A COVID-19 obrigou à suspensão das atividades desportivas, mas o lisboeta Clube de Rugby de São Miguel pôs os seus meios à disposição do combate à pandemia e há dois meses que cerca de 30 voluntários distribuem refeições em Alvalade.
Os jogadores profissionais do clube, estrangeiros, envolveram-se de imediato, tal como colegas com outras ocupações, dirigentes, treinadores, familiares de atletas e vizinhos do bairro, que se revezam nas escalas para uma tarefa que consideram mais importante do que marcar ensaios.
As chuteiras e ombreiras estão arrumadas. No relvado, deixaram de se marcar pontos, de se ver placagens, mas nas instalações, na esplanada junto ao bar do clube, o movimento não parou.
De segunda a sexta-feira, a azáfama começa de manhã, quando chegam as refeições quentes trazidas pela Junta de Freguesia de Alvalade e é necessário separá-las por família. Duas por pessoa, mais o lanche.
Por estes dias, não se pensa na bola oval ou em linhas imaginárias, porque os problemas são bem reais. Distribuem-se as refeições no clube a quem se pode deslocar e entrega-se em casa a quem tem dificuldades de mobilidade, normalmente idosos. Desde há um mês que, uma vez por semana, se passaram a entregar cabazes com produtos, para quem prefere confecionar as suas refeições.
Miguel Teixeira, o presidente do Clube de Rugby de São Miguel, mostra-se surpreendido com a evolução do número e do tipo de pessoas que precisam desse apoio.
"A tipologia da população que tem vindo ao encontro do projeto passou de uma população mais carenciada para pessoas que à partida não imaginávamos que pudessem vir a precisar, pessoas de classe média", frisa. "Não tinha noção de que isto podia chegar a determinados segmentos da população", acrescenta o dirigente.
A equipa do clube, que integra uma rede mais vasta, está a distribuir refeições a 34 famílias, com agregados variáveis, em função de uma listagem que lhes é entregue.
Lourenço Monteiro, 31 anos, asa em campo, é gestor. O volume de trabalho diminuiu e ficou com mais tempo disponível para participar. Põe a máscara, veste a camisola com o emblema do Rugby de São Miguel ao peito e vai bater às portas sinalizadas.
"Transformámos a atividade do clube numa atividade de cariz social. Pelo menos, sentimo-nos úteis, ao serviço da comunidade", sublinha o também diretor da formação.
O asa acredita ajudar a transmitir "algum conforto", especialmente nos momentos de contacto com os idosos mais isolados, e tem-se sentido esmagado pelas consequências da pandemia, que retirou inesperadamente rendimentos a algumas pessoas.
"Há pessoas que viram a vida transformada e precisam de uma ajuda, se calhar mais discreta. Sentimos o desconforto de quem não esperava recorrer a este apoio", refere Lourenço Monteiro.
A experiência, uma vez por semana, à hora de almoço, tem ajudado Marta Vasconcelos, ex-pilar de 28 anos, agora diretora da equipa feminina, a "matar saudades" do ambiente, ao ver o relvado, quando todas as rotinas foram alteradas, mas o que vê agasta-a.
"Tem sido uma experiência triste, porque cada dia que passa vemos mais pessoas a precisarem", vinca.
A iniciativa é desenvolvida pela Câmara Municipal de Lisboa, em parceria com a Junta de Freguesia de Alvalade, que entrega as refeições gratuitas, para serem distribuídas, em três associações: o Clube de Rugby de São Miguel, a Re-food Alvalade e o Centro Cultural Recreativo dos Coruchéus.
Enquanto reestruturam as escalas, à medida que os voluntários vão regressando ao trabalho, Miguel Teixeira aguarda uma decisão da federação sobre o campeonato e espera que o Rugby de São Miguel, líder isolado do segundo escalão da modalidade, possa subir à Divisão de Honra.
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