David Coulthard esteve em Lisboa no fim de semana passado, para apresentar pela primeira vez na capital portuguesa o Red Bull Showrun. Antes de guiar um carro de Fórmula 1 na Avenida da Índia em Belém para quase 100 adeptos, o piloto escocês deu uma entrevista exclusiva ao SAPO Desporto.

Na primeira parte da entrevista, publicada na quarta-feira,  o antigo piloto de Fórmula 1 abordou as mudanças que a prova rainha do desporto motorizado foi sofrendo ao longo dos anos.

Na segunda parte da extensa conversa, falámos do lado mais pessoal, da sua estreia a vencer na Fórmula 1, precisamente em Portugal. Vice-campeão mundial em 2001, na McLaren, atrás do alemão Michael Schumacher, David Coulthard entrou para a Fórmula 1 em 1991 mas só em 1994 começou a correr em competição. Deixaria o Grande Circo em 2008.

O amor pela prova rainha do automobilismo estava intacto, mas o mesmo não se podia dizer da paixão. Coulthard estava cansado da Fórmula 1.

Veja o vídeo da entrevista 

Adeus à Fórmula 1: o amor estava lá, mas a paixão já tinha partido

"Quando olho para a minha carreira, de 1991 como piloto de testes até 2008, fiz centenas de milhares de quilómetros num carro de Fórmula 1 e adorei esses quilómetros, adorei testar, ser parte do teste de nova tecnologia, tentar fazer funcionar, foi um período muito educativo. E claro, os Grandes Prémios eram sempre muito divertidos. Mas no final cansei-me, só fiquei cansado. Como em qualquer relação, o amor não é suficiente, tem de ter paixão, energia, desejo de fazer a coisa funcionar. Cheguei ao ponto em que o amor existia mas o desejo estava a diminuir e quando isso acontece está acabado, não há possibilidade de estar sem ser comprometido a 100%. Por isso era altura de eu parar", confessou ao SAPO Desporto.

Após fazer parte da estreia da Red Bull na Fórmula 1, em 2005 e dar o primeiro pódio (2006) à equipa austríaca, o escocês de 52 anos deixou a modalidade em 2008. Nos 14 anos na Fórmula 1, alcançou 13 triunfos, 62 pódios e 12 'pole positions'. Mas a curiosidade falou mais alto e após um convite da Mercedes, voltaria aos volantes um ano depois para pilotar nos carros de Touring alemães durante três anos.

Entrevista exclusiva a David Coulthard: "Inteligência artificial seria capaz de conduzir um carro de F1 com menos erros do que um humano, mas não teríamos desporto"
Entrevista exclusiva a David Coulthard: "Inteligência artificial seria capaz de conduzir um carro de F1 com menos erros do que um humano, mas não teríamos desporto"
Ver artigo

Com a vida preenchida entre os negócios e educar um filho de 14 anos, o Red Bull Showrun Lisboa lembrou a Coulthard como "é correr num Grande Prix", mesmo não estando a desfrutar da última tecnologia na Fórmula 1. Além de ser consultor da Red Bull, Coulthard tem uma participação numa produtora de TV chamada Whisper TV, iniciada há 13 anos e que hoje é um dos maiores produtores de TV na Europa, com coberturas em todos os desportos.

Das boas memórias de Portugal à trágica entrada na Fórmula 1 após a morte de Senna

Dos 14 anos ao mais alto nível entre Grandes Prémios, ganhar provas ou ser vice-campeão do Mundo não foram as melhores memórias de Coulthard na Fórmula 1.

"A melhor memória foi todo o processo. Trabalhar com excelentes homens e mulheres, designers, mecânicos, engenheiros. Pessoas que têm uma atitude de 'vamos encontrar uma solução' e não uma atitude de 'o problema é ...' E é um ligar muito viciante para estar", garante.

Das boas memórias fazem parte Portugal, onde o escocês venceu pela primeira vez na Fórmula 1, em 1995, no Estoril. Mas as visitas a Portugal já eram frequentes.

"Vim pela primeira vez ao Estoril em 1990, nas fórmulas mais abaixo, passei aqui muitos invernos, por isso fiz esse voo [entre Londres e Lisboa] muitas vezes, porque na altura vivia em Londres, aliás a cerca de hora e meia de distância, em Milton Keynes uma base da Red Bull. Era um voo regular, vir a Lisboa, conduzir até Cascais, ficar no Hotel, ir para a pista por 3 dias e voltar para casa. Era sempre uma boa sensação. Cresci a conduzir com o piloto Pedro Lamy. Saia com ele íamos fazer jet ski e jantar em restaurantes de Cascais, por isso sempre tive boas impressões", relembra.

No Estoril conquistou o primeiro pódio em 1994 e, um ano depois, a sua primeira vitória na Fórmula 1 no mesmo circuito.

Ainda nas viagens no tempo, Coulthard recuou até 1994 para ir ao baú das más memórias: a forma como começou a correr na Fórmula 1.

"Comecei a minha carreira porque o Ayrton morreu. Eu trabalhava com ele na Williams, era piloto de testes, sempre o admirei. E isso, sem ser desrespeitoso, ele foi apenas um ser humano que foi morto naquele dia, porque houve milhares de pessoas mortas no mundo naquele dia. Mas ele era uma pessoa muito pública, era considerado um dos melhores da sua geração e a realidade é que se ele podia morrer qualquer um de nós todos podia também. É claro que sabíamos isso mas não pensamos nisso", começou por abordar, recordando um dos dias mais tristes da Fórmula 1.

"Foi um período horrível para a Fórmula 1 porque no sábado Roland Ratzenberger, um jovem piloto austríaco morreu também num acidente. Bom, é uma porcaria de maneira de começar a carreira, mas o mundo tem de avançar, temos de avançar, a equipa tinha de encontrar outro piloto e eu tive de conduzir o mesmo carro, porque era o que tínhamos", admite.

Desse tempo do "horrível acidente", David Coulthard recorda também como a imprensa abordou a sua passagem de piloto de testes para correr no carro de Ayrton Senna que acabara de morrer em Imola, num acidente.

"Foi antes da era digital e online e era muito jornalismo da velha guarda, de vir às pistas, e acho que esse coletivo foi incrivelmente profissional. Tinham de escrever a história, analisar, havia pessoas a morrer nas pistas, e há um tipo novo a entrar na cena, mas fizeram-no de uma forma incrivelmente profissional e elegante", elogiou.

O escocês prometeu regressar a Portugal, país que espera voltar a ter a Fórmula 1, depois ter ter sido palco de dois Grandes Prémios, no Autódromo Internacional do Algarve, em Portimão, durante a pandeia de COVID-19. No entanto, frisa que será difícil pela forma como a Fórmula 1 é gerida hoje dia.

"Para acolher um Grande Prémio há muita pressão sobre quanto tem de se pagar e nessa altura de COVID-19 acredito que houve uma relação benéfica entre a Fórmula 1 e Portimão. Mas claro que há tanta história em Portugal que não seria desconfortável ou estranho a Fórmula 1 voltar a correr aqui, é só uma questão de que circuito e quem está a pagar porque o negócio de F1, do desporto hoje... a Liberty comprou F1, não porque é uma organização de caridade mas porque querem aumentar a sua faturação e em última análise, vender a outras pessoas", finalizou.

Veja ou reveja as melhores imagens do Red Bull Showrun Lisboa