Muito se falou sobre a saída de Roger Schmidt do comando técnico do Benfica. Na verdade, falou-se tanto da sua saída como da sua manutenção, amplamente criticada por adeptos e comentadores. Rui Costa viu condições no treinador alemão para que este pudesse fazer uma temporada à imagem da primeira, em que foi campeão. Talvez se tenha apercebido do erro logo no jogo de Famalicão.

Contudo, o reinado de Schmidt ensina-nos algumas coisas sobre o que é necessário para ser treinador de um clube com a dimensão do Benfica. Quem diz do Benfica diz, claro, de todos os clubes. Contudo, os grandes clubes tendem a ser uma espécie de aceleradores de partículas pela sua relevância social, pelo tempo de antena que lhes é dado pelos órgãos de comunicação social, e pela forma como toda e qualquer comunicação externa é escrutinada ao limite.

É quase um lugar-comum dizer que Schmidt falhou na comunicação e na relação com os adeptos, e isso é a primeira lição a tirar desta saída. Veja-se como, por exemplo Sérgio Conceição criou uma união de ferro com os adeptos portistas, tornando-se numa espécie de baluarte da mística portista. Isto levou a que a sua cadeira raramente abanasse nos sete anos de dragão ao peito.

Mesmo nos momento menos bons - e, claro, existiram -, os adeptos foram mais lestos a criticar os órgãos da SAD, e a maneira como delapidaram o plantel portista, do que o treinador. E ainda que existam bases relevantes para esta tomada de posição, é inegável que a forma como Conceição assumia as dores do clube como suas, em tomadas de posição frontais e que até o prejudicaram diversas vezes do ponto de vista disciplinar.

Os resultados ajudam, claro. Contudo, o insucesso futuro é a inevitabilidade do treinador bem-sucedido. Nesses momentos, ter uma comunicação certeira com a imprensa, ser capaz de fazer uma gestão interna de egos e de expectativas, bem como ter uma boa imprensa, fazem uma diferença muito significativa na probabilidade de o treinador reverter a má situação.

E que não se entenda ter uma boa imprensa como um acaso, um raio que cai no sítio certo ou errado, porque nem sempre assim é. Ser assertivo, mas disponível, ser consciente, mas frontal, fazem um longo caminho na forma como a imprensa e adeptos lidam com más exibições e maus resultados, e podem fazer a diferença na forma como se relacionam, posteriormente, com a equipa. É uma pescadinha de rabo na boca.

A comunicação de Schmidt foi sempre errática e evasiva. A incapacidade de falar português podia ser revertida caso o inglês fosse mais fluido, ou a disponibilidade para dar explicações sobre as deficiências da equipa fosse maior. Refugiando-se num inglês rudimentar, que parecia não lhe dar sequer ferramentas para explicações mais densas, foram muito poucas as explicações que se viram sobre opções tácticas, escolhas estratégicas ou de jogadores.

Poderão perguntar: e o treinador deve explicações a alguém? Sim, claro que sim! Principalmente, quando se treina um clube grande e, principalmente, quando não se ganha.

Bruno Lage parece herdar uma bomba-relógio no cargo que herdou. A flexibilidade táctica e o conhecimento da casa poderão ser vantagens, mas não resolverão problemas por si só. Recebe um plantel que não montou, um estádio com pouca paciência, e uma equipa que ainda parece muito longe de se encontrar. Não se conhece o onze base do Benfica. Entramos agora na fase especulativa: 4-3-3 ou 4-4-2? Será desfeito o duplo-pivot Florentino-Barreiro? Quem jogará no lugar onde ainda paira o fantasma Rafa?

Tudo isto são questões relevantes (e, diga-se, muito mais interessantes) para o rendimento da equipa. Contudo, a mais relevante talvez seja ainda: terá Bruno Lage jogo de cintura para lidar com os tumultos internos de um Benfica a caminho de eleições? Como gerirá uma equipa que parece dependente de rasgos individuais? Terá capacidade de tomar decisões que contrariem os pesos pesados da equipa? Depois de ter assumido que achava que a imprensa tinha ajudado à sua substituição por Jorge Jesus, há quatro anos, como reagirá quando (e como sabemos, é sempre uma questão de tempo) as coisas começarem a correr mal?