O porquê do Roberto Baggio... entendo que devemos homenagear todos os imortais que fazem parte da história do futebol. Também porque faz hoje precisamente 26 anos (17-7-1994) que o Roberto teve o momento mais marcante da sua vida, falhando o penalti decisivo na final do Campeonato do Mundo contra o poderoso Brasil. E porque tive a possibilidade de partilhar momentos inesquecíveis com esta lenda, pois fomos colegas do Curso UEFA A realizado em Itália (Coverciano).

O Roberto, para quem não sabe, é considerado um dos maiores e mais populares jogadores de Itália e do Mundo na década de 1990 e começo dos anos 2000. No ano de 1993, conquistou os prémios de Melhor Jogador do mundo pela FIFA e o Ballon d'Or, entregue pela 'France Football'.

Decorria o ano de 2011, para mim um sonho... pois acabava de ser integrado no Curso UEFA A em Coverciano, na famosa escola do 'Cálcio Italiano'. Na lista estavam nomes como Ivan Iuric (atual treinador do Helas Verona), Luis Oliveira (ex-jogador da Fiorentina), Sebastiano Siviglia (ex-capitão da SS Lazio), Paolo Negro (ex-jogador da Seleção Italiana), e... 'Il Codino Divino', alcunha definida para o Roberto Baggio.

Fabiano Flora com Roberto Baggio, num curso de treinadores da UEFA
Fabiano Flora com Roberto Baggio, num curso de treinadores da UEFA Fabiano Flora com Roberto Baggio, num curso de treinadores da UEFA créditos: Facebook@Fabiano Flora

Lembro-me perfeitamente do nosso primeiro encontro, de manter os olhos fixos no seu famoso rabo-de-cavalo mas, sobretudo, nos seus joelhos, repletos de cicatrizes, de memórias que construíram a história do futebol. As cicatrizes demonstram que ele foi um sobrevivente, um lutador forte e destemido, um verdadeiro vencedor nas sucessivas batalhas. E foram muitas as que o Roberto teve de suportar, particularmente na final do Campeonato do Mundo de 1994.

Confidenciou-nos que, passados tantos anos, ainda não conseguia dormir descansado por ter falhado aquele penalti contra o Brasil.

Foram poucas as palavras utilizadas, um sentimento estranho, pois queria ouvi-lo contando as suas magníficas histórias de vida repleta de sucessos. Recordo-me que, naquele momento do primeiro encontro, ele fez-me uma questão, mas não me lembro sequer do que lhe respondi, tal era a emoção de o ter conhecido pessoalmente.

O Roberto sempre foi muito reservado, tímido e humilde. É consenso absoluto que todos esses valores dizem respeito a qualidades muito importantes para o nosso convívio no dia-a-dia e, sobretudo no desporto. Além disso, enobrece-nos e enriquece-nos como indivíduos e o Roberto é, sem dúvida, uma pessoa muito especial pois o seu comportamento enquadra-se perfeitamente nesses valores humanos.

Roberto Baggio
Roberto Baggio O avançado italiano Roberto Baggio será sempre recordado pelo penalti falhado na final do Mundial de 1994 frente ao Brasil. Era um maestro em campo. créditos: AFP

Era habitual, durante as aulas práticas e, dado o calor que se fazia sentir em Itália, ele ir buscar sacos de água para todos nós... isso diz tudo da sua simplicidade. Das várias conversas que tivemos, ficou-me impresso a sua ideia acerca da formação do jovem jogador. Para ele deverá haver um desenvolvimento individual direcionado para a relação com bola, o simples passe ou manter a bola no ar realizando toques sucessivos. Falamos da essência do futebol.

Certo dia, durante uma aula, o Roberto disse que ia fazer-nos uma surpresa e, desaparece..., passado algum tempo, surge na aula com o Guardiola (ambos jogaram no Brescia Cálcio no ano 2001-02). Sim, era mesmo ele, o treinador daquele Super Barcelona que todos nós conhecemos e apreciámos, pois acabara de ganhar tudo o que tinha para ganhar.

Ainda hoje guardo comigo o áudio desse mesmo dia, onde Pep Guardiola partilhou com toda a plateia alguns dos seus princípios que poderei resumir em breves e simples pontos: Barcelona? Em fase ofensiva fazer com que o campo pareça maior e, em fase defensiva, fazer com que o campo pareça mais pequeno. Talvez, na altura, me parecessem palavras relativas, hoje fazem todo o sentido.

O mesmo ia referindo, pormenorizadamente, que era impossíve  l trabalhar as transições ofensivas no Barcelona, pois os seus jogadores sentiam-se bastante confortáveis com a posse de bola. Mesmo quando havia a possibilidade de marcar golo através do contra-ataque, os jogadores preferiam manter o controlo da posse. Referia continuamente que a bola não se rouba, mas sim reconquista-se.

Entendo que este seja um dos pontos de evolução do futebol da última década, isto é, se antes se conquistava  a bola e se procurava chegar rapidamente à baliza contrária, nos dias de hoje, após a sua conquista, se poderá atacar a profundidade ou jogar em apoio mantendo a sua posse.

Fabiano Flora com Pep Guardiola
Fabiano Flora com Pep Guardiola Fabiano Flora com Pep Guardiola créditos: Faceboo@Fabiano Flora

Roberto Baggio: "Só erra um penalti quem tem coragem de bate-lo. Naquele dia, decidi bater e errei. Ponto final. Faz parte do jogo. Aquilo marcou-me por muitos anos e ainda sonho com isso. Apagar aquele pesadelo da mente foi difícil. Se pudesse apagar aquela imagem da minha vida, apagaria. Mas a vida nos ensina muitas coisas e entendi que, quando um homem se deixa vencer pela derrota, está a renunciar à vida. Aquele momento foi importante para mim. O ano de 1994 foi o ano em que o Ayrton Senna morreu. Eu jamais tinha falhado um penalti daquela maneira, para o alto. E a bola partiu para o céu... Acho que foi um presente para o Ayrton Senna".

Obrigado Roberto!