Domingo, 14h45 - A pouco mais de 45 minutos da final de singulares, encontramos Rui Neves em alguma azáfama. Pede-nos alguns minutos antes do início da entrevista, que já tinha sido combinada nos dias anteriores. Fazem-se as últimas afinações às raquetes daquele que viria a ser o campeão: Stefanos Tsitsipas.
"Por acaso até foi o jogador que me deu mais trabalho. Ele [Stefanos Tsitsipas] normalmente encordoa as raquetes antes do jogo e como viram, tinha aqui cinco raquetes. E em todos os dias que ele jogou trouxe as cinco raquetes para encordoar."
Mais um compasso de espera...Chega o pai de jogador helénico. Vem buscar as 'armas de combate' do filho, afinadas com uma tensão de 25 quilos.
O encordoamento de uma raquete tem singularidades únicas. Para além das cordas, o tenista tem preferências em relação à tensão, que pode ser alterada ao longo do torneio consoante as condições atmosféricas. 28 quilos foi a raquete com a tensão mais alta encordoada por Rui Neves.
"Não era nenhum conhecido. Assim dos 'grandes', o que pediu mais tensão foi o [Gael] Monfils com 26 quilos", relata.
6000 euros é o valor da máquina utilizada por Rui Neves para afinar as raquetes
Foi de sorriso aberto que fomos recebidos por este profissional das cordas. Foi há quarenta anos que deu os primeiros passos na profissão, com 13 anos, por influência do tio. Fez a sua estreia em torneios nos antigos satélites (antigos futures), e é totalista no ATP português, onde é o encordoador oficial desde 1990.
"Isso começou através da minha mãe. Eu tinha 13 anos e na altura já era assim um rapazinho grande e tinha força. E quando comecei a jogar ténis comecei a partir muitas cordas. O meu padrinho de batismo era funcionário no estádio [do Jamor] e fazia este tipo de trabalho. A minha mãe aconselhou-me a ir ter com ele para aprender, que era capaz de ser uma arte engraçada, para ter um futuro. E assim foi."
É com saudade que recorda "o Grande Estoril Open", dos tempos em que se realizava no Jamor, antes de se mudar de armas e bagagens para o Clube de Ténis do Estoril em 2015.
"Tinha outra mística, a localização...era tudo diferente", conta-nos. Foi na Cruz Quebrada que o encordoador de 52 anos viveu as histórias que lhe ficaram na memória. Uma que não esquece passou-se com Thomas Muster, antigo número um Mundial, e duas vezes campeão no torneio português.
"Houve um jogador que me marcou que foi o Thomas Muster. Uma das coisas que me marcou é que ele foi número 1 na semana em que esteve cá e ter sido o único encordoador a fazer-lhe a raquete. Mas criaram-se amizades com muitos outros."
Dada a exigência de um circuito ATP, e onde a fiabilidade do equipamento tem uma importância particular, ocorreram ao longo dos anos algumas situações de tensão com tenistas, mas na maior das vezes a relação é pacífica.
"Tive uma história com o Franco Davín (jogador argentino, finalista da primeira edição em 1990). Enganei-me nas cordas, porque naquele altura era um bocadinho mais 'verdinho' e fiz algo que nós chamamos uma ponte, em que passei duas cordas ao mesmo tempo e veio direito a mim para me desancar, mas depois ficou tudo sanado (risos). Normalmente isso não acontece, pode haver um ou outro mais meticuloso ou exigente. Mas na maioria, eles deixam ao cuidado mas não costumam haver grandes problemas."
Se encordoar cordas não é propriamente um trabalho corriqueiro tem uma razão de ser. É uma arte que não está ao alcance de todos.
"Tem a ver com as mãos, com a forma como nós fazemos e também com a sensibilidade. Eu como também jogo, tenho mais sensibilidade com as cordas, com as tensões. A experiência deixa-nos muito sensíveis. No fundo é uma arte.".
Profissionais das cordas são poucos, em Portugal menos ainda, Rui Neves é um privilegiado.
"De profissão não há muita gente. Há pessoas a fazer como hobbie, ou como necessidade, seguramente. Eu faço isto a 100%.", finaliza.
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