O treinador Alexandre Costa foi analisar os dados relativos à percentagem de vitórias das equipas portuguesas nos jogos caseiros para tentar perceber se o factor-casa ainda é assim tão decisivo.
A subida dos clubes à Primeira Liga e aos campeonatos profissionais impede-os, de forma frequente, de jogar na própria casa. São quase sempre situações transitórias, pendentes de obras que permitam cumprir o protocolo da Liga, ou devido a interdições temporária do estádio. Nas provas da Liga de 2023/24, Casa Pia e Lank Vilaverdense foram exemplos deste problema, e jogam fora das suas instalações em permanência. O Lank, inclusive, passou ao longo do campeonato por Paços de Ferreira, Coimbra e Penafiel.
É um uma verdade de 'La Palice' que os jogos em casa são, em teoria, mais acessíveis. Qualquer adepto é mais intolerante com um falhanço da sua equipa a jogar fora do que em casa. Contudo, qual o real peso deste factor? Será um dado a ter em conta na preparação dos jogos, ou é esta uma crença antiga e limitadora?
Tinha a minha opinião sobre isto, mas claro, o treinador deve basear as suas intuições em dados concretos. Foi assim que parti para uma análise dos últimos anos da Liga portuguesa. Outras competições poderão ter dados diferentes, claro, mas não creio que a tendência seja muito diferente.
Vamos a dados: nesta época, na Liga Portugal Betclic, em média, 58% dos pontos das equipas foram conquistados em casa. Curiosamente, o Casa Pia é a equipa que menos beneficia do factor casa, onde fez apenas 36% dos pontos. Coincidência? No polo oposto está o Estoril: 75% dos pontos da equipa de Vasco Seabra foram conseguidos na Amoreira.
Se recuarmos apenas alguns anos, até à época 2019/20, em que o campeonato foi interrompido em março e jogado à porta fechada de maio em diante, encontramos valores parecidos: 55,49% dos pontos foram conquistados em casa. Os estádios vazios terão feito pouca diferença? Continuou a ser um factor , mas por comparação com os jogos com adeptos, a diferença parece ter sido pouca. Qual, afinal, o real peso dos adeptos?
Recuemos no tempo: em 2015, 59,97% dos pontos da equipas foram conquistados em casa. Em 2010, foram 58,61%. São menos agora, sim, mas será esta uma tendência? Resta-nos recuar mais ainda, e em 2005 encontramos um número que parece mais significativo: 61,76% dos pontos das equipas foram conquistados em casa.
Recuando até 2000, chegamos a um número ainda mais ilustrativo: 65,43%. Começa-se a notar um padrão. Contudo, apenas um salto mais significativo nos dá uma real noção desta realidade. Em 1990, 74% dos pontos das equipas foram conquistados em casa. Em 1980 foram 70,21% e em 1970 foram 70,49%. Diferenças significativas.
Não prossegui a minha análise para perceber se esta curva era proporcional ao tempo que fosse passando - houve quem o fizesse . Contudo, estes números parecem mais que suficientes para afirmar com propriedade que o "futebol moderno", termo que certa franja de adeptos se habituou a diabolizar, atenuou o factor casa, ou pelo menos tornou-o menos relevante no futebol de alto rendimento.
Admita-se a possibilidade de em escalões com menos exigências nas condições do terreno, do estádio, etc., as coisas possam ser diferentes. São frequentes os exemplos de equipas que no século passado conseguiram a manutenção sem praticamente pontuar fora de casa, cenário que parece inverosímil nos dias que correm.
Comummente os estudos que investigam o factor casa como determinante do rendimento associam-no a alguns factores que a evolução tecnológica, e o progressivo investimento nas variáveis associadas ao rendimento parecem ter vindo a atenuar. Os efeitos do apoio dos adeptos, embora difíceis de mensurar, mantêm-se, claro.
Contudo, os efeitos negativos de viagens prolongadas são cada vez menos em equipas que invariavelmente estagiam nos melhores hotéis nas vésperas dos jogos. A possibilidade de enviesamento do árbitro, pelo factor casa e/ou por pressão do público, parece também ter sido atenuada com a criação do VAR e com o escrutínio do trabalho dos árbitros, que certamente terá subido com a disseminação das transmissões televisivas.
Talvez as condições do terreno ainda possam ser uma condicionante, em especial no inverno, mas cada vez menos. As progressivas exigências da Liga em relação ao estado do relvado, bem como a melhoria dos meios para que se mantenham em boas condições, tornará um relvado contemporâneo certamente muito diferente dos que existiam há 30/40 anos, altura em que os relvados eram já obrigatórios no principal escalão
É difícil medir factores também comummente associados, como a territorialidade e a familiaridade com o terreno. Talvez uma explicação mais plausível, e que nos deve fazer pensar, tenha a ver com a abordagem táctica. Preparam os treinadores de forma diferente jogos em casa ou fora? Terão os jogadores um comportamento mais cauteloso por se sentirem mais hostilizados no terreno do adversário? Se sim, existirão ainda fundamentos para este tipo de receios, ou estamos apenas a perpetuar uma ideia com que nos habituámos a viver?
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