"Em emergências, as organizações da sociedade civil [OSC] apoiam os Governos na prestação de serviços. Mas o papel principal das OSC é advocacia, não prestação de serviços. E eu tenho uma postura forte, no contexto da ONU, sobre essa questão", afirmou Funmi Balogun, em Díli.

"É mau quando as OCS se tornam apenas parceiros de implementação da ONU ou do Governo. O papel principal deve ser advocacia, identificar onde há questões por resolver e a ONU deve apoiar a garantir que o espaço cívico está aberto e, de forma respeitosa, sem antagonismo, dizer ao Governo que este ou aquele desafio tem que ser respondido", sustentou.

Funmi Balogun respondia à Lusa num almoço de apresentação com vários meios de comunicação social, organizações não-governamentais (ONG) e outras estruturas da sociedade civil em Timor-Leste, em que se deram a conhecer a ONG Fórum e a Rede das Mulheres, entre outras.

"Temos que em conjunto identificar as prioridades e atuar de forma eficaz. Temos que cimentar o trabalho de advocacia das organizações da sociedade civil junto do Governo. A ONU é imparcial, apartidária e queremos ver como podemos usar essa imparcialidade, para facilitar um melhor diálogo entre a sociedade civil e o Governo", afirmou.

"A parceria da ONU convosco demonstra que as OSC podem trabalhar bem com os Governos. Responsabilizar os Governos não implica que a postura tem que ser sempre antagonista. As OSC apoiam para garantir que o Governo está a fazer o que tem que fazer. E isso é advocacia", sublinhou.

No mesmo encontro, Koko Valentin, do ONG Fórum, referiu-se a aspetos como a necessidade de cimentar parcerias efetivas, com resultados práticos, entre a ONU e ONG timorenses enquanto Zélia Fernandes da Rede das Mulheres destacou a necessidade de continuar a trabalhar para combater a violência contras as mulheres e crianças.

Notando algum recuo, em parte devido à pandemia da covid-19, no esforço para alcançar as metas de desenvolvimento, Balogun destacou a necessidade de as OSC continuarem a ser a voz de comunidades mais vulneráveis.

"Vocês podem ter um papel direto para moldar a conversação sobre o que deve ser financiado e apoiado, o que deve escalado. Precisamos de ter esse tipo de diálogo e parceiras. E essa é a única forma para atingir os objetivos que temos todos. O papel da ONU é de facilitar esse tipo de conversações, facilitar diálogo com o Governo, com agências, com OSC", sublinhou.

Considerando que às OCS "não basta ter escritório aberto", têm que ser representativas da comunidade e "serem vistas como porta-vozes do setor em que atuam", Funmi Balogun defendeu um novo paradigma na atuação da ONU em Timor-Leste.

"Não vi nenhum país que se tenha construído apenas com intervenções das CSO, da ONU. Os países que fizeram progresso, fizeram progresso pelos esforços do Governo, que é quem tem a responsabilidade", disse.

Questionada pela Lusa sobre ineficácias, duplicações de programas e a aposta em iniciativas a curto prazo em vez de programas mais bem coordenados e mais amplos, Balogun referiu-se à necessidade de mudança de mentalidades.

Destacou o quadro de reforma da ONU, afirmando que esse desejo partiu dos próprios Estados-membros, que apontaram "alguma falta de coordenação, demasiadas ineficiências no sistema e muitos desperdícios"

"Se não reformarmos, também não poderemos apoiar de forma efetiva o Governo e o povo. É preciso uma mudança de mentalidades, de todos nós. A ONU nasceu do ponto de vista humanitário e demora a mudar para o ponto de vista do desenvolvimento", disse.

"O aspeto humanitário é importante, mas não podemos ficar presos no humanitário. Temos que trabalhar de forma diferente, como apoiamos o Governo", com melhor análise, alinhamento com as prioridades do país e melhor coordenação interagências, salientou.

Funmi Balogun foi nomeada pelo secretário-geral da ONU, António Guterres, no início deste mês, como nova coordenadora residente da ONU em Timor-Leste, tendo apresentado esta semana as credenciais à ministra dos Negócios Estrangeiros, Adaljiza Magno.

A nova responsável conta mais de 30 anos de experiência a trabalhar e a liderar projetos humanitários, de paz e desenvolvimento na ONU e em ONG internacionais.

Antes de ser nomeada para Timor-Leste, Balogun era responsável da Normativa Humanitária e Coordenadora de Ação da ONU Mulheres, agência onde liderou a resposta global das mulheres da ONU às crises humanitárias.

Nas anteriores funções, deu ainda apoio aos escritórios da ONU Mulheres para reforçar a integração de temas de igualdade de género na resposta humanitária das Nações Unidas em países afetados pela crise.

Esteve também destacada na Etiópia e no Quénia, trabalhando com várias instituições, incluindo a ONG Federação Internacional do Planeamento Familiar (International Planned Parenthood Federation).

Liderou a coordenação interagências das Nações Unidas em avaliações conjuntas, no desenvolvimento e aplicação de programas conjuntos da organização, incluindo sobre violência de género, governação e proteção contra a exploração sexual e abuso.

Atualmente, a presença da ONU em Timor-Leste engloba 21 agências residentes e não residentes.

 

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