga tanto emocional como física e especialmente a nível emocional. Até esse momento nunca tinha recorrido a qualquer tipo de ajuda, mas devia ter recorrido, porque acabamos por ter que lidar com muita pressão. E é importante esse acompanhamento psicológico sobretudo em modalidades como a natação em que com 11/12 anos os atletas já participam em competições internacionais. Tal como o desporto tem a nutrição e o treino, a parte da psicologia e da saúde mental também é muito importante", destaca.

"Depois dos Jogos Olímpicos em Tóquio vivi uma fase complicada, num ciclo que foi atípico não de quatro, mas sim de cinco anos"

Naquela que será a primeira participação nos Jogos Mundiais Universitários as expetativas são elevadas.  "Ouvi coisas muito positivas sobre essa prova. Nem sei o que esperar, estou com expetativas elevadas no sentido em que vai ser uma competição diferente. Todos os meus colegas deram-me um ótimo feedback, numa prova que é muito competitiva mas que não tem toda aquela pressão que as grandes provas têm, como no caso dos Jogos Olímpicos, Mundiais", assinala.

Em relação à adaptação ao fuso horário chinês, e de forma este tem influência, os Mundiais do Japão vão acabar por servir como preparação. "Eu e todos os meus colegas que competimos de manhã é como se estivéssemos a competir às três horas ou quatro da manhã em Portugal. E claro que nunca vais estar 100% adaptado, mas tivemos o cuidado de ter um estágio de adaptação e foi bom para a equipa, para a Camila Rebelo e o Gabriel Lopes que também vão competir na China e os Mundiais vão servir de preparação para os Jogos Mundiais Universitários."